2. DO DIREITO FUNDAMENTAL À TUTELA EFETIVA.
Conforme ensinamentos de Marinoni (2006), o legislador processual, no art. 461, §5º do CPC/1973 (atual art. 536, §1º), estabeleceu uma cláusula geral executiva, na qual estabelece um rol exemplificativo das medidas executivas que podem ser adotadas pelo juiz, outorgando-lhe poder para, à luz do caso concreto, utilizar-se da providência que entender necessária à efetivação da sua decisão judicial.
Observa-se, então, que o art. 461, §5º, lista diversas providências típicas, abrindo, todavia, possibilidade para quaisquer outras, pois não se trata de norma taxativa, mas sim de caráter exemplificativo, vez que presente a locução conjuntiva “tais como”. Pode-se dizer, ainda, que entre elas não existe hierarquia ou ordem predeterminada, cabendo ao juiz da execução adotá-las de acordo com o caso, e ainda de forma sucessiva ou simultânea, acrescida ou não de pena pecuniária:
“Especificamente, o art. 461, §5º, aponta as seguintes medidas de pressão contra o executado: (a) Busca e apreensão – por exemplo, a retirada da posse do réu da fórmula do produto que se obrigou a entregar ao autor (b) Remoção de coisas ou de pessoas – por exemplo, a subtração do equipamento de som que o réu utiliza para produzir emanações sonoras além do horário e dos limites permitidos pela legislação local (c) Desfazimento de obras – por exemplo, a demolição da varanda edificada a menos de metro e meio do terreno do vizinho (d) Impedimento de atividade nociva – por exemplo, a proibição de a empresa lançar mercúrio no lençol freático” (ASSIS, Araken de. Cumprimento de sentença. 1ª Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p.229)
Para Fredie Didier Jr. et al (2013), o §5º do art. 461 tem por fim municiar o magistrado para que atue no sentido de garantir à parte o acesso à tutela jurisdicional (resultado) efetiva. Em outro ponto, ao tratar dos meios de controle da atuação do magistrado em razão da atipicidade dos meios executivos, o autor baiano preceitua que:
“Se essa atividade, à época da vigência do princípio da tipicidade dos meios executivos, era controlada pelo princípio da legalidade, agora esse poder geral de efetivação é controlado pelo princípio da proporcionalidade” (Didier Jr., et al, 2013, p. 453).
Na decisão exarada nos EREsp 770969/RS explica-se, por meio de exegese gramatical, porque o rol do §5° deve ser exemplificativo:
“As medidas previstas no § 5º do art. 461 do CPC foram antecedidas da expressão ‘tais como’, o que denota o caráter não-exauriente da enumeração. Assim, o legislador deixou ao prudente arbítrio do magistrado a escolha das medidas que melhor se harmonizem às peculiaridades de cada caso concreto.”
No mesmo sentido temos a decisão proferida no REsp 869843/RS que estabelece que se o legislador não fez um rol taxativo no §5° do art. 461 do CPC, mas exemplificativo, seria possível o sequestro ou bloqueio de verba pública necessária à aquisição de medicamento objeto da tutela deferida, ainda mais em se tratando de direitos fundamentais à saúde e à vida, o que por si só bastaria para relativizar um rol fechado de normas infraconstitucionais. Continua a decisão:
“A Constituição não é ornamental, não se resume a um museu de princípios, não é meramente um ideário; reclama efetividade real de suas normas. Destarte, na aplicação das normas constitucionais, a exegese deve partir dos princípios fundamentais, para os princípios setoriais. E, sob esse ângulo, merece destaque o princípio fundante da República que destina especial proteção a dignidade da pessoa humana.
(...)
Outrossim, a tutela jurisdicional para ser efetiva deve dar ao lesado resultado prático equivalente ao que obteria se a prestação fosse cumprida voluntariamente. O meio de coerção tem validade quando capaz de subjugar a recalcitrância do devedor. O Poder Judiciário não deve compactuar com o proceder do Estado, que condenado pela urgência da situação a entregar medicamentos imprescindíveis proteção da saúde e da vida de cidadão necessitado, revela-se indiferente à tutela judicial deferida e aos valores fundamentais por ele eclipsados.”
