A ilegalidade da alta programada no auxílio doença.

Procedimento utilizado para cessar o pagamento antes da recuperação plena do segurado e a ilegalidade do Decreto 5844/2006

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21/07/2016 às 20:55
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Traça um paralelo entre a cessação do benefício do auxílio doença e a ilegalidade da alta programada promovida pela previdência social, sob a ótica do Decreto 5844/2006, e sua afronta ao princípio da dignidade da pessoa humana.

Resumo: Este artigo foi produzido com intuito de analisar o procedimento praticado pelo Instituto Nacional da Seguridade Social de cessar o pagamento previdenciário antes da reabilitação plena do segurado, tendo também como enfoque o Decreto nº 5844/2006, que estabelece critérios da Alta Programada, bem como o apontamento de suas diversas ilegalidades.

Palavras Chave: Auxílio Doença. Alta programada. Cessação. Ilegalidade.


1-Introdução

A seguridade social tem como seu objetivo principal assegurar aos cidadãos direitos humanos sociais previstos em nossa Carta Magna.  Tais direitos consistem na amparar riscos no caso de doenças, invalidez, morte e desemprego temporário, resguardando a renda do trabalho, seja por morte, velhice, ou suspensão temporária ou definitiva do labor. A definição da Previdência Social está prevista em nossa Carta Magna nos artigos 194 a 204, nos dando um norte de sua abrangência.

Este artigo visa abordar como a autarquia Federal ampara o segurado quando este necessita do benefício do auxílio doença, sendo muitas vezes concedido, porém cessado indevidamente pela denominada “Alta Programada”.

Este artigo abordará a discussão da ilegalidade da alta programada com vista nos dispositivos constitucionais.


2-Auxílio doença x alta programada

O auxílio doença foi está regulamentado pelos artigos 59 a 63 da Lei 8213/91 e artigo 71 a 80 do Decreto 3048/99, sendo um benefício concedido a todos os segurados incapacitados para o labor por motivos de doença ou acidente por mais de 15 dias consecutivos.

Tal benefício exige uma carência de 12 contribuições mensais, exceto no caso de acidente de qualquer natureza, ou que adquira alguma natureza considerada grave ou degenerativa, taxada em um lista feita pelo Ministério da Saúde ou da Previdência Social.

O artigo 77 do Decreto 3048/99 estabelece que o segurado que estiver em gozo do benefício do auxílio doença, fica obrigado sob pena de suspensão do benefício previdenciário a submeter-se a perícia médica e reabilitação profissional perante a Previdência Social.

O auxílio doença cessa pela recuperação e condições de retornar ao trabalho, pela transformação do benefício por incapacidade em aposentadoria-por-invalidez" data-type="category">aposentadoria por invalidez, caso resulte em sequela que resulte na redução da capacidade para o labor que o segurado exercia.

O instituto da alta programada é uma prática do Instituto Nacional da Seguridade Social, a qual autoriza o médico perito do INSS, no momento da perícia estabelecer aplicar previamente a alta médica do segurado, a seu critério.

Esta definição somente veio a tornar-se norma com a edição do Decreto Lei nº 5844 de 13 de julho de 2006 em substituição aos parágrafos 78, do também Decreto 3048/1999, consoante transcrevemos abaixo:

§1º O INSS poderá estabelecer, mediante avaliação médico-pericial, o prazo que entender suficiente para a recuperação da capacidade para o trabalho do segurado, dispensada nessa hipótese a realização de nova perícia. (Incluído pelo Decreto nº 5844 de 13.07.2006).

§2º Caso o prazo concedido para a recuperação se revele insuficiente, o segurado poderá solicitar a realização de nova perícia médica, estabelecida pelo Ministério da Previdência Social. (Incluído pelo Decreto 5844 de 13.07.2006- DOU DE 14.07.2066).

§3º O documento de concessão do auxílio doença conterá as informações necessárias para o requerimento da nova avaliação médico pericial. (Incluído pelo Decreto nº 5844 de 13.07.2006- DOU DE 14.07.2006).

Diante do quadro de médicos que a autarquia possui, não é incomum que o segurado quando do requerimento do auxílio-doença, se submeta a perícia médica por profissional não especialista.

Após o exame clínico o médico perito faz a constatação da doença incapacitante do segurado, e aplica o determinado pelo Instituto nacional da Seguridade Social, onde estabelece que o mesmo deve calcular a possível data que o segurado ficará curado ou apto para retornar ao trabalho.

