Resumo: O presente artigo tem o intuito de alertar a sociedade sobre um problema constante na sociedade, a violência psicológica sofrida pela mulher. Para tanto, procura-se entender o que seria essa violência e quais os sintomas decorrentes para que a vítima possa identificar quais atitudes violam a sua dignidade, antes que seus efeitos sejam irreversíveis. Assim, serão abordadas leis de proteção aos direitos da mulher, a exemplo da Constituição Federal, da Lei Maria da Penha e Convenções Internacionais. No entanto, a efetivação dos direitos assegurados às mulheres ainda deixa a desejar, sendo, portanto, papel do Estado promover ações articuladas complementares que possibilitem o alcance de resultados mais eficazes, no combate à violência doméstica e familiar contra a mulher.
Palavras-chave: Violência psicológica; Dignidade; Proteção; Direitos da mulher.
1. Introdução
A agressão psicológica se inicia de forma lenta e silenciosa, progride em intensidade e consequências (GOMES, 2007, p. 672). Tais ofensas e agressões praticadas frequentemente causam intenso sofrimento, levando a alterações de comportamento que possivelmente mobilizarão todas as esferas da vida (SILVA, COELHO & CAPONI apud GOMES, 2007, p. 673).
Apesar de não deixar marcas físicas é também uma grave violação dos direitos humanos das mulheres. (MINAYO & ROVINSKI, 2014, p.06).
A Lei Federal n.º 11.340/2006, chamada Lei Maria da Penha, cria mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar e garantir a integridade física, psíquica, sexual, moral e patrimonial, está sendo alvo das mais ácidas críticas (BERENICE, 2008, p. 17).
Além dela, existem outros dispositivos normativos de proteção à mulher como a Constituição Federal e os Tratados Internacionais.
Por se tratar de uma violência “invisível”, que não deixa marcas físicas, a violência psicológica é difícil de ser analisada e penalizada, por este motivo, é papel do Estado trabalhar políticas de assistência e prevenção eficazes.
Eis o que será tratado ao longo deste estudo.
2. Violência Psicológica
A palavra “violência” se origina do latim e tem dois significados: violentia, que significa veemência, ato apaixonado e sem controle, e violare, que significa infração ou violação (BRAGA, 2008, p. 68).
No que tange a violência psíquica, José Carlos Miranda Nery Júnior a conceitua como (NERY JUNIOR, 2011, p. 19):
Violência Psicológica é qualquer ação ou omissão destinada a controlar ações, comportamentos, crenças e decisões de uma pessoa, por meio de intimidação, manipulação, ameaça, humilhação, isolamento ou qualquer outra conduta que implique prejuízo à sua saúde psicológica. É muito comum nesses casos, a pessoa ter a sua autoestima ou sensação de segurança atingida por agressões verbais, ameaças, insultos e humilhações. Essa violência acontece também quando, por exemplo, a pessoa é proibida de trabalhar, estudar, sair de casa ou viajar, de falar com amigos e familiares, ou então quando alguém destrói seus documentos ou outros pertences pessoais.
No campo teórico, Luciany Michelli Pereira dos Santos defende que a prática da violência psicológica é definida pelos seguintes elementos caracterizadores (SANTOS, 2006, p. 124):
a) permanência no tempo: a exigência de continuidade, constância, é insistentemente ressaltada, levando em conta que a violência psicológica não se firma caso as agressões veladas não ocorram de maneira reiterada; b) sutileza: o agressor desenvolve mecanismos de comunicação, para que os outros não percebam a violência dirigida à vítima. Utiliza-se do discurso indireto, tortuoso, que pode conduzir à interpretação vaga daquilo que diz, confundindo, propositadamente, a vítima; c) bilateralidade: a presença de um agressor e de uma vítima assediada sustentada por uma circunstância de dominação ou superioridade hierárquica.
Em uma pesquisa realizada pela Organização Mundial de Saúde sobre os efeitos da violência doméstica na saúde das mulheres, de 2000 a 2003, foi verificada que a violência psicológica é o evento mais frequente na vivência violenta de mulheres no mundo todo. Além disso, o estudo reiterou resultados de outras pesquisas que comprovam a repercussão da violência psicológica na saúde mental, aumentando a prevalência de depressão, ansiedade e ideias suicidas, mesmo quando as agressões não eram acompanhadas de violência física ou sexual (MINAYO & ROVINSKI, 2014, p. 06).
