4. GLOBALIZAÇÃO E ENSINO SUPERIOR
Tratar de ensino superior e cidadania conduz-nos a uma reflexão acerca da globalização. Cada instituição de ensino superior está inserida em uma determinada sociedade, em um determinado contexto histórico, político e cultural. Sendo assim, estas instituições e suas políticas de acesso não podem ser pensadas sem que sejam levadas em conta as características atuais da globalização e suas relações com a estrutura social posta.
Os problemas do ensino superior não dizem respeito somente às instituições que atuam neste nível do ensino, tendo em vista que são problemas de toda a sociedade. A globalização exerce hoje pesadas pressões, a maioria delas marcada pelos sinais da urgência e das contradições. As universidades sofrem pressões em um cenário de constantes mudanças para o qual não se sentem preparadas a responder, conforme aduz Clark (1996, p. 129):
Como atores principais dentro desses sistemas, as universidades públicas e privadas entraram numa época de turbulências para a qual não se prevê término. A atual encruzilhada tem sua origem num simples fato: as demandas impostas às universidades superam sua capacidade de resposta.
Se esta realidade apresenta-se em instituições de ensino superior de países centrais, que se encontram em estágios mais avançado de consolidação de suas estruturas democráticas, muito mais problemático é para os sistemas educacionais de países periféricos. Estes se defrontam com todos os problemas do presente, desde a construção de adequadas bases materiais até a consolidação dos seus processos democráticos, sem que já tivessem resolvido satisfatoriamente as históricas dívidas sociais, culturais e econômicas.
Predomina o entendimento de que a universidade deve catalisar as transformações exigidas pela nova economia de mercado. Mas também cabe à universidade, como uma bandeira histórica, elaborar uma compreensão ampla e fundamentada relativamente às finalidades e transformações da sociedade, pois muitos dos problemas são comuns tanto à universidade em particular quanto à sociedade em geral. Dessa forma, faz-se necessário refletir acerca das possibilidades de expandir as instituições de ensino superior como espaços que superem a mera dimensão econômica e pragmática, gerando o debate e a efetiva inclusão social por meio das políticas públicas de democratização do ensino superior brasileiro em meio à globalização.
A globalização trata-se de um fenômeno que se expandiu rapidamente pelo mundo, e, ao tempo em que vem influenciando as novas configurações da sociedade, também expande as estruturas de informação, potencializa a mobilidade, imprime novos perfis no mundo do trabalho, impulsiona o acúmulo dos conhecimentos, gera mudanças nos campos das ciências e das tecnologias, produz o declínio das certezas e aumenta a complexidade nas relações humanas e na vida em geral (DIAS SOBRINHO, 2005).
De um lado, é possível defendê-la em razão de todos os avanços obtidos nos conhecimentos, nas técnicas e facilitação das comunicações e das informações. Não há dúvida de que os avanços da globalização carregam as potencialidades de construção de um mundo mais desenvolvido, graças às conquistas nos campos científicos e técnicos. Por outro lado, para os críticos da globalização, é ela a principal responsável pelo aprofundamento das assimetrias entre pobres e ricos, Sul e Norte, excluídos e incluídos. Em todos os continentes, os críticos denunciam os resultados enganosos deste fenômeno e seus efeitos devastadores como a concentração do capital pelas grandes corporações transnacionais, o aumento da miséria, da violência, do desemprego, do endividamento crescente dos países pobres, do enfraquecimento dos estados nacionais e tantas outras consequências.
Santos (2002) chama a atenção para a globalização como uma fábula, a forma de mundo “como nos fazem ver”, incutindo-se a ideia de que o mercado avassalador é capaz de homogeneizar o planeta, quando, na verdade, aprofunda as diferenças locais e estimula o culto ao consumo. A globalização como perversidade é a que identifica “o mundo como é”, trata-se da fábrica de perversidades que a globalização tem imposto: aumento da pobreza, classe média perdendo qualidade de vida, salários diminuídos, fome, mortalidade infantil, etc.