O cerne da questão está é que no momento do exame clínico do segurado, o médico não sabe ao certo o tempo que levará o segurado a recuperar-se, já que o sistema previdenciário baseia-se em dados estatísticos de milhares de concessões, que nem sempre são idênticos.

A autarquia defende-se e alega que tal procedimento se dá em razão da melhoria do atendimento ao segurado, para evitar que fraudes ocorram e que o segurado não se submeta a perícias desnecessárias, como explicita o advogado Maciel Thiago de Oliveira[2]

A justificativa da autarquia para a adoção da alta programada, é que este mecanismo aprimora o sistema previdenciário ao disciplinar a concessão do benefício temporário em todos os postos de atendimento do INSS, tornando mais rígidos e seguros os processos de concessão do auxílio doença, suprimindo fraudes na obtenção dos benefícios e racionalizando as perícias, de modo que o segurado não se submete a elas desnecessariamente.

Conforme estabelece o Decreto que autoriza a alta programada, caso o prazo não seja suficiente à recuperação do segurado, este poderá solicitar nova perícia médica quantas vezes entender necessário, o que por si não resolve o problema.

Segundo a norma, o segurado poderá solicitar a prorrogação de seu benefício previdenciário, buscando a continuidade dos recebimentos. Caso, ainda, tenha negado o deferimento de seu pleito poderá o segurado requerer o Pedido de Prorrogação no prazo de 30 (trinta) dias.

E, por derradeiro, poderá interpor Recurso à Junta de Recursos da Previdência Social, no caso de a perícia médica entender que o segurado está apto a retornar ao trabalho, e este não ter condições físicas de retorno.

Em um primeiro momento, ao ler as inúmeras alternativas dadas pela autarquia, pode-se entender que o segurado jamais será lesado, porém na realidade tais requerimentos não estabelecem um prazo mínimo para a continuidade dos recebimentos pelo segurado.

Em resumo: caso o médico perito declare a aptidão do segurado para retornar ao trabalho, e a empresa em seu exame de retorno, verifique a impossibilidade de retorno do segurado devido sua incapacidade física, o segurado ficará sem renda alguma e em situação de miséria, já que ficará sem benefício e sem salário.

A alternativa que restará ao segurado será ingressar com ação judicial para restabelecimento de seu benefício previdenciário, conforme milhões de segurados que se socorrem do poder judiciário para ter seu direito satisfeito.


3- Da ilegalidade da alta programada

A imposição da alta programada afronta diretamente a Constituição Federal e a Lei 8213/90, quando impõe alta ao segurado que ainda está doente, cessando sua única fonte de renda, obrigando-o a retornar ao trabalho mesmo que inapto à sua função.

Primeiramente tal instituto viola o artigo 1º, inciso III da Constituição Federal, onde estabelece o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. Tal princípio foi conquistado com muita luta há séculos advindo da Revolução Francesa e consolidado na Declaração Universal dos Direitos do Homem.

Também o artigo 3º de nossa Carta Magna, em que estabelece a busca pelo sentimento da justiça, cujas leis devem ter o conteúdo e adequação social, o Estado deverá sempre estar a serviço do bem comum, assegurando a dignidade dos direitos sociais, como também está previsto no artigo 6º da CF/88, consoante a seguir:

Conforme prelecionam alguns autores, a dignidade da pessoa humana é essencial e deve ser respeitada.

Para Ingo Wolfgang Sarlet[3], sobre o tema, assevera que:

 a dependência do elemento distintivo da razão fundamenta-se justamente na proteção daqueles que, por motivo de força física ou deficiência mental, surgem como especialmente carecedores de proteção. E finalmente: se atribui como objeto da dignidade aquele que precede qualquer reconhecimento, subtrai-se dela, na procura da “vida humana pura”, a dimensão social, para adquirir-se, por meio disso, a indisponibilidade da dignidade.

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Ao se estabelecer a data de cessação do benefício previdenciário, ainda temos a afronta ao artigo 194 da Constituição Federal[4], in verbis:

Artigo 194- A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações, de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos á saúde, à previdência e a assistência social.

A alta programada, fere ainda, o direito à saúde, um direito fundamental que assiste a todas as pessoas.

A lei 8.213/91, em seu artigo 1º é afrontado diretamente pelo Instituto da Alta Programada, a qual cessa o benefício do auxílio doença ao segurado, e isenta a autarquia a prover o sustento do segurado que tem direito ao benefício previdenciário em razão de sua incapacidade provisória.