A “Campanha Compromisso e Atitude Lei Maria da Penha” divulgou em cinco de agosto de 2014 um gráfico mostrando que a violência psicológica equivale a 30,3% (trinta vírgula três por cento) das denúncias efetuadas na central de atendimento à mulher.
A mulher vítima de violência sofre consequências danosas em sua saúde de forma imediata ou tardia, pois, em comparação com mulheres não expostas a um ambiente familiar violento, apresentam maior deterioração quanto à saúde física e psicológica (LIANE & ROVINSKI, 2004, p. 84).
2.1 Sintomas decorrentes da violência psicológica
Os principais sintomas da violência psicológica é a depressão, desesperança, baixo autoestima e negação (ROTH & COLÉS citado por GOMES, 2012, p. 674). Enrique Esbec Rodriguez e Gregório Gomes Jarabo, ensinam que a vitimização psíquica é um problema grave e que pode gerar as seguintes consequências (RODRIGUEZ & JARABO apud MOLINA & GOMES, 2002, pp. 86-87):
sentimentos de humilhação, ira, vergonha e impotência; preocupação constante pelo trauma; auto-culpabilização, com tendência a reviver e perceber o acontecimento como responsável principal pelo mesmo; perda progressiva de autoconfiança pelos sentimentos de impotência por ela experimentados; alteração do sistema de valores, em particular, quebra de sua confiança nos demais e na existência de uma ordem justa; falta de interesse e motivação para atividades e afeições prévias; incremento de sua vulnerabilidade com temor a viver em um mundo perigoso e perda de controle de sua própria vida; diminuição da auto-estima; ansiedade, depressão, agressividade; alterações do ritmo e conteúdo do sono, disfunções sexuais; dependência e isolamento; mudanças drásticas no estilo de vida, medo de freqüentar os lugares de costume etc.
Tais sintomas contribuem para manter a mulher na relação abusiva (ROTH & COLÉS citado por GOMES, 2012, p. 674).
A violência psicológica cometida no âmbito das relações afetivas, causam intenso sofrimento, levando a alterações de comportamento que possivelmente mobilizarão todas as esferas da vida (SILVA, COELHO & CAPONI apud GOMES, 2007, p. 674).
A vivência da violência psicológica, percebida e praticada inicialmente de forma sutil e velada, passa a ser uma questão de saúde pública, visto que vários prejuízos emocionais são instalados na vida da mulher, impedindo seu desenvolvimento no âmbito familiar, profissional, emocional e social. Comumente procuram a atenção médica com sintomas que podem sugerir uma história de violência doméstica, incluindo depressão, aumento do uso de álcool e drogas, transtorno de estresse pós-traumático e mudança no sistema endócrino.
A depressão marca a vida das vítimas de violência, atingindo cerca de 83% (oitenta e três por cento) das mulheres em relacionamentos abusivos, chegando a ter um risco de suicídio cinco vezes maior do que as mulheres que não vivem tal realidade (HUSS, 2011, p. 251).
Para MEICHENBAUM, citado por Rilzeli Maria Gomes (GOMES, 2012, p. 674) as mulheres vitimizadas por seus companheiros apresentam altos níveis de depressão, ideação e tentativas suicidas, abuso de substância e, mais especificamente, sintomas de transtorno de estresse pós-traumático, distúrbio de sono e/ou alimentação, entre outros.
De acordo com pesquisa realizada pela Organização Mundial de Saúde no Brasil, sobre os efeitos da violência doméstica na saúde das mulheres, na qual participaram dez países, ficou comprovado que este tipo de violência repercute na saúde mental e física da vítima (MINAYO & ROVINSKI, 2014, p. 06).
O estudo reiterou resultados de outras pesquisas que comprovam a repercussão da violência psicológica na saúde mental, aumentando a prevalência da depressão, ansiedades e ideias suicidas, mesmo quando as agressões não eram acompanhadas de violência física. Ao contrário do que muitos pensam ao minimizar a violência psicológica, dados clínicos possibilitam apontar também repercussões físicas, como hipertensão, gastrite e doenças relacionadas ao estresse.
Portanto, é comprovado cientificamente que viver constantemente sob ameaça, humilhação e desqualificação, traz prejuízos à saúde, o que acaba por refletir também no desempenho no trabalho e na sua vida social.
