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A teoria do risco integral e o exercício regular do direito.

Análise da Deliberação Normativa 96/2006 do Conselho de Política Ambiental do Estado de Minas Gerais

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21/09/2016 às 13:42
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4. CONCEITO DE LEI, PRINCÍPIO DA LEGALIDADE E ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO

A lei é uma das vestes da norma jurídica, é uma das fontes de criação de normas jurídicas. A lei é toda norma geral e obrigatória emanada de um órgão competente que visa regular a vida em sociedade. Caio Mário da Silva Pereira define lei como sendo:

A principal fonte formal de direito, por via da qual o Estado politicamente organizado dita as regras de comportamento, a que súditos devem obediência. Esta não decorre da aceitação dos indivíduos, os quais não são consultados, nem para a eficácia da lei cabe indagar da anuência dos cidadãos.

A lei é uma regra obrigatória, e, em sentido lato, exprime qualquer imposição à obediência individual. (PEREIRA, 2002, p. 52).

A lei pode ser classificada como sendo lei em sentido amplo (lato sensu) ou lei em sentido estrito (stricto sensu). Goffredo Telles Junior conceitua lei em sentido amplo e em sentido restrito como sendo:

Na esfera específica do Direito, o termo lei pode ser tomado num sentido amplo e impreciso, ou num sentido restricto (sic) e técnico.

Em seu sentido amplo, dentro da esfera do Direito, o termo lei é, aproximadamente, sinônimo do termo norma jurídica. É termo que pode designar quaisquer imperativos autorizantes, ou seja, quaisquer normas do Direito Objetivo.

Em sua acepção restricta (sic) e técnica, o termo lei só designa as normas produzidas pelos representantes do povo – deputados, senadores, vereadores -, nas Assembléias Constituintes e nas Câmaras do Poder Legislativo. Somente são leis as normas elaboradas pelo Poder Constituinte e pelo Poder Legislativo; confeccionadas com obediência a ritos próprios, chamados processo constituinte e processo legislativo. (JUNIOR, 2002, p. 111).

Em lapidar lição o renomado jurista (2002) segue discorrendo que não são leis em sentido restrito, as normas não produzidas pelos delegados do Povo. Aventa que não são leis, embora sejam normas jurídicas, os mandamentos do Poder Executivo de modo geral que não são produzidos pelo processo técnico de elaboração das leis. Entretanto, averbera que:

Tais mandamentos são, isto sim, normas apoiadas nas leis, ou, ao menos, não conflitantes com elas. Se por vezes, são chamados de lei, é para dar-lhes mais prestígio, mais autoridade. Tal nomeação, porém, é uma simples liberdade de linguagem – liberdade natural, porque se funda na afinidade entre termos da mesma família. Efetivamente, todas as normas jurídicas como sabemos, são imperativos autorizantes. (JUNIOR, 2002, p. 112).

Leciona Hugo de Brito Machado que:

Em sentido amplo, é lei todo ato jurídico que se compreenda no conceito de lei em sentido formal, ou em sentido material. Basta ser lei formalmente ou ser lei materialmente para ser lei em sentido amplo. Basta ter a forma de lei, ou o conteúdo de lei, para ser lei em sentido amplo.

Em sentido restrito, é lei somente aquele ato jurídico que tenha a forma e também o conteúdo de lei. É preciso que seja uma norma, vale dizer, seja uma lei em sentido material, e seja produto do órgão competente para o exercício da função legislativa, elaborada com observância do procedimento próprio para a elaboração das leis, segundo a Constituição.

A distinção entre lei em sentido amplo e lei em sentido restrito é da maior importância para a compreensão do princípio da legalidade, particularmente relevante no âmbito de alguns setores da Ciência Jurídica, como o Direito Penal e o Direito Tributário. (MACHADO, 2004, p. 139).

Para Machado:

Em sentido formal, lei é o ato jurídico produzido pelo órgão competente para o exercício da função legislativa, com observância do procedimento para tal fim estabelecido nos termos da Constituição. A lei, neste sentido, pode albergar ou não uma norma. Se não alberga, diz-se que é lei apenas em sentido formal.