A informação e o dinheiro são pontos marcantes da perversidade trazida pela globalização. A informação por ser utilizada em favor de alguns atores para interesses próprios, com o objetivo de manipular e convencer a população global de seus interesses. Dessa forma, esta informação é uma manipulação de convencimento dos atos perversos mascarados por uma cordialidade do mercado e do sistema financeiro global. A informação que chega para as massas é totalmente manipulada, que em vez de esclarecer, confunde.
O dinheiro torna-se o centro de todas as ações, fazendo com que o homem perca importantes valores de humanidade como a compaixão e a solidariedade. Atualmente, o outro é visto como um inimigo a ser vencido, incentivando-se a competitividade e tornando o consumo um verdadeiro regime totalitário, o que Santos chamou de “globaritarismo”. A tirania do dinheiro é a especulação financeira que move a economia, o dinheiro é o centro do mundo. A globalização perversa gera uma violência estrutural resultante da presença do dinheiro, da competitividade, cuja associação conduz a emergência de novos totalitarismos e a imposição de uma política comandada pelas empresas (SANTOS, 2002).
Diante de tantas consequências, a educação superior é apontada como meio para dar respostas à fragmentação e à aceleração dos conhecimentos, bem como atender mais efetivamente à multiplicidade das demandas externas. As demandas mais visíveis dizem respeito às necessidades de maior escolarização, maior eficiência, produtividade e competitividade, em razão das transformações do estágio atual do capitalismo e das alterações culturais e sociais. Entretanto, diante da baixa qualidade do ensino fundamental e médio no setor público e da insuficiência de vagas no ensino superior público, grande parte dos alunos acabam sendo alijados do direito de acesso ao nível superior de ensino e entrando no ciclo da exclusão diante da impossibilidade de ingresso no ensino superior privado.
Para promover a quebra deste ciclo de exclusão no acesso ao ensino superior, os países latino-americanos, especificamente o Brasil, fez investimentos massivos neste setor do ensino a partir da década de 1990, criando políticas voltadas à oferta de vagas em instituições privadas por meio de programas de financiamento estudantil. O desafio de ordem ética e política advém do direito à educação efetivado pelas instituições de educação superior, sejam elas criadas e mantidas pelo Estado ou pela iniciativa privada. Trata-se de dar sentido de bem comum às suas atividades, em um mundo em transformação e em crise de valores.
A educação superior é um patrimônio público na medida em que exerce funções de caráter político e ético, muito mais que uma simples função instrumental de capacitação técnica e treinamento de profissionais para as empresas. Essa função pública é a sua responsabilidade social. Nesse sentido, é sumamente importante garantir a todos o acesso a esse nível de ensino onde deve se produzir conhecimentos e formação, desenvolvendo capacidade de resposta às demandas e às carências da sociedade.
Dessa forma, evidencia-se a necessidade das constantes mobilizações sociais que incentivam as políticas públicas pela democratização do ensino superior, navegando contra a corrente hegemônica de globalização e reinventando novas formas de democratização e de construção da cidadania dos níveis local e nacional ao global. Resgata-se a partir de então os múltiplos atores da sociedade civil e suas formas de atuação no espaço público como construtores da democracia.
Assim, fala-se na possibilidade de uma “outra globalização”, nos dizeres de Santos (2002), ao referir-se ao “mundo como pode ser” atribuindo-se um caráter mais humano ao processo de globalização. A racionalidade hegemônica se tornou totalitária e abriu espaço para uma outra racionalidade, produzida e pensada pelos pobres, pois, estes últimos tomam consciência que existe uma dicotomia entre o discurso formal da atual globalização e, a realidade vivida no cotidiano. Propõe-se uma outra globalização, uma mudança radical das condições atuais, de modo que a centralidade de todas as ações seja localizada no homem e não mais no dinheiro.
A globalização atual não é irreversível porque o homem está descobrindo o sentido de sua presença no planeta e concebendo que esta globalização atualmente utilizada para construir um mundo perverso, pode vir a ser uma condição da construção de um mundo mais humano. Para isso são necessárias duas grandes mudanças: a mudança tecnológica (emergência das técnicas da informação) e a mudança filosófica da espécie humana (capaz de atribuir um novo sentido à existência de cada pessoa e também do planeta) (SANTOS, 2002).
