5 O reconhecimento de repercussão geral
Sobre a prevalência do vínculo socioafetivo em detrimento do biológico, o Supremo Tribunal Federal reconheceu o requisito da repercussão geral nos autos do Agravo em Recurso Extraordinário 692.186/PB, o qual foi convertido no Recurso Extraordinário 841.528.
O reconhecimento da repercussão geral pela corte suprema como requisito de admissibilidade do recurso extraordinário em matéria de Direito de Família, denota a relevância jurídica, econômica e social do tema.
O Ministro Luiz Fux reconheceu a repercussão geral no Agravo em Recurso Extraordinário 692.186/ PB, que versa sobre a prevalência da paternidade socioafetiva em detrimento da biológica, nos seguintes termos, in verbis:
Recurso extraordinário com agravo. Direito civil. Ação de anulação de assento de nascimento. Investigação de paternidade. Imprescritibilidade. Retificação de registro. Paternidade biológica. Paternidade socioafetiva. Controvérsia gravitante em torno da prevalência da paternidade socioafetiva em detrimento da paternidade biológica. Art. 226, caput, da constituição federal. Plenário virtual. Repercussão geral reconhecida.
No que se refere às questões processuais envolvendo repercussão geral, o legislador pátrio estabeleceu dois trâmites diferentes: um atinente à matéria isolada, regulamentado no art.543-A do Código de Processo Civil e outro previsto no art. 543-B do mesmo diploma legal, referente a processos múltiplos.
No caso de recursos atinentes à matéria isolada o mérito da decisão produzirá efeitos somente com relação às partes envolvidas, sendo que não existe multiplicidade de recursos com o mesmo fundamento. Assim, o recurso extraordinário em questão não foi escolhido como recurso representativo de controvérsia e, após o reconhecimento da repercussão geral, não houve a determinação aos demais tribunais de sobrestamento dos feitos com matéria idêntica até o julgamento final do recurso.
Desta forma, não haverá a ampliação dos efeitos deste julgamento a outros casos semelhantes, mas a importância da questão debatida para o desenvolvimento do Direito de Família é inquestionável. No Recurso Extraordinário em comento restará analisada a interpretação atual do art. 226 da Constituição Federal, no que se refere à possibilidade de se considerar o afeto como requisito para o reconhecimento da filiação, o que representa um grande passo para as relações familiares.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Na atualidade, despontam novos modelos de famílias voltados a realizar os interesses efetivos dos membros que as compõem, onde o afeto passou a ter valor jurídico fundamental, quer na identificação dos vínculos familiares, quer para definir os elos de parentesco.
Neste contexto, a filiação passou a ser analisada pela doutrina e pela jurisprudência nacionais com base em três verdades: a jurídica, a sociológica e a biológica.
Tendo em vista os princípios constitucionais que passaram a informar o Direito de Família, sobretudo o da igualdade jurídica dos filhos e da dignidade da pessoa humana, é possível estabelecer a filiação socioafetiva como forma de relação parental desde que caracterizada a posse do estado de filho, ou seja, que comprovado o afeto, o amor, a assistência, o carinho para com o filho de forma duradoura e contínua perante a sociedade, sem que haja vínculo biológico ou no caso de reprodução humana assistida heteróloga.
A filiação socioafetiva deve ser considerada como uma das novas formas de manifestações familiares instituídas por meio do afeto, sem o qual nenhuma base familiar pode perdurar. Diante de tal fato, o vínculo biológico passou a ter papel secundário na determinação da filiação.
Para solucionar o impasse sobre a prevalência ou não da filiação socioafetiva sobre a biológica, é necessário que o legislador preencha as lacunas existentes, utilizando-se da hermenêutica jurídica em favor dos interesses do filho, levando em consideração o afeto como princípio norteador da família e da relação paterno/materno-filial, mesmo que para isso tenha que flexibilizar a norma positiva em detrimento da prevalência desses interesses, efetivando-se o princípio da dignidade humana, respaldado no bem estar de cada indivíduo.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALBUQUERQUE JÚNIOR, Roberto Paulino de. A filiação socioafetiva no direito brasileiro e a impossibilidade de sua desconstituição posterior. Revista Brasileira de Direito de Família, Porto Alegre: Síntese/IBDFAM, n.39, p.52-77, dez.-jan. 2007.