Lei apenas em sentido formal é, portanto, o ato que tem a forma de lei, porque produzido pelo órgão competente para o exercício da função legislativa, com observância do procedimento próprio para a feitura das leis, mas não contém uma norma jurídica, e sim uma prescrição dirigida a uma determinada situação concreta. (MACHADO, 2004, p. 139).

Deste modo, tem-se que lei em sentido formal é aquela que foi produzida pelo órgão competente para a sua confecção. A lei em sentido material é aquela que traz em seu bojo uma norma jurídica, mas que, contudo, não emana do Poder Legislativo.

“Lei apenas em sentido material é a norma jurídica que não está expressa através de uma lei em sentido formal.”(MACHADO, 2004, p.138). A lei em sentido material é a norma jurídica que possui caráter de generalidade e abstração, mas, todavia, não foi posta por um órgão legislativo constitucionalmente competente para tanto e de acordo com as formalidades para a sua criação.

O Princípio da reserva legal visa uma maior garantia ao cidadão e ao contribuinte, respectivamente, nas esferas penal e tributária. Rogério Greco, citando passagem da Carta Magna Inglesa, discorre que:

Nenhum homem livre será detido, nem preso, nem despojado de sua propriedade, de suas liberdades ou livres usos, nem posto fora da lei, nem exilado, nem perturbado de maneira alguma; e não poderemos, nem faremos pôr a mão sobre ele, a não ser em virtude de um juízo legal de seus pares e segundo as leis do país. (Inglesa, Carta Magna de 1215, apud GRECO, 2000, p. 87).

Segundo Greco (2000), “tudo o que não for expressamente proibido é lícito em Direito Penal.”

Compulsando o capitulo VI, do título VIII, da Constituição da República Federativa do Brasil, não se verifica nenhuma menção ao princípio da reserva legal a se aplicar em matéria de proteção do meio ambiente. Ao contrário, prevê a Lei 6.938/81, em seu artigo 8º, inciso VII, que “compete ao CONAMA estabelecer normas, critérios e padrões relativos ao controle e manutenção da qualidade do meio ambiente com vistas ao uso racional dos recursos ambientais, principalmente os hídricos.”(Brasil, 2012, p.1643).

A Lei Federal 6.938/81 ainda previu, em seu art. 6º, §§ 1º e 2º, que “os Estados e municípios, na esfera de suas competências e em suas áreas de jurisdições, elaborarão normas supletivas e complementares e padrões relacionados com o meio ambiente, observados os que forem estabelecidos pelo CONAMA.” (Brasil, 2012, p.1643).

No âmbito do Estado de Minas Gerais, o Conselho de Política Ambiental – COPAM – estabelece normas e padrões voltados para a proteção do meio ambiente com espeque no Decreto 18.466, de 29 de abril de 1977, que o criou.

Deste modo, resta evidente que em sede de proteção ao meio ambiente ecologicamente equilibrado não vige o princípio da legalidade restrita e, desta feita, todas as normas jurídicas de proteção ao meio ambiente, sejam elas leis em sentido restrito ou em sentido amplo, estão aptas a regular as atividades efetiva ou potencialmente causadoras de impactos ambientais negativos.

A concepção de Direito e, por conseguinte, a de Estado de Direito nos diz que todas as normas jurídicas devem estar em conformidade com o Direito Positivo, com o ordenamento jurídico. Para Miguel Reale:

Direito significa, por conseguinte, tanto o ordenamento jurídico, ou seja, o sistema de normas ou regras jurídicas que traça aos homens determinadas formas de comportamento, conferindo-lhes possibilidades de agir, como o tipo de ciência que o estuda, a Ciência do Direito ou Jurisprudência. (REALE, 1999, pag. 62).

“Para Hans Kelsen o ordenamento jurídico é um complexo de normas jurídicas que se encontram escalonadas em graus de hierarquia sendo que o seu fundamento de validade é a norma fundamental”. (MARTINS, 2012, p. 19). Noberto Bobbio discorre acerca da teoria da construção escalonada do ordenamento jurídico escrita por Kelsen com a seguinte maestria:

Seu núcleo é que as normas de um ordenamento não estão todas no mesmo plano. Há normas superiores e normas inferiores. As inferiores dependem das superiores. Subindo das normas inferiores àquelas que se encontram mais acima, chega-se a uma norma suprema, que não depende de nenhuma outra norma superior, e sobre a qual repousa a unidade do ordenamento. Essa norma suprema é a norma fundamental. Essa norma fundamental que dá unidade a todas as outras normas, isto é, faz das normas espalhadas e de várias proveniências um conjunto unitário que pode ser chamado de ordenamento. (BOBBIO, 1982, p. 49).

