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A verdade sobre o déficit da previdência.

O déficit da previdência deve-se a uma desinformação da grande mídia ou um pacto para sua privatização?

26/09/2016 às 14:21
Leia nesta página:

De maneira fantasticamente recortada, fora apresentada em uma matéria jornalística de um programa de grande repercussão nacional sobre o déficit da previdência, o que não vem de encontro com a realidade da seguridade social.

Embora as áreas de minha atuação jurídica sejam a Ambiental e a Tributária, o fato de que as contribuições sociais sejam um tipo de tributo, me deixa bastante confortável para tratar sobre o déficit da previdência, ainda mais depois de ficar indignado com uma matéria falaciosa na noite do último domingo em um programa televisivo de grande repercussão.

De maneira fantasticamente recortada, fora apresentada uma conta sobre o déficit da previdência que não vem de encontro com a realidade da previdência e seguridade social do Brasil. Na matéria jornalística, o enorme desequilíbrio demonstrado teve como base um determinismo demográfico fazendo acreditar que as receitas da previdência são oriundas somente da folha de salários.

No artigo 195 da CFRB – Constituição Federal da República do Brasil, o legislador deixa claro que todos, sem exceção (incluindo aqui o Estado), financiarão a seguridade social. Dentre as contribuições para tal financiamento o artigo cita que serão incidentes não só sobre a folha de salários, como também a receita ou o faturamento, lucros e receitas de concursos de prognósticos (ex.: loterias da Caixa). Quero chamar uma atenção maior do amigo leitor, no que o referido artigo trata em seu parágrafo primeiro, de forma literal:

“§1º As receitas dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios destinadas à seguridade social constarão dos respectivos orçamentos, não integrando o orçamento da União.”

Veremos ainda, que segundo o artigo 194, parágrafo único, inciso VII da CRFB, é colocado de forma clara que a administração dos recursos destinados a seguridade social é descentralizada (independente) da administração pública.

O que ocorre é que a Receita Federal, na alegação de que o INSS – Instituto Nacional de Seguridade Social não tem estrutura para arrecadar o COFINS – Contribuição para Financiamento da Seguridade Social (criado em 1988), a CSLL – Contribuição sobre o Lucro Líquido (criado em 1988), e os lucros auferidos dos jogos e prognósticos, se apoderou desses recursos, repassando somente o que lhe convém ao INSS.


A matemática do diabo

Para se ter uma ideia, só com o COFINS e CSLL, no ano de 2013 foram arrecadados juntos, R$ 445 bilhões. Na aludida reportagem, um economista do BNDES – Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, disse que contra os números, contra a matemática, não há contraditório. Nesse ponto ele tem razão. Vejamos. Pegamos somente a soma do arrecadado com a folha de salários, desse total, deduziremos TODOS os gastos com os benefícios, e é matematicamente lógico que a conta vai fechar com um déficit de 87 bilhões de reais (valores de janeiro a novembro de 2015).

Agora vamos fazer uma conta mais justa, sem a malandragem que apontamos no calculo matemático acima. Somamos o arrecadado com a folha de salários, mais COFINS (7,6% de toda a receita bruta das empresas no Brasil), mais CSLL (10% sobre o lucro líquido das empresas do Brasil), mais receitas de concursos de prognósticos (18,1% do total arrecadado), e veja o resultado: um superávit de 68 bilhões de reais em 2013 e de 56 bilhões em 2014.

Convenhamos, se previdência social desse prejuízo, os ativos de uma lista das 300 maiores administradoras de fundo de pensões do mundo não teriam crescido somente em 2013, 6,2% de um total de US$ 14,8 trilhões. Só os três maiores fundos de pensão do Brasil, PREVI (fundo de pensão dos funcionários do Banco do Brasil), PETROS (fundo de pensão do sistema Petrobrás) e FUNCEF (fundo de pensão da Caixa Econômica Federal), juntos, no mesmo período, somaram ativos na ordem de US$ 122,9 bilhões (pesquisa realizada pela P&I – Pensions and Investments em conjunto com a Towers Watson).

Para mostrar que o cálculo não bate temos que levar alguns dados em consideração:

- Quase a metade, 43% da população economicamente ativa (àquela que o gráfico da referida matéria jornalística mostra como base de sustentação da previdência) vive sem auxílios do INSS;

- Somente 29% das concessões de aposentadoria são relativas ao cálculo que tem como base o tempo de contribuição (35 anos para homens e 30 para mulheres), e em raríssimas exceções, quem se aposentou com pouca idade deixa de trabalhar, ou seja, não vão deixar de contribuir de forma definitiva com o sistema previdenciário.

Convidamos o amigo leitor para fazer ainda um exercício mental sobre a pirâmide demográfica de forma mais racional e, portanto, mais lógica:

Quando se tem (+) idosos, tem-se (–) despesas com educação básica, assim teremos (+) dinheiro para investimento em educação em outros níveis, o que vai gerar (+) qualificação da mão de obra economicamente ativa, consequentemente resultando em (+) produção, além de (+) inserção de mulheres no mercado de trabalho (=) uma maior base de contribuintes e recursos para a previdência.


O que está por trás da conta perversa

O governo está querendo dar uma satisfação para o mercado, por meio de um ajuste fiscal (adivinha quem vai pagar a conta), entretanto escondem da população que só os seus gastos com juros (de janeiro a dezembro de 2015) chegaram a uma vultosa cifra de  450 bilhões de reais (8,3% do PIB - Produto Interno Bruto).

Desde 2011 o governo vem instituindo uma política de incentivos e desonerações. Só em 2015, foram cerca de 282 bilhões de benesses fiscais, sendo que desse montante, 51% oriundos de recursos da seguridade social. O resultado foi um fiasco, ao invés de aumentar os investimentos, aumentou a margem de lucro da classe empresarial (tem um banco brasileiro que lucrou 23 bilhões de reais em 2015, mais do que o governo gasta com o benefício da bolsa família).

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Outra hipótese, não muito improvável, é caminhar em passos largos para privatização do sistema previdenciário do Brasil, o que já demonstramos acima ser um excelente negócio (para as administradoras de fundos de pensões).

Para finalizar, resumimos em poucas palavras o que está acontecendo em relação ao dito déficit da previdência no país:

- Estão separando o inseparável (receitas) segundo nossa Constituição Federal; não há que se falar em déficit na previdência, o que se vê é uma estratégia macabra para retirar as conquistas dos trabalhadores brasileiros, e tudo de forma inconstitucional e sob as barbas de um Supremo Tribunal que, ao invés de lutar pela justiça, vem decidindo por meio de argumentações consequencialistas de cunho político, de modo a proteger um Estado perdulário, corrupto e sem a eficiência necessária para gestar a coisa pública, conforme exigência dos princípios gerais do Direito Administrativo

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Sobre o autor
Heráclito Ney Suiter

Advogado especialista em Direito Tributário e Direito Ambiental e membro do Comitê de Combate ao Caixa Dois nas Eleições da OAB Tocantins, Subseção de Gurupi. Pós Graduado em Direito Ambiental - FACIMAB;<br>- MBA em Gestão Ambiental- FACIMAB;<br><br> Lattes: http://lattes.cnpq.br/9410800331827187.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SUITER, Heráclito Ney. A verdade sobre o déficit da previdência.: O déficit da previdência deve-se a uma desinformação da grande mídia ou um pacto para sua privatização?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4835, 26 set. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/50754. Acesso em: 22 dez. 2024.

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