3. A violação aos direitos humanos
A tutela especial conferida à mulher tem como principal fundamento o princípio da dignidade da pessoa humana. Analisando-se a evolução dos direitos humanos, salienta-se que (SABBÁ & MOREIRA, 2009, p. 36):
a preocupação com os direitos humanos tornou-se mais aguda no pós guerra, quando a ONU faz a Declaração Universal dos Direitos Humanos e as revoluções constitucionais pouco a pouco vão enterrando os regimes nacionalistas de governo na Europa. A positivação do princípio da dignidade da pessoa humana, na Declaração e, posteriormente, nas Constituições alemãs, de Portugal e de Espanha, carrega necessária e inexoravelmente junto o reconhecimento de direitos humanos.
A partir deste marco histórico a forma como o Estado tratava os nacionais deixou de ser um problema interno e passou a expirar cuidados em âmbito internacional, sendo a condição de pessoa o requisito único para a titularização de direitos (GARCIA, 2008, p. 21).
A Conferência Mundial de Direitos Humanos ocorrida em Viena, em 1993, se reconheceu expressamente que “os direitos das mulheres e das meninas são parte integrante, indivisível e inalienável dos direitos humanos e que a violência de gênero é incompatível com a dignidade e o valor da pessoa humana”. (GONÇALVES, 2010, p. 309).
O artigo 6º, da Lei Federal n.º 11.340/2006, é claro quanto a isso ao dispor que:
Art. 6º A violência doméstica e familiar contra a mulher constitui uma das formas de violação dos direitos humanos. (BRASIL, 2006).
Além disso, o artigo 2º prevê que:
Toda mulher, independentemente de classe, raça, etnia, orientação sexual, renda, cultura, nível educacional, idade e religião, goza dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sendo-lhe asseguradas as oportunidades e facilidades para viver sem violência, preservar sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual e social. (BRASIL, 2006).
Os direitos à vida, à saúde e à integridade física das mulheres são violados quando um membro da família tira vantagem de sua força física ou posição de autoridade para infligir maus tratos físicos, sexuais, morais e psicológicos (LOURENÇO, 2008, p.13). Por isso é importante que se exista uma lei específica que dê proteção e dignidade as mulheres vítimas de violência.
O artigo 3º, da mesma lei, assegura o pleno exercício dos direitos fundamentais pela mulher, sendo obrigação do Estado garanti-los:
Art. 3º Serão asseguradas às mulheres as condições para o exercício efetivo dos direitos à vida, à segurança, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, à moradia, ao acesso à justiça, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária.
§ 1º O poder público desenvolverá políticas que visem garantir os direitos humanos das mulheres no âmbito das relações domésticas e familiares no sentido de resguardá-las de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
§ 2º Cabe à família, à sociedade e ao poder público criar as condições necessárias para o efetivo exercício dos direitos enunciados no caput. (BRASIL, 2006).
A primeira condição para o exercício pleno dos direitos fundamentais é uma vida sem violência, objetivo máximo da legislação. Essa condição deve ser assegurada pelo poder público através de políticas públicas (LOURENÇO, 2008, p. 15).
4. As leis de proteção à mulher
4.1 A Constituição da República de 1988
A Constituição Federal de 1988 foi um marco na conquista dos direitos das mulheres, instaurando a igualdade de direitos e de deveres entre homens e mulheres, especialmente no inciso I, do artigo 5º (RODRIGUES & CORTÊS, 2006, p. 12).
Além disso, dispõe explicitamente em seu parágrafo 5º, do artigo 226, que os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher, acabando com a posição superior e de chefia, atribuída legalmente ao homem na sociedade conjugal.
A segurança é considerada como um direito social assegurado no artigo 6º, da Constituição Federal. Por esta razão, cabe ao Estado assegurar a assistência à família, na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações conforme parágrafo 8º, do artigo 226, da Constituição Federal.
Isto significou um grande avanço, pois se reconheceu o fenômeno da violência familiar e doméstica, que já vinha sendo sistematicamente denunciado pelos movimentos de mulheres desde os anos setenta e oitenta, principalmente (RODRIGUES & CORTÊS, 2006, p. 20).
Além disso, a violência psicológica acarreta problemas de saúde, que é considerada como um direito social no artigo 6º, da Constituição Federal. É, portanto, dever do Estado e direito de todos, de acordo com o artigo 196 do mesmo dispositivo, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação, conforme o artigo 196 do mesmo dispositivo.
Após a Constituição de 1988, surgiram várias modificações no texto normativo no que tange a violência doméstica.
