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A vergonhosa censura

15/08/2016 às 10:23
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O presente texto traz crítica a recente acontecimento que frustra descaradamente o direito fundamental de liberdade de expressão, revelando a postura do atual governo.

No sábado passado, um homem com um cartaz contrário ao presidente interino, Michel Temer (PMDB), foi retirado do Sambódromo durante uma prova de tiro. Em Belo Horizonte, no mesmo dia, torcedores foram expulsos de uma partida de futebol feminino — usavam camisetas com letras que, juntas, formavam a frase "Fora Temer".

Forças de segurança e organizadores se escudam na Lei da Olimpíada, editada em maio, para justificar a ação repressora. Em seu artigo 28, o diploma determina que entre "as condições de acesso e permanência nos locais" dos Jogos está a de não "utilizar bandeiras para outros fins que não o da manifestação festiva e amigável".

Os mesmos dispositivos legais, vale dizer, também constavam da Lei da Copa; em 2014, ao analisar sua constitucionalidade, o Supremo Tribunal Federal a considerou compatível com a Lei Maior.

A despeito do entendimento do STF de que o texto em si não afronta direitos fundamentais, a aplicação abusiva da lei nos locais de provas restringe, como assinalou o juiz do Rio, garantias individuais da Constituição de 1988.

A fim de manter as arenas "limpas" e proteger os patrocinadores e o espírito do evento, conforme explicação infeliz do diretor de comunicação da Rio-2016, agentes de segurança pisotearam direitos individuais plenamente garantidos na Constituição.

É mais uma vergonha para o Brasil e dá o caráter repressivo que se tem de natureza de censura que o atual governo tem relação às manifestações populares.

A providência tomada de proibir manifestações nas olimpíadas é francamente inconstitucional. Nada mais.

Sampaio Dória (Direito Constitucional, volume III) ensinava que liberdade de pensamento é “o direito de exprimir, por qualquer forma, o que se pense em ciência, religião, arte ou o que for”. É forma de liberdade de conteúdo intelectual e supõe o contato do indivíduo com seus semelhantes.

A liberdade de opinião resume a própria liberdade de pensamento em suas várias formas de expressão. Daí que a doutrina a chama de liberdade primária e ponto de partida de outras, sendo a liberdade do indivíduo adotar a atitude intelectual de sua escolha, quer um pensamento íntimo, quer seja a tomada de uma posição pública; liberdade de pensar e dizer o que se creia verdadeiro, como dizia José Afonso da Silva (Direito Constitucional positivo, 5ª edição, pág. 215).

De outro modo, a liberdade de manifestação de pensamento constitui um dos aspectos externos da liberdade de opinião. A Constituição Federal, no artigo 5º, IV, diz que é livre a manifestação de pensamento, vedado o anonimato, e o art. 220 dispõe que a manifestação do pensamento, sob qualquer forma, processo ou veiculação, não sofrerá qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição, vedada qualquer forma de censura de natureza política, ideológica e artística.

A liberdade de manifestação de pensamento que se dá entre interlocutores presentes ou ausentes tem seu ônus, tal como o de o manifestante identificar-se, assumir, de forma clara, a autoria do produto do pensamento manifestado, para, em sendo o caso, responder por eventuais danos a terceiros.

Ainda se fala em liberdade de expressão intelectual, artística e científica e direitos conexos, de forma que não cabe censura, mas classificação para efeitos indicativos (artigo 21, XVI).

Deve-se respeitar a liberdade de expressão, o direito de se expressar livremente, a faculdade de apresentar um pensamento, um dos pilares da democracia!

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Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROMANO, Rogério Tadeu. A vergonhosa censura. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4793, 15 ago. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/51307. Acesso em: 19 abr. 2024.

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