O Brasil, assim como os demais países do sul, possui um papel central na transformação da atual globalização, através da cultura popular. Nesta “outra globalização” todas as ações teriam como centro o homem, deixando este de ser visto como um simples objeto. Diante do modelo de globalização posto na atualidade e os problemas sociais que são consequência deste, esta nova globalização faz-se necessária. Uma globalização para os pobres, globalização da inclusão, com o objetivo da valorização do homem frente ao mundo do dinheiro.
No cenário educacional brasileiro foram desenvolvidas políticas públicas que tem se constituído em oportunidades de disseminação desta outra globalização, expandindo a participação cidadã e promovendo a inclusão social. O estudo das políticas públicas é essencial no que tange à educação, tendo em vista sua relação com as atividades fundamentais do Estado.
5. POLÍTICAS PÚBLICAS NO ENSINO SUPERIOR: ACESSO E INCLUSÃO SOCIAL
O Ministério da Saúde apresenta um conceito de políticas públicas relevante para a compreensão destas ações:
Políticas públicas configuram decisões de caráter geral que apontam rumos e linhas estratégicas de atuação governamental, reduzindo os efeitos da descontinuidade administrativa e potencializando os recursos disponíveis ao tornarem públicas, expressas e acessíveis à população e aos formadores de opinião as intenções do governo no planejamento de programas, projetos e atividades (BRASIL, 2006, p. 09).
A análise das políticas públicas traz importantes contribuições para a compreensão do funcionamento das instituições políticas e de como estas lidam com as complexidades da realidade social na atualidade. Dentre as situações problemáticas vivenciadas ao longo dos anos pela sociedade brasileira destaca-se o acesso à educação. Como direito social previsto no artigo 6º da Constituição Federal de 1988 o direito à educação tem norteado a formulação de políticas públicas visando a democratização do acesso e a construção da inclusão social por meio da materialização deste direito.
Na atualidade, evidencia-se o objetivo das instituições educativas e das despesas públicas em educação de possibilitar certa mobilidade social. O objetivo reivindicado é que todos possam ter acesso à formação como meio de fomentar a inclusão social.
A inclusão social relaciona-se às iniciativas empreendidas pelo Estado e pela sociedade civil para enfrentar os processos de exclusão nas suas diversas esferas (social, econômica, política e cultural), de modo a tornar possível a todos ou ao maior número os benefícios que a sociedade possibilita apenas a certos segmentos (SCHMIDT, 2008).
Considerando que o principal meio de distribuição de recursos pelo Estado ocorre mediante a implementação das políticas públicas, as quais têm como principal destinatário a sociedade, entende-se imprescindível que os anseios e necessidades desta sejam considerados, desde a etapa da percepção e definição dos problemas que precedem a formulação de uma política pública até a etapa em que é procedida a avaliação. Acrescente-se a isso, o fato de que o resgate dos vínculos sociais e da sociedade civil como um todo, tem sido apontado, nos debates mais recentes, como caminho para minimizar os efeitos decorrentes de práticas setorizadas e excludentes. Dentre os fatores que podem contribuir para uma maior efetividade, eficácia e eficiência da execução das políticas públicas, aponta-se: a formação de capital social; uma efetiva avaliação das políticas públicas, com consequente utilização dos resultados.
No que concerne ao capital social, sua formação requer ações ampliativas por parte do Estado no desenvolvimento educacional dos indivíduos de modo a lhes conferir capacidade de compreensão da conjuntura em que vivem, aliada a uma ampliação dos processos informativos acerca das ações do Estado, principalmente no que diz respeito às políticas públicas, com a ressalva de que tais processos informativos devem ter cunho ético e transparente, para que não representem mero instrumento de manipulação de dados conforme as circunstâncias políticas.
No âmbito educacional ganhou destaque nas últimas décadas as políticas em torno da democratização do acesso ao ensino superior. Tal destaque deve-se à relevância do espaço acadêmico diante das novas necessidades da sociedade capitalista. Como espaço complexo que envolve desde relações sociais ao desenvolvimento técnico-científico, às instituições de ensino superior atribuiu-se a função de formar o homem para o mundo do trabalho e para a própria sociedade. Nesse âmbito, as primeiras políticas públicas de acesso ao ensino superior no Brasil foram implantadas a partir das universidades públicas, como forma de estabelecer igualdade de direitos e oportunidades visando a redução das desigualdades socioeconômicas no país.