Destacam-se as seguintes leis, que:
a) cria o tipo especial denominado violência doméstica no Código Penal (Lei 10.886/2004), incorporando ao crime de “ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem, se a lesão for praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade” (art. 129, § 9º);
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b) estabelece a notificação compulsória de caso de violência contra a mulher atendido em serviços de saúde públicos ou privados, no território nacional (Lei 10.778/2003);
c) autoriza o Poder Executivo a disponibilizar, em nível nacional, número telefônico, gratuito, com apenas três dígitos, destinado a atender, de todo o País, as denúncias de violência contra as mulheres (Lei 10.714/2003). Este serviço de atendimento deverá ser operado pelas Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher ou, alternativamente, pelas Delegacias de Polícia Civil, nos locais onde não exista tal serviço especializado;
d) altera a Lei dos Juizados Especiais, para que, em caso de violência doméstica, o juiz possa determinar, como medida de cautela contra o autor do fato, seu afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a vítima (Lei 10.455/2002); e
e) revoga dispositivo discriminatório do Código de Processo Penal (DL 3.689/41), que proibia à mulher casada o direito de queixa sem consentimento do marido, salvo quando estiver dele separada ou quando a queixa for contra o mesmo (Lei 9.520/1997).
Tais mudanças foram muito importantes para garantir uma maior proteção as mulheres e também foi uma forma de atualizar o texto normativo a sistema igualitário imposto pela Constituição de 1988.
4.2 A Lei Maria Da Penha (Lei Federal n.º 11.340/2006)
A Lei Federal nº 11.340, de 07 de agosto de 2006, também conhecida como “Lei Maria da Penha”, é o principal instrumento legal para coibir e punir a violência doméstica praticada contra mulheres no Brasil.
Antes da Lei Maria da Penha o legislador brasileiro não dava atenção devida para o assunto. Nesse sentido, afirma Maria Berenice Dias (DIAS, 2008, p. 21):
Até o advento da Lei Maria da Penha, a violência doméstica não mereceu a devida atenção, nem da sociedade, nem do legislador e muito menos do judiciário. Como eram situações que ocorriam no interior do “lar, doce lar”, ninguém interferia. Afinal, “em briga de marido e mulher ninguém põe a colher”!
A justiça brasileira somente mudou a partir da apresentação de denúncia perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da cidadã Maria da Penha Maia Fernandes, após muita luta para que seu agressor viesse a ser condenado. Dentre as agressões ocorreram duas tentativas de homicídio. Na primeira vez o agressor atirou simulando um assalto, o disparo acertou e a vítima ficou paraplégica. Na segunda tentativa o agressor tentou eletrocutá-la.
A Comissão Interamericana de Direitos Humanos, em seu informe nº 54, de 2001, responsabilizou o Estado brasileiro por negligência, omissão e tolerância em relação à violência doméstica contra as mulheres (NERY, 2011, p.12).
Neste sentido, foram emitidas recomendações ao Estado brasileiro, tais como a simplificação dos “procedimentos judiciais penais a fim de que possa ser reduzido o tempo processual” (TANNURI & HUDLER, 2008, p.23).
O caso Maria da Penha trouxe à tona uma realidade dura e cruel de sofrimento e violações de direitos humanos por que passavam milhares de mulheres no país; tornou-se, assim, imperativa a adoção de mecanismos visando coibir a violência domestica e familiar contra a mulher. Foi nesse contexto que, em 7 de agosto de 2006 foi sancionada a Lei n. 11.340/06, a qual entrou em vigor em 22 de setembro de 2006.
Pode-se dizer que esta lei é um marco no histórico de proteção dos direitos humanos do gênero feminino. O que se espera agora é o fim da banalização da violência contra as mulheres, causado pelo sentimento de impunidade gerado pela disponibilidade dos benefícios aos agressores, quando não existia uma legislação específica (NERY, 2011, p. 16).
O artigo 1º, da mencionada Lei Federal, trata dos objetivos por ela perseguidos, asseverando que:
Esta Lei cria mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8º do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Violência contra a Mulher, da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher e de outros tratados internacionais ratificados pela República Federativa do Brasil; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; e estabelece medidas de assistência e proteção às mulheres em situação de violência doméstica e familiar (BRASIL, 2006).
Portanto, esta legislação deve ser interpretada à luz dos preceitos constitucionais e dos instrumentos internacionais de direitos humanos, afim de coibir qualquer forma de violência.