3. DA APLICAÇÃO DE MULTA COERTIVA CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA.
Com esteio no §4º do art. 461 do CPC/73 (atual art. 537), o qual estabelece expressamente que o juiz poderá impor multa diária ao réu, a jurisprudência majoritária aceita a imposição de multa coercitiva contra a Fazenda Pública, sem maiores distinções técnicas da aplicação contra um particular.
O STJ possui entendimento consolidado de que a Fazenda Pública pode ser alvo de multa coercitiva:
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. OBRIGAÇÃO DE FAZER. APLICAÇÃO DE MULTA CONTRA A FAZENDA PÚBLICA (ASTREINTES). POSSIBILIDADE. JURISPRUDÊNCIA PACÍFICA DO STJ. 1. Esta Corte Superior de Justiça possui entendimento sedimentado de que, em se tratando de obrigação de fazer, é permitida ao Juízo a imposição de multa cominatória ao devedor, mesmo que seja contra a Fazenda Pública. Precedentes: AgRg no REsp 1129903/GO, Rel. Ministro Hamilton Carvalhido, Primeira Turma, DJe 24/11/2010; AgRg no Ag 1247323/SC, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 01/07/2010; AgRg no REsp 1064704/SC, Rel. Ministro Francisco Falcão, Primeira Turma, DJe 17/11/2008). 2. Agravo regimental não provido.(STJ - AgRg no REsp: 1358472 RS 2012/0264537-7, Relator: Ministro BENEDITO GONÇALVES, Data de Julgamento: 15/08/2013, T1 - PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 22/08/2013)
Porém, no campo doutrinário, prevalece forte oposição à cominação de multa diária contra o Poder Público, ante o caráter psicológico da medida, a qual foi criada para atuar no animus do devedor.
Dissertando sobre o tema, Greco Filho (2009) mostra-se contrário à cominação de astreintes contra a Fazenda Pública:
“Entendemos, também, serem inviáveis a cominação e imposição de multa contra pessoa jurídica de direito público. Os meios executivos contra a Fazenda Pública são outros. Contra esta a multa não tem nenhum efeito cominatório, porque não é o administrador renitente que irá pagá-la, mas os cofres públicos, ou seja, o povo. Não tendo efeito cominatório, não tem sentido sua utilização como meio executivo.” (GRECO FILHO, 2009).
Celso Agrícola Barbi (2009), em obra sobre mandado de segurança, observa que:
“Tudo isso nos leva a concluir que o direito brasileiro evoluiu no sentido de não permitir que a Administração escolha entre praticar o ato e indenizar o dano causado: a Administração tem de cumprir a ordem ou decisão judicial em forma ‘específica’, e não pela forma ‘reparatória’. Isto é princípio geral relativo às ações processadas por qualquer rito e não apenas às processadas na forma de mandado de segurança.” (BARBI, 2009, p. 254)
Sérgio Cruz Arenhart (2008), em artigo sobre a doutrina brasileira da multa coercitiva, critica a cominação de astreintes contra o Poder Público:
É sabido que um dos casos em que a multa se revela imprestável como meio coercitivo é aquele em que ela é imposta contra o Poder Público. Porque o titular do cargo público não sofre, pessoalmente, a ameaça do meio coercitivo, dificilmente se sente estimulado a cumprir a ordem judicial – em especial quando o descumprimento lhe gerar algum benefício (muitas vezes político). Em tais casos, tem-se cogitado da aplicação da multa coercitiva não exatamente ao Poder Público, mas sim ao agente que tem a incumbência de agir conforme a determinação judicial. Mas será isso viável e legítimo?
(...)
De outra parte, evidentemente, a multa aplicada contra o Estado não tem nenhuma eficácia, como se viu anteriormente. Se a intenção da multa é vencer a vontade do renitente, ela só pode ter por sujeito passivo, evidentemente, aquele que tem vontade. O Estado não tem, autonomamente, vontade, de modo que jamais poderia ser o sujeito passivo dessa multa. (ARENHART, 2008, p. 2-3)
Posta a discussão sobre a responsabilidade da Fazenda Pública por multa coercitiva, será analisado a seguir a possibilidade de o administrador público – este sim dotado de vontade – ser o sujeito passivo da multa coercitiva.