ALDROVANDI, Andréa; SIMIONI, Rafael Lazzarotto. O direito de família no contexto de organizações socioafetivas: dinâmica, instabilidade e polifamiliaridade. Revista Brasileira de Direito de Família, Porto Alegre: Síntese/IBDFAM, n.34, p.05-30, fev.-mar. 2006.
AZEVEDO, Álvaro Villaça. Ética, direito e reprodução humana assistida. Revista dos Tribunais, São Paulo: RT, ano 85, n. 729, p. 43-51, julho 1996.
BARBOSA, Águida Arruda; VIEIRA, Claudia Stein (coord.). Direito de família. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008.
BRASIL. Conselho da Justiça Federal. Centro de Estudos Jurídicos. Enunciados aprovados na I Jornada de Direito Civil, Brasília, 2002. Disponível em: <http://www.cjf.jus.br/revista/ enunciado/enunciados.htm>. Acesso em: 10 out.2015.
______. Conselho da Justiça Federal. Centro de Estudos Jurídicos. Enunciados aprovados na III Jornada de Direito Civil, Brasília, 2003. Disponível em: <http://www.cjf.jus.br/revista/ enunciado/enunciados.htm>. Acesso em: 10 out. 2015.
______. Conselho da Justiça Federal. Centro de Estudos Jurídicos. Enunciados aprovados na V Jornada de Direito Civil, Brasília. Disponível em: <http://www.cjf.jus.br/revista/ enunciado/enunciados.htm>. Acesso em: 10 out. 2015.
______. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil (promulgada em 5 de outubro de 1988). Código Civil; Comercial; Processo Civil e Constituição Federal: obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com a colaboração de Luiz Roberto Curia, Lívia Céspedes e Juliana Nicoletti. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 2014.
______. Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil: Código Civil; Comercial; Processo Civil e Constituição Federal: obra coletiva de autoria da Editora Saraiva coma colaboração de Luiz Roberto Curia, Lívia Céspedes e Juliana Nicoletti. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 2014.
______. Superior Tribunal de Justiça. REsp. 1.244.957/SC. 3ª Turma. Rel.Ministra Nancy Andrighi. Disponível em: ˂ http:// www.stj. jusbrasil.com. br˃.Acesso em: 09 out.2015.
______. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário 841.528. Rel. Ministro Luiz Fux. Paraíba. 07.10.2014. Disponível em: ˂http:// www.jusbrasil.com.br˃.Acesso em: 09 out.2015.
CHAVES, Adalgisa Wiedeman. Parentalidade: a tripla parentalidade (biológica, registral e socioafetiva). Revista Brasileira de Direito de Família, Porto Alegre: Síntese/IBDFAM, n.31, p.143-160, ago.-set. 2005.
DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 8. ed. rev., atual e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011.
DINIZ, Maria Helena. Código civil anotado. 16. ed.São Paulo: Saraiva, 2012.
______. Curso de direito civil brasileiro. 23. ed. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2008. V.5.
FACHIN, Luiz Edson. Direito além do Novo Código Civil: novas situações sociais, filiação e família. Revista Brasileira de Direito de Família, Porto Alegre: Síntese/IBDFAM, n.17, p.07-35, abr.-maio. 2003.
FERRAZ, Ana Claudia Brandão de Barros Correia. Reprodução humana assistida e suas consequências nas relações de família: a filiação e a origem genética sob a perspectiva da repersonalização. Curitiba: Juruá, 2011.
FORNACIARI JÚNIOR, Clito. O questionamento da paternidade e o pai registral. Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões, Porto Alegre: Magister, ano I, n.6, p.106-108, maio.- jun.2015.
GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. A reprodução assistida heteróloga sob a ótica do Novo Código Civil. Revista Brasileira de Direito de Família, Porto Alegre: Síntese/IBDFAM, n.19, p.41-75, ago.-set. 2003.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito de família. 8. ed. rev. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2011.V.5.
KRELL, Olga Jubert Gouveia. Reprodução humana assistida e filiação civil. Curitiba: Juruá, 2006.
LIMA, Taisa Maria Macena de. Filiação e biodireito: Uma análise das presunções em matéria de filiação em face da evolução das ciências biogenéticas. Revista Brasileira de Direito de Família, Porto Alegre: Síntese/IBDFAM, n.13, p.143-161, abr.-maio. 2002.