Inicialmente tal dispositivo foi severamente criticado por supostamente afrontar o princípio da igualdade imposta pelo texto constitucional. Por esta razão, foram propostas a ação de declaração de constitucionalidade n.º 19 e a ação de declaração de inconstitucionalidade n.º 4424.
Por fim, a lei foi julgada constitucional reconhecendo de forma justa que as relações de gênero são historicamente desiguais. Assim, só poderemos, um dia, atingir a igualdade material se hoje a mulher possuir mais instrumentos para garantir seus direitos (LIMA, 2008, p. 47).
Para garantir a aplicabilidade da Lei, é de grande relevância que hajam delegacias especializadas que saibam atender a mulher em um momento tão frágil, onde a mesma se encontra em total vulnerabilidade. Para Andréa da Silva Lima, 2008, p. 33:
A Delegacia de Polícia é a porta de entrada da mulher em situação de violência doméstica na rede de atendimento, é a partir do tratamento recebido na Delegacia que a mulher se sentirá empoderada, representando o agressor (exceto nos crimes de lesão corporal), dando continuidade no processo criminal, requerendo as medidas protetivas previstas na Lei Maria da Penha e buscando auxílio nos Centros de Assistência para sair do ciclo de violência.
O artigo 11, da legislação em tela, prevê medidas que devem ser adotadas imediatamente, quais sejam: proteção policial, o encaminhamento ao atendimento médico, o transporte para a mulher e seus dependentes ao abrigo ou outro local seguro, o acompanhamento para retirada dos seus pertences, caso necessário, bem como garantir informações sobre os direitos assegurados pela lei e os serviços de proteção disponíveis. (BRASIL, 2006).
Quanto à instauração da ação penal, a representação somente é necessária nos crimes sem violência física, pois quando há violência física a ação penal é pública incondicionada, ainda que as lesões provocadas sejam de natureza leve. Nos casos em que é exigida, não é necessário nenhum rigor formal, mas apenas a demonstração inequívoca do interesse da vítima ou do representante legal em iniciar a persecução criminal (LIMA, 2008, p. 39).
Infelizmente a mulher vítima de violência doméstica sofrerá pressão para desistir da representação oferecida e, dependendo de sua condição econômica ou social, esta pressão poderá exercer acentuada influência em sua decisão (PORTO, 2006).
Quanto a aplicação dos Juizados Especiais nos crimes de lesão corporal leve, ela foi completamente afastada pela Lei Federal em tela.
Fernando Célio de Brito Nogueira (NOGUEIRA, 2006) emite posição aberta de que a lei quis vedar os benefícios decorrentes da aplicação da Lei do Juizado Especial Criminal aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, devendo se aplicar o que estabelece a nova lei.
Destaca-se, ainda, a possibilidade da prisão em flagrante nos casos da Lei em estudo, o que não seria possível nos crimes que correm perante o Juizado Especial.
Quanto o arbitramento de fiança pela autoridade policial, esta não foi afastada, porém alguns autores como Rogério Sanches defendem a impossibilidade de arbitramento da fiança pela autoridade policial. Neste sentido, ele cita o posicionamento do Promotor de Justiça do Estado de Rondônia, Jorge Romcy Auad Filho (CUNHA, 2012, p. 89):
Difícil explicar como alguém que foi solto mediante fiança arbitrada pelo Delegado de Polícia, momentos depois poderá ser preso preventivamente pela autoridade judiciária, para a garantia da vida e integridade das vítimas de violência doméstica [...] Permitir o arbitramento de fiança pela autoridade policial, no caso em que é possível a decretação da prisão preventiva, além de desvirtuamento do ordenamento jurídico, ainda acarretará perplexidade em posicionamentos contraditórios, bem como usurpação da função jurisdicional.
Salienta Andréa da Silva Lima que no que tange a medida protetiva, esta deve ser deferida independentemente da existência de representação, bem como deve subsistir enquanto for necessária, ainda que extinta a ação penal na qual tenha sido deferida. (LIMA, 2008, p. 42).
No mesmo sentido afirmou 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça citado por Lima, ao afirmar que as medidas protetivas não dependem de instrumentalidade a outro processo haja vista que não se busca necessariamente garantir a eficácia prática da tutela principal (LIMA, 2008, p. 42).