4. DA RESPONSABILIDADE DIRETA E PESSOAL DO AGENTE PÚBLICO PELA MULTA COERCITIVA A QUE DEU CAUSA
Para abertura do presente tópico, faz-se necessário o seguinte questionamento: quem deve responder pela multa: a pessoa jurídica de direito público ou o agente público incumbido da prática do ato?
4.1 Visão da doutrina acerca da possibilidade de a Fazenda Pública ser sujeito passivo de multa coercitiva.
Inicialmente, cumpre destacar a posição de Leonardo Carneiro da Cunha, o qual critica a força coercitiva de multa contra pessoa jurídica de direito público, haja vista a obrigatoriedade do rito de precatórios. Para superar essa prerrogativa, defende que a imposição de astreintes contra o agente público seria a melhor solução:
Mas será que a fixação dessa multa contra a Fazenda Pública revela-se eficaz? Conterá efetividade o provimento, com mera fixação da multa? E se a Fazenda Pública não cumprir a determinação judicial? O pagamento da multa deve submeter-se ao regime do precatório?
Na verdade, qualquer condenação imposta à Fazenda Pública, independente da natureza do crédito, deve sujeitar-se à sistemática do precatório. De fato, o precatório é procedimento que alcança toda e qualquer execução pecuniária intentada contra a Fazenda Pública, independentemente da natureza do crédito ou de quem figure como exequente. Logo, a referida multa somente poderá ser exigida após o trânsito em julgado da decisão que a fixar, mediante a adoção do processo de execução, seguido da expedição de precatório. Bem por isso, sustenta Marcelo Lima Guerra ser admissível a adoção de meios alternativos, não para substituir o sistema de precatórios, mas para assegurar a eficácia prática de meios executivos. Daí sugerir que a referida multa seja imposta contra o agente público responsável pelo cumprimento da medida.
Para conferir efetividade ao comando judicial, cabe, portanto, a fixação de multa, a ser cobrada do agente público responsável, além de se a exigir da própria pessoa jurídica de direito público.
É preciso, entretanto, que, antes de impor a multa ao agente público, seja observado o contraditório, intimando-o para cumprir a decisão e advertindo-o da possibilidade de se expor à penalidade pecuniária. (Cunha, 2016, pag. 138-139).
Luiz Guilherme Marinoni (2010), ao discorrer sobre o tema, sustenta que somente pode ser aceita a tese de que a multa coercitiva não é aplicável à autoridade pública se partisse da premissa de que o Poder Público pode descumprir decisão jurisdicional em nome do interesse público. Ao criticar severamente a incidência de multa diária sobre a pessoa jurídica de direito público, o autor alerta que:
“Entretanto, não há cabimento na multa recair sobre o patrimônio da pessoa jurídica, se a vontade responsável pelo não cumprimento da decisão é exteriorizado por determinado agente público. Se a pessoa jurídica exterioriza a sua vontade por meio da autoridade pública, é lógico que a multa somente pode lograr o seu objetivo se for imposta diretamente ao agente capaz de dar atendimento à decisão judicial” (MARINONI, 2010, p. 475-476).
Quanto ao argumento de que o gestor público não pode responder por astreintes por não ser parte no processo, Luiz Guilherme Marinoni (2010) pontua:
“Não há procedência no argumento de que a autoridade pública não pode ser obrigada a pagar a multa derivada de ação em que foi parte apenas a pessoa jurídica. É que essa multa somente constituirá sanção pecuniária, e assim poderá ser cobrada, quando a autoridade pública, que exterioriza a vontade da pessoa jurídica, não der atendimento à decisão. Note-se que a cobrança da multa não tem relação com o fato de o inadimplente ser o responsável pelo cumprimento da decisão. Não se está exigindo nada da autoridade em virtude do que foi discutido no processo, mas sim em razão da sua posição de agente capaz de dar cumprimento à decisão jurisdicional” (MARINONI, 2010, p. 476).
