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A operação Zelotes e a inconstitucionalidade por abuso do poder de legislar

24/10/2016 às 14:28
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No âmbito da Administração Pública Federal, há investigações sobre a eventual compra de Medidas Provisórias. Caso seja comprovado, quais seriam as consequências no ordenamento jurídico?

No âmbito de uma investigação da Polícia Federal denominada “Zelotes”[1], que apura eventuais anulações de multas tributárias pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF), em troca de dinheiro, se chegou a uma outra particularidade, segundo denúncia ofertada pelo Ministério Público Federal, qual seja, a eventual compra de Medidas Provisórias (471/2009[2], 512/2010[3] e 627/2013[4]), com o escopo de obter incentivos fiscais.

Ao largo das discussões sobre criminologia, política criminal e Direito Penal, necessárias ao amadurecimento de nosso Estado Democrático de Direito, uma importante reflexão se faz necessária. Se no decorrer da instrução processual na Justiça Criminal reste efetivamente demonstrada a compra das Medidas Provisórias, qual seria o vício contido nos atos legislativos? Acaso constatado vícios, quais seriam as providências necessárias?

A reflexão inerente ao assunto se inicia no Direito Administrativo e se soluciona por intermédio da Constituição Federal, pois a Administração Pública possui plena liberdade de atuação. Contudo, essa margem de atuação não pode contradizer os princípios e as regras previstas em seu teor.

A Constituição Federal de 1988, influenciada pelo Direito Italiano, concedeu ao Presidente da República, a possibilidade de editar Medidas Provisórias, quando evidenciados os pressupostos de “relevância” e “urgência”, conceitos abertos e carregados de subjetividade que permitem o exercício da discricionariedade.

Discricionariedade, entretanto, não significa que a mais alta autoridade do Poder Executivo possa editar atos normativos primários infensos a qualquer tipo de controle, pois Montesquieu já afirmava que “todo homem investido de poder é tentado a abusar dele”. Diante disso, foram criados mecanismos de sindicabilidade de todo e qualquer ato frente à Carta Magna, a fim de se evitar abusos ou desvios de poder.

O artigo 62 da Constituição Federal é expresso ao afirmar que as medidas provisórias a partir de sua edição possuem força de lei, o que significa dizer que pressupõem a observância de três características: (i) generalidade; (ii) abstração; e (iii) impessoalidade, ou seja, as leis não devem ter efeitos sobre um específico destinatário, mas sim atingir um número indeterminado de pessoas ou relações jurídicas, em atenção ao princípio da isonomia.

Vulnerada a observância dos supracitados requisitos, restará evidenciada uma inconteste inconstitucionalidade por abuso do poder de legislar, violando especificamente o princípio da impessoalidade[5], norma de observância obrigatória prevista no artigo 37 da Carta Magna.

Numa exposição assinalada de clareza, o eminente Professor Celso Antônio Bandeira de Mello expõe o significado do princípio da impessoalidade como “a ideia de que a Administração tem que tratar a todos os administrados sem discriminações, benéficas ou detrimentosas. Nem favoritismo ou perseguições são toleráveis. Simpatias ou animosidades pessoais, políticas ou ideológicas não podem interferir na atuação administrativa e muito menos interesses sectários, de facções ou grupos de qualquer espécie”[6].

Diante disso, verifica-se que após o desfecho do caso na 10ª Vara da Justiça Federal do Distrito Federal, acaso reste comprovada a compra de benefícios fiscais por intermédio da edição de medidas provisórias, cujo status é de lei, além da condenação dos responsáveis na esfera penal será necessária a declaração de inconstitucionalidade (nulidade) das Leis nºs 12.218/2010, 12.407/2011 e 12.973/2014, por meio de Ação Direta de Inconstitucionalidade a ser proposta perante o Supremo Tribunal Federal, em decorrência de flagrante abuso do poder de legislar, por um dos legitimados previstos na Constituição Cidadã, como por exemplo o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, o Procurador Geral da República ou um partido político com representação no Congresso Nacional, sem prejuízo de posterior cobrança dos créditos pela Secretaria da Receita Federal do Brasil e eventual apuração de responsabilidade da União pela edição de eventual ato legislativo de natureza concreta[7].


Notas

[1] “O nome zelotes vem do adjetivo zelote, referente àquele que finge ter zelo. Ele faz alusão ao contraste entre a função dos Conselheiros do CARF de resguardar os cofres públicos e os possíveis desvios que efetuaram.” Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2015/04/1611246-entenda-a-operacao-zelotes-da-policia-federal.shtml. Acesso em 09/02/2016.

[2] Convertida na Lei n 12.218/2010.

[3] Convertida na Lei 12.407/2011.

[4] Convertida na Lei n 12.973/2014.

[5] O Abuso do Poder de Legislar por vulneração ao princípio da impessoalidade é expressão já há muito consagrada em nosso ordenamento, e foi abordada pelo eminente Professor Miguel Reale por meio de Parecer ofertado à Prefeitura de Campinas nos idos de 1975. REALE, Miguel. Abuso do poder de legislar. Revista de Direito Público, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1975, n. 39-40, p. 73.

[6] Curso de Direito Administrativo. 32ª edição, revista e atualizada até a Emenda Constitucional 84, de 02.12.2014. São Paulo: Malheiros Editores. 2015. página 117.

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[7] Cavalieri Filho, Sergio. Programa de Responsabilidade Civil. 11ª edição. São Paulo: Editora Atlas, 2014. Página 329. 

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Sobre o autor
Roberto Tadao Magami Junior

Advogado. Especialista em Direito Público. Mestre em Direito Administrativo pela PUC/SP.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MAGAMI JUNIOR, Roberto Tadao. A operação Zelotes e a inconstitucionalidade por abuso do poder de legislar. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4863, 24 out. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/51962. Acesso em: 22 dez. 2024.

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