O Decreto 5844/2006 não possui força para impedir um exercício de direito fundamental, já que o instituto da alta programada não tem o condão de impedir o recebimento pelo segurado de um benefício a que tem direito.

Diante do exposto, claro e cristalino que o procedimento da autarquia é de não mais assegurar a efetiva recuperação da saúde do segurado, mas sim, evitar que o benefício seja renovado pelo período necessário a recuperação do segurado, assegurando a inconstitucionalidade do Decreto 5844/06.

A alta programada é sem dúvida ilegal e inconstitucional, pois seus efeitos são drásticos aos trabalhadores, tendo em vista que com a alta médica e a cessação do benefício, a única alternativa do segurado é a de retornar ao trabalho, devido a necessidade de seu sustento e de sua família.

Nesse sentido, dispõe o Tribunal Superior do Trabalho:

“O trabalhador tem direito a ter assegurado a trabalhar em ambiente ergonomicamente equilibrado, sem risco, visando assegurar sua incolumidade física e mental, para que continue podendo extrair da venda de sua força de trabalho, o suporte econômico necessário a sua mantença e de seus familiares. Em caso de adoecimento ou acidente, e em gozo de auxílio doença será considerado pela empresa como licenciado, a teor do disposto no artigo 63 da Lei 8213/91. Examinando esse dispositivo, recentemente o TST (Tribunal Superior do Trabalho), decidiu: “estando suspenso o contrato de trabalho, em virtude de o empregado haver sido acometido de doença profissional, com percepção do auxílio doença , opera-se igualmente a suspensão do fluxo do prazo prescricional”. (RR 424-2001-069-09-00.5).

Diversas medidas liminares já suspenderam a aplicação da alta programada. Citemos como exemplo:

Processo 200661080006921- Vara Federal de Bauru/SP. Isto posto, defiro, em parte, a liminar, e determino à autoridade impetrada que somente decida pela manutenção ou cessação do benefício do impetrante após realização de perícia médica, ficando proibida a cessação com base em perícia realizada em data diversa da em que analisada a manutenção do benefício”.

Podemos concluir, que o magistrado ao suspender os efeitos da alta programada entendeu que é manifestamente ilegal o ato da autarquia previdenciária cancelar o benefício previdenciário, sem que o segurado seja submetido a perícia médica que demonstre sua completa recuperação.

Ainda, segundo Ingo Wolgang Sarlet[5], forçoso seria concluir que a dignidade da pessoa humana se constitui no principal valor constitucional, sendo fundamento e fim dos direitos fundamentais, sem o qual se faz impossível a consolidação do Estado Social e Democrático de Direito.

Afirma ele com total clareza e assertividade:

A dignidade da pessoa humana consiste na qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existentes mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e corresponsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos.

Ressalta-se que nenhum Decreto tem força suficiente para inibir o exercício de um direito fundamental, onde podemos chegar a fácil conclusão de que o Decreto da Alta Programada não pode impedir o recebimento do benefício do auxílio doença, por uma pessoa que não está em condições aptas ao trabalho e saudável.

A Alta Programada fere de morte um dos princípios mais importantes e protegidos por nosso ordenamento jurídico, qual seja, a Dignidade da Pessoa Humana.

Ao citar o princípio do Dignidade da Pessoa Humana, Marcelo Leonardo Tavares[6], preleciona:

A dignidade da pessoa humana é um direito moral prévio, à própria organização social, uma qualidade natural dos seres humanos, que os coloca como destinatários do respeito e merecedores de igual atenção por parte do Estado e de seus semelhantes, de modo que não percam a possibilidade de exercer a autonomia.

Portanto, o Decreto 5844/2006 é ilegal e inconstitucional, tendo em vista que restringe e inibe um direito do trabalhador, por isso, esse decreto em nada modifica a situação da ilegalidade, já reconhecida pelo Poder Judiciário, deixando muito claro a nítida intenção da autarquia em negar vigência à Lei 8213/91 posto que a mesma não admite a alta programada enquanto persistir a incapacidade que motivou a concessão do benefício.

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Sobre a autora
Fernanda Apparecida Klimke

Advogada Pós Graduada em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho, pela faculdade Legale Cursos Jurídicos, militante nas áreas trabalhista e previdenciária.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Artigo destinado a traçar um paralelo entre a cessação do benefício do auxílio doença e a ilegalidade da alta programada promovida pela previdência social, sob a ótica do Decreto 5844/2006, e sua afronta ao princípio da dignidade da pessoa humana.

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