As medidas protetivas de urgência, estabelecidas no artigo 19 e parágrafos, poderão ser concedidas pelo juiz, a requerimento do Ministério Público ou a pedido da ofendida (NERY, 2011, p.31). Tais medidas dividem-se em três espécies:
Medidas protetivas de urgência relativas que obrigam o agressor (artigo 22). Exemplos: afastamento do lar, proibição de contato ou aproximação com a ofendida, prestação de alimentos às filhas e aos filhos menores.
Medidas protetivas de urgência à ofendida (artigo 23). Exemplos: encaminhamento da ofendida a programa de proteção, determinar a recondução da ofendida e a de seus dependentes a seus respectivos domicílios e o afastamento da ofendida do lar sem prejuízo dos direitos relativo aos bens, guarda dos filhos e alimentos.
Medidas de proteção do patrimônio da ofendida (artigo 24). Exemplos: restituição de bens indevidamente subtraídos e suspensão de procurações conferidas pela ofendida ao agressor.
Além das medidas protetivas, também é permitida a prisão preventiva para garantir que este cumpra as determinações judiciais de proteção à vítima (NERY, 2011, p. 32). Tais medidas são muito importantes para garantir a aplicabilidade da lei no caso concreto.
4.3 Os tratados e as convenções internacionais
O primeiro tratado voltado às mulheres se concretizou em 1979, na Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher. Este tratado, em seu artigo 1.º, define violências contra a mulher como (PIMENTEL, 2006, p.14):
qualquer ato de violência baseado em sexo, que ocasione algum prejuízo ou sofrimento físico, sexual ou psicológico às mulheres, incluídas as ameaças de tais atos, coerção ou privação arbitrárias da liberdade que ocorram na vida pública ou privada.
São duas as frentes propostas pela Convenção: promover os direitos das mulheres na busca da igualdade de gênero e reprimir quaisquer discriminações contra a mulher nos Estados-parte (PIMENTEL, 2006, p.14).
Baseada em provisões da Carta das Nações Unidas - que afirma expressamente os direitos iguais de homens e mulheres - e na Declaração Universal dos Direitos Humanos - que declara que todos os direitos e liberdades humanos devem ser aplicados igualmente a homens e mulheres, sem distinção de qualquer natureza - a Comissão preparou, entre os anos de 1949 e 1962, uma série de tratados que incluíram: a Convenção dos Direitos Políticos das Mulheres (1952); a Convenção sobre a Nacionalidade de Mulheres Casadas (1957); a Convenção Sobre o Casamento por Consenso, Idade Mínima para Casamento e Registro de Casamentos (1962). Esses tratados visavam a proteção e a promoção dos direitos da mulher em áreas onde esses direitos fossem considerados particularmente vulneráveis pela Comissão.
Logo depois veio a Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW), de 1981, na qual considera a violência contra a mulher uma violação dos Direitos Humanos e das liberdades fundamentais, visto que tal violência limita total ou parcialmente o reconhecimento, o gozo e o exercício desses direitos e liberdades pelas mulheres (BARSTED, 2006, p. 140).
Ratificada pelo Brasil em 27 de novembro de 1995, ela passou a ter força de lei nacional por meio do Decreto nº 1973 de 01.08.1996. Tal dispositivo dispõe (BARSTED, 2006,p. 141):
A Convenção em seu artigo 1º entende por violência contra a mulher “qualquer ação ou conduta, baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto no âmbito público como no privado”. No seu artigo 2º, declara que a violência contra a mulher inclui a violência física, sexual ou psicológica que tenha ocorrido na família, na comunidade ou que seja perpetrada ou tolerada pelo Estado ou seus agentes onde quer que ocorra. Recomenda, em seu artigo 9º que, para adoção das medidas recomendadas, os Estados-parte da OEA devem considerar a situação de vulnerabilidade à violência que a mulher possa sofrer em conseqüência de fatores como, por exemplo, sua condição racial e étnica. Em seus artigos 7º e 8º, a Convenção detalha os deveres dos Estados-parte para a prevenção, erradicação e eliminação da violência contra a mulher. A Convenção cria, em seu artigo 10º, a obrigação dos Estados-parte de apresentarem informes periódicos à Comissão Interamericana da Mulher – CIM, comunicando as medidas que adotaram para prevenir e erradicar a violência contra a mulher, bem como aquelas voltadas para assistir a mulher afetada pela violência
Diante do exposto, vem a indagação da aplicabilidade desses dispositivos, o que será tratado no próximo capítulo.