LÔBO, Paulo. Direito ao Estado de filiação e direito à origem genética: uma distinção necessária. Revista Brasileira de Direito de Família, Porto Alegre: Síntese/IBDFAM, n.19, p.133-156, ago.-set. 2003.
______. Famílias. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2011.
LOMEU, Leandro. Reconhecimento voluntário de paternidade socioafetiva. Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões, Porto Alegre: Magister, ano I, n.6, p.102-105, maio.- jun.2015.
MAIDANA, Jédison Daltrozo. O fenômeno da paternidade socioafetiva: a filiação e a revolução da genética. Revista Brasileira de Direito de Família, Porto Alegre: Síntese/IBDFAM, n.24, p.50-79, jun.- jul. 2004.
MALUF, Carlos Alberto Dabus; MALUF, Adriana Caldas do Rego Feitas Dabus. As relações e parentesco na contemporaneidade. Prevalência entre a parentalidade socioafetiva ou biológica. Melhor interesse dos filhos. Descabimento ou reconhecimento de multiparentalidade. Parecer definitivo. Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões, Porto Alegre: Magister, ano I, n.1, p.125-143, Jul.-Ago 2014.
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil: direito de família. Atualização Tânia da Silva Pereira. 23. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015. V.5.
PEREIRA NETO, Miguel. O reconhecimento de repercussão geral em matéria de direito de família no que se refere à prevalência de vínculo de filiação socioafetivo sobre vínculo biológico. Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões, Porto Alegre: Magister, ano I, n.3, p.110-120, Nov.-Dez. 2014.
PETTERLE, Selma Rodrigues. O direito fundamental à identidade genética na Constituição brasileira. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2007.
RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. 8ª Câmara Cível Apelação n.º 70009804642. Rel. Juiz Alfredo Guilherme Englert. Comarca de Tupanciretã, 17.02.2005. Disponível em: ˂ http:// www.tjrs.jus.br˃.Acesso em: 09 out.2015
RISSI, Rosiane Sasso. Análise dos aspectos jurídicos controversos do estado de filiação socioafetivo derivado da reprodução assistida heteróloga. IMESB em Revista, Bebedouro, vol. 1, p. 11-26, 2008.
RIZZARDO, Arnaldo. Direito de família. 9.ed. rev., ampl. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2014.
SÃO PAULO. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. 1ª Câmara de Direito Privado. MATERNIDADE SOCIOAFETIVA: Preservação da Maternidade Biológica Respeito à memória da mãe biológica, falecida em decorrência do parto, e de sua família -Enteado criado como filho desde dois anos de idade Filiação socioafetiva que tem amparo no art. 1.593 do Código Civil e decorre da posse do estado de filho, fruto de longa e estável convivência, aliado ao afeto e considerações mútuos, e sua manifestação pública, de forma a não deixar dúvida, a quem não conhece, de que se trata de parentes - A formação da família moderna não-consanguínea tem sua base na afetividade e nos princípios da dignidade da pessoa humana e da solidariedade. Recurso provido. Apelação 0006422-26.2011.8.26.0286. Apelantes: Vivian Medina Guardia e Augusto Bazanelli. Apelado: Juízo da Comarca. Rel. Des. Alcides Leopoldo e Silva Junior. Comarca de Itu. 14.08.2012. Disponível em: ˂http:// www.tj-sp.jusbrasil.com.br˃.Acesso em: 09 out.2015.
TARTUCE, Flávio. Direito civil: direito de família. 10. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2015. V.5.
RUSSO, José. As sociedades afetivas e sua evolução. Revista Brasileira de Direito de Família, Porto Alegre: Síntese/IBDFAM, n.32, p.40-49, out.- nov.2005.
SOUZA, Ionete de Magalhães. Paternidade Socioafetiva. Revista IOB de Direito de Família, Porto Alegre: Síntese/IBDFAM, v.9, n.46, p.90-97, fev.-mar.2008.
VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: direito de família. 7. ed. São Paulo: Editora Atlas S.A., 2007. V.6.
WELTER, Belmiro Pedro. Igualdade entre a filiação biológica e socioafetiva. Revista Brasileira de Direito de Família, Porto Alegre: Síntese/IBDFAM, n.14, p.128-163, jul.-ago. 2002.
______. Investigação de paternidade socioafetiva. Revista Brasileira de Direito de Família, Porto Alegre: Síntese/IBDFAM, n.6, p.50-52, jul.ago.set. 2000.