A seu turno, Marcelo Lima Guerra (2003) sugere, para contornar a ausência de pressão psicológica exercida pela multa sobre pessoa jurídica de direito público – e, mais especificamente, sobre o servidor responsável pelo cumprimento da decisão judicial -, "a aplicação da multa diária contra o próprio agente administrativo responsável pelo cumprimento da obrigação a ser satisfeita in executivis". Sobre o princípio da efetividade, o autor completa:
“Como já se procurou demonstrar, em outra oportunidade, as medidas coercitivas, entre elas a multa diária, devidamente compreendidas como instrumentos de concretização do direito fundamental ao processo efetivo, não podem deixar de ser utilizadas, em determinada situação em que se revelem necessárias, apenas por não ter sido prevista sua aplicação em tal hipótese, por norma infraconstitucional. Nisso se manifesta, entre outras coisas, a chamada aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais, os quais se concretizam independentemente de lei, e até contra legem, devendo-se observar, todavia, que a concretização de um direito fundamental deve respeitar os limites impostos por outros direitos fundamentais. Daí que, revelando-se necessária a aplicação de multa diária, o juiz pode utilizá-la mesmo em situações não previstas em lei, mas não pode ignorar outros direitos fundamentais em jogo” (GUERRA, 2003, p. 77- 78).
No mesmo sentido, Cássio Scarpinella Bueno posiciona-se pela possibilidade de incidência de multa coercitiva sobre os representantes de pessoas jurídicas, sejam elas privadas ou públicas:
“Por fim, mas não menos importante, é da especial peculiaridade decorrente da natureza jurídica da multa do art. 461 que deriva o entendimento de que não há qualquer óbice para que as pessoas físicas, que tenham, por força de lei, de estatutos ou contratos sociais, representação (material e processual) de pessoas jurídicas (de direito privado ou de direito público), venham a ser responsabilizadas pessoalmente pelo pagamento da multa, sem prejuízo, evidentemente, de eventual apenação das próprias pessoas jurídicas. A razão para este entendimento, não obstante sua polêmica em sede doutrinária e jurisprudencial, é a seguinte: as pessoas jurídicas só têm vontade na exata medida em que as pessoas físicas que as representam a manifestem. Se a multa é mecanismo que visa a influenciar decisivamente esta vontade (que, por definição, só pode ser humana), não há como afastar sua incidência direta e pessoal sobre os representantes das pessoas jurídicas, sejam elas privadas ou públicas” (BUENO, 2008, p. 419)
Fredie Didier Jr. et al (2013), defendendo o poder geral de efetivação do juiz, entende que nada impede que o magistrado comine astreintes diretamente ao agente público. São estas suas palavras:
“De qualquer sorte, para evitar a renitência dos maus gestores, nada impede que o magistrado, no exercício do seu poder geral de efetivação, imponha as astreintes diretamente ao agente público (pessoa física) responsável por tomar a providencia necessária ao cumprimento da prestação. Tendo em vista o objetivo da cominação (viabilizar a efetivação da decisão judicial), decerto que aí a ameaça vai mostrar-se bem mais séria e, por isso mesmo, a satisfação do credor poderá ser mais facilmente alcançada” (Didier Jr., et al, 2013, p. 466).
Em opinião oposta a dos autores acima, em posição minoritária, Juvêncio Vasconcelos Viana pontua que:
"No contexto atual, não cabe fixar multa - como preconizam alguns – diretamente contra o servidor, que não é parte no processo. Multas (astreintes) podem ser aplicadas, mas não contra o agente da Administração. Entendemos que precisaria de reforma legislativa para tanto. À falta de disposição expressa, não pode o funcionário ser penalizado. Multas que vierem por eventual descumprimento de decisão judicial que a admita serão aplicadas contra a pessoa administrativa, recordada aqui a idéia de regressivamente buscá-la em face do agente causador da lesão ao erário" (VIANA, 2003, p. 268).