Dessa forma, as primeiras iniciativas no contexto do ensino superior constituíam-se em ações reparadoras, uma tentativa para amenizar as desigualdades sofridas por segmentos socialmente e historicamente discriminados. Nesse sentido, estruturaram-se as políticas de cotas, reservando determinada porcentagem de vagas nas instituições a candidatos negros, de baixa renda ou egressos de escolas públicas. Considerando a influência desses fatores na formulação de políticas públicas voltadas para a inclusão social nas universidades, observa-se que o papel das instituições de ensino apresenta-se além da ampliação do acesso, mas, sobretudo, à função de promotoras da democracia, como agente social que contribui para a consolidação de um país mais igualitário.
Historicamente, a sociedade brasileira caracterizou-se pela predominância das camadas sociais mais altas no acesso à educação superior privada, ganhando destaque as políticas públicas desenvolvidas neste contexto com a finalidade de promover a inclusão de grupos até então excluídos deste nível do ensino, tendo em vista que, no plano das políticas públicas, um dos debates centrais é o potencial de inclusão das políticas sociais e sua relação com as políticas intereconômicas adotadas no contexto da globalização.
A igualdade de oportunidades no ensino superior é um desafio central para o Estado social no século XXI. Segundo Schmidt (2008) a pobreza é o maior dos flagelos que a humanidade enfrenta no início do novo milênio. Flagelo de enorme magnitude e complexidade, associada à exclusão e desigualdade social ela se manifesta em todos os continentes, mas com rigor extremo na África, Ásia e América Latina. Essa situação deve-se em grande parte à desigualdade de oportunidades no acesso à educação superior, que possibilitaria a inclusão social.
Os estudantes de classes menos favorecidas foram, durante muitos anos, alijados de instituições superiores privadas onde existe confiança interpessoal entre os “iguais”, em que há múltiplas formas de cooperação e reciprocidade, mas apenas entre os indivíduos “de bem” ou de “mesmo nível”. Nesse contexto, foram implementadas políticas públicas que visam à redução das desigualdades sociais e a busca pela equidade no acesso ao ensino superior brasileiro.
No estabelecimento de políticas públicas que visam a inclusão social na educação superior a partir do capital social, o empoderamento das populações marginalizadas é elemento central. Em razão das múltiplas barreiras sociais que lhes são impostas, os pobres tem extrema dificuldade de ver-se como atores capazes de exercer alguma influência real no seu ambiente social e na esfera política. O empoderamento consiste numa transformação atitudinal de grupos sociais desfavorecidos que os capacita “para a articulação de interesses, a participação comunitária e lhes facilita o acesso e controle de recursos disponíveis, a fim de que possam levar uma vida autodeterminada, auto-responsável e participar do processo político” (BAQUERO, 2005, p.39).
No seu alcance mais amplo, este empoderamento resulta na criação das condições que habilitam os pobres à conquista dos direitos de cidadania. Com isto, expandem-se as possibilidades de ampliação das políticas de equidade na oferta educacional do ensino superior no Brasil.
A partir da promulgação da Contituição Federal de 1988, observou-se o incentivo do governo na expansão das IES privadas e, por outro lado, a incapacidade em ampliar os gastos com o ensino superior e a prioridade de compromisso com a educação básica. Nesse âmbito, o ensino superior de iniciativa privada começou a apresentar indícios de seus limites. Esses indícios sugeriram que o incentivo inicial expressivo ao setor privado poderia comprometer a sustentabilidade da oferta, diante da crescente inadimplência dos estudantes matriculados nas instituições privadas. Ou seja, a simples ampliação da oferta não era condição suficiente para a democratização do acesso ao ensino superior (CORBUCCI, 2004).
Dessa forma, fez-se necessário a elaboração de políticas públicas que promovessem o financiamento de maneira a custear estudantes de baixa renda em IES privadas. Dentre as políticas que têm o foco no acesso ao ensino superior, destacam-se o Programa de Financiamento Estudantil (FIES) e o Programa Universidade para Todos (ProUni). Voltados para a população de baixa renda, estes programas são considerados políticas inclusivas e compensatórias.