Prisão temporária "sine die" com possibilidade, através da delação premiada, de relaxamento e redução de demais consequências penais futuras constitui instrumento moderno para obtenção de prova muito mais eficiente do aquele que era utilizado nos bárbaros anos de chumbo: a rudimentar tortura. Tão mais eficiente para a obtenção da prova quanto tão menos confiável a prova obtida.
Há alguns anos, a regra, por parte da polícia, era a utilização da tortura como meio de obtenção da prova. Era uma prova pouco confiável, já que o torturado inventava o que fosse para baixar do pau de arara ou para que fosse desplugado da fiação. Em 1988 chegou a nova CF. O Estado de Direito foi valorizado. Os direitos humanos passaram a ser prestigiados. A tortura tornou-se crime hediondo. Não que não seja mais praticada, mas onde ela era regra passou a ser exceção.
Em resposta ao período ditatorial, como que em uma reação, verificou-se a supervalorização do Direito, do Judiciário e do Ministério Público. E de forma tão intensa que hoje fala-se e comenta-se a propósito da "ditadura do Judiciário".
Tudo isso, a que veio aderir a livre interpretação das leis pelos magistrados com fundamento em princípios gerais de direito e em detrimento de uma correta e técnica hermenêutica jurídica, ou seja, o vale tudo do "em consideração ao princípio maior de justiça, decido (...)", resultou em que as leis deixaram de ser obedecidas por aqueles que deviam ser os primeiros a cumpri-las. Não por todos, claro. Seria injusto generalizar. Mas por muitos. Assim, a prisão temporária passou, na particular interpretação de alguns magistrados, e em nome do princípio da segurança jurídica e até "dos interesses maiores da nação", a ter duração ilimitada. Preso, longe de seus familiares, isolado em uma cela, ameaçado de prisão por vários anos pelo delito que teria praticado, recebe uma proposta: se delatar aqueles que a autoridade considera suspeitos será colocado em liberdade imediatamente e a pena no processo a que responderá será reduzida de maneira drástica. Quem não delataria?!
É onde se quer chegar. O inquisidor está entusiasmado. Nos anos de chumbo só dispunha da tortura. Hoje é senhor da prisão (que é uma forma de tortura) e, mais, da delação, que, quando buscada nessas condições arbitrárias e prepotentes, nada mais é do que uma ameaça escancarada: "diz o que fizeste e entrega os nomes de teus parceiros ou continuarás preso provisoriamente e, ao final do processo, terás uma pena definitiva longa a ser cumprida. Se falares, solto-te agora e, ao final, condeno-te a uma pena pequena, a qual poderá ser, inclusive, cumprida em liberdade.". Qual maluco não diria que fez o que não fez? Quem não aceitaria do inquisidor as sugestões de nomes de terceiros que teriam participado do alegado delito?
Tortura não está com nada! Nós nos aperfeiçoamos. São tempos modernos: uma boa prisão provisória, acompanhada de grave ameaça, seguida de uma tentadora oferta de liberdade. "Que facilidade! Que felicidade!", o inquisidor triunfou.
Pena que chegamos a este ponto. O torturador passou a perna em todos nós!