4.2 Posição da Jurisprudência, encabeçada pelo Superior Tribunal de Justiça.
Prevalece no Superior Tribunal de Justiça o entendimento de que é incabível o direcionamento de multa coercitiva ao administrador público, seja por não ser parte no feito, seja pela falta de lei expressa autorizadora:
EMENTA: PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO DE FAZER. DESCUMPRIMENTO. ASTREINTES. APLICAÇÃO CONTRA A FAZENDA PÚBLICA. CABIMENTO. EXTENSÃO DA MULTA DIÁRIA AOS REPRESENTANTES DA PESSOA JURÍDICA DE DIREITO PÚBLICO. IMPOSSIBILIDADE. 1. Conforme jurisprudência firmada no âmbito desta Corte, a previsão de multa cominatória ao devedor na execução imediata destina-se, de igual modo, à Fazenda Pública. Precedentes. 2. A extensão ao agente político de sanção coercitiva aplicada à Fazenda Pública, ainda que revestida do motivado escopo de dar efetivo cumprimento à ordem mandamental, está despida de juridicidade. 3. As autoridades coatoras que atuaram no mandado de segurança como substitutos processuais não são parte na execução, a qual dirige-se à pessoa jurídica de direito publico interno. 4. A norma que prevê a adoção da multa como medida necessária à efetividade do título judicial restringe-se ao réu, como se observa do § 4º do art. 461 do Códex Instrumental. 5. Recurso especial provido. (REsp 747.371/DF, Rel. Min. Jorge Mussi, Quinta Turma, julgado em 6/4/2010, DJe 26/4/2010).
PROCESSUAL CIVIL. ASTREINTES. ART. 461, § 4º, DO CPC. REDIRECIONAMENTO A QUEM NÃO FOI PARTE NO PROCESSO. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES. 1. Na origem, foi ajuizada Ação Civil Pública para compelir o Estado de Sergipe ao fornecimento de alimentação a presos provisórios recolhidos em Delegacias, tendo sido deferida antecipação de tutela com fixação de multa diária ao Secretário de Estado da Justiça e Cidadania, tutela essa confirmada na sentença e na Apelação Cível, que foi provida apenas para redirecionar as astreintes ao Secretário de Segurança Pública. 2. Na esteira do entendimento pacífico do Superior Tribunal de Justiça, admite-se a aplicação da sanção prevista no art. 461, § 4º do CPC à Fazenda Pública para assegurar o cumprimento da obrigação, não sendo possível, todavia, estendê-la ao agente político que não participara do processo e, portanto, não exercitara seu constitucional direito de ampla defesa. Precedentes. 3. In casu, a Ação Civil Pública fora movida contra o Estado de Sergipe - e não contra o Secretário de Estado -, de modo que, nesse contexto, apenas o ente público demandado está legitimado a responder pela multa cominatória. 4. Recurso Especial provido. (REsp: 1.315.719/SE. Relator: Ministro Hermam Benjamim, Data de Julgamento: 27/08/2013, 2ª Turma.)
Em razão do posicionamento adotado pela Corte Superior, tem prevalecido nos tribunais a impossibilidade de sujeição passiva direta de agente público à cominação de multa coercitiva.
Convém destacar, contudo, que há posições jurisprudenciais dissonantes do STJ. Para ilustrar, colacionam-se julgados do TRF da 1ª e 2ª Regiões, em que, uma vez identificado o administrador recalcitrante, é plenamente possível a cominação pessoal de multa coercitiva:
PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DIREITO À SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. CUMPRIMENTO PROVISÓRIO DO JULGADO. DESNECESSIDADE DE APRESENTAÇÃO DE LISTA NOMINAL DOS BENEFICIÁRIOS. IMPOSIÇÃO DE MULTA COMINATÓRIA CONTRA A FAZENDA PÚBLICA E DOS AGENTES PÚBLICOS DESTINATÁRIOS DA ORDEM JUDICIAL. POSSIBILIDADE. I - O cumprimento do julgado proferido no bojo de ação coletiva, em que se determinou à União Federal e ao Estado da Bahia o fornecimento de medicamento a todos os portadores da síndrome de Hurler (Mucopolissacaridose do tipo I), como no caso, prescinde da prévia apresentação de qualquer lista nominal, na medida em que o título judicial tem por beneficiários todo o universos de pacientes assim enquadrados, afigurando-se suficiente, para fazer usufruir do comando mandamental em referência, a simples comprovação dessa condição, mediante prescrição médica. II - Em casos que tais, poderá o juiz, de ofício ou a requerimento da parte, adotar todas as medidas coercitivas necessárias à eficácia plena do julgado, inclusive, mediante a imposição de multa pecuniária ao eventual recalcitrante (no caso concreto, os agentes públicos diretamente responsáveis pelo fornecimento do medicamento), nos termos do art. 461, §§ 4º e 5º do CPC, impondo-se, assim, a sua identificação, para essa finalidade. III - Agravo de instrumento provido. Decisão reformada.(TRF1, AG 0020608-97.2013.4.01.0000, e-DJF1 p.111 de 13/11/2013)
PROCESSO CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. DECISÃO JUDICIAL. MORA NO CUMPRIMENTO. ASTREINTES. IDENTIFICAÇÃO DO SERVIDOR FALTOSO. RESPONSABILIZAÇÃO. PRAZO E VALOR. PROPORCIONALIDADE. INEXISTÊNCIA DE OMISSÃO, CONTRADIÇÃO OU OBSCURIDADE. (...)
3. O acórdão embargado consignou expressamente que deve ser excluída a responsabilidade da UNIÃO, vinculando diretamente, o Diretor da Secretaria de Gestão de Pessoas do TRT da 1ª Região, ou quem suas vezes fizer, a ser intimado por mandado do juízo de 1º grau, com prazo de 30 (trinta) dias a decisão judicial, sob pena de responder pessoalmente pelo pagamento da multa diária de R$ 500,00 (quinhentos reais), sem prejuízo da aplicação de outras sanções penais e administrativas cabíveis, inclusive com apoio no art. 14, V e parágrafo único do CPC, ressalvada a demonstração, no prazo, da impossibilidade pessoal no atendimento da providência. (...). (TRF2. Agravo interno em AI nº 2012.02.01.014187-8. Decisão em 12/11/2012. Publicação em 04/12/2012).
Em posição também favorável à imposição de multa contra agente público, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais, ressaltando que essa medida não comprometeria o erário e revestiria a decisão com maior eficácia:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. MEDICAMENTO. POSSIBILIDADE DE MULTA EM CASO DE DESCUMPRIMENTO DA OBRIGAÇÃO. NEGAR PROVIMENTO. Inexiste óbice legal restringindo a aplicação de multa diária contra a Fazenda Pública, sendo possível e razoável o arbitramento em caso de descumprimento de ordem judicial. AGRAVO DE INSTRUMENTO - OBRIGAÇÃO DE FAZER - ENTE PÚBLICO - MULTA - PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE - ÔNUS EXCESSIVO - RESPONSABILIZAÇÃO DOA AGENTES PÚBLICOS - POSSIBILIDADE. A fixação de astreintes se consubstancia em meio coercitivo e não punitivo, pois visa tão somente conferir efetividade à ordem judicial como meio e forma de assegurar o resultado prático visado. Impor ao ente público multa diária contraria não só a natureza jurídica do instituto, como gera inquestionável enriquecimento ilícito e digladia com a própria lógica do razoável, infringindo, ademais, o princípio da proporcionalidade, gerando ônus excessivo ao ente público. Eventual multa por descumprimento da decisão poderá ser substituída pela responsabilização dos agentes públicos diretamente responsáveis pelo cumprimento da obrigação, medida mais coerente, razoável e mesmo eficaz, não somente para se salvaguardar o interesse público/coletivo, como também, e principalmente, para trazer maior eficácia e exiquibilidade à decisão judicial.
(TJ-MG - AI: 10024101154581002 MG, Relator: Geraldo Augusto, Data de Julgamento: 29/02/0016, Câmaras Cíveis / 1ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 03/03/2016)