Neste ponto, cabe frisar que o ordenamento jurídico não é tão somente constituído de normas proibitivas, mas, sobretudo, de normas estruturantes (instrumentais, secundárias, de segundo grau) e permissivas (de conduta, primárias, de primeiro grau).

Sobre as normas permissivas, as quais nos interessa no presente trabalho, vale citar Jonh Locke que disserta, “a lei é o instrumento que assegura a liberdade”. A lei, afirma Locke citado por Canotilho, “no seu verdadeiro conceito, não é tanto a limitação, mas sim o guia de um agente livre e inteligente, no seu próprio interesse.”(Locke apud CANOTILHO, 1997, p. 708). “A lei geral e abstracta (sic) é entendida já como a protceção (sic) da liberdade e a propriedade dos cidadãos ante o arbítrio do soberano.”(CANOTILHO, 1997, p.708). Discorrendo a respeito da questão em comento, leciona Miguel Reale:

A teoria Geral do Direito Contemporâneo, graças à investigação conjugadas de filósofos do Direito e jurisconsultos, tem procurador esclarecer o problema da norma jurídica, à luz da análise de suas categorias fundamentais, que depois se refletem nas diferentes espécies a serem examinadas.

A primeira distinção que se impõe é entre normas de organização e normas de condutas, a qual já nos referimos nas páginas anteriores. Na realidade, há regras de direito cujo objetivo imediato é disciplinar o comportamento dos indivíduos, ou as atividades dos grupos e entidades sociais em geral; enquanto que outras possuem um caráter instrumental, visando à estrutura e funcionamento de órgãos, ou a disciplina de processos técnicos de identificação e aplicação das normas, a fim de assegurar uma convivência juridicamente ordenada.

Surge desse fato, a tendência natural a considerar primárias as normas que enunciam as formas de ação ou comportamentos lícitos ou ilícitos; e secundárias as normas de natureza instrumental. (REALE, 1999, p. 97).

Assim, a lei não pode ser entendida tão somente como uma imposição obrigatória, posto que ela serve, também, de orientação do que se pode fazer, como fazer e até quando fazer.

A doutrina constitucionalista leciona que Estado de Direito não seria unicamente um Estado pautado na lei positivada, mas sim em um Estado Constitucional de Direito. “É um Estado em que o poder é limitado por uma Constituição escrita e rígida.”(FILHO, 1997, p. 18). Segundo Manoel Gonçalves Ferreira Filho (1997) Estado Constitucional de Direito seria aquele que é regido por leis formais que não violam os direitos fundamentais da pessoa humana previstos na Constituição. E os direitos fundamentais previstos na Carta Maior são aqueles postos pela vontade soberana do povo. Para Canotilho (1997) o Estado de Direito Democrático é uma ordem de domínio legitimada pelo povo.

Reza o artigo 1º, parágrafo único, da CRFB que “todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”. (BRASIL, 2012, p.23). Pablo Lucas Verdú, citado pelo professor Kildare Gonçalves Carvalho, discorre que democracia é “o regime político que institucionaliza a participação de todo o povo na organização e exercício do poder político, mediante a intercomunicação e o diálogo permanente entre governantes e governados, e o respeito dos direitos e liberdades fundamentais dentro de uma justa estrutura socioeconômica”. (VERDÚ apud CARVALHO, 2006, p.454).

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A concepção de Estado de Direito está historicamente vinculada ao liberalismo político e econômico. Corresponde à luta contra o monarca, seu poder absoluto e os privilégios medievais do clero, da nobreza e das corporações (CARVALHO, 2006, p.454). Assim, escreve Kildare Carvalho que:

“compõe-se a ideia de Estado de Direito, da limitação do arbítrio do poder político, da estabilidade jurídica dos direitos e garantias individuais, da submissão de todos (governantes e governados) à lei, concretizada no princípio da legalidade (art. 5, II, da Constituição), que se traduz no adágio “suporta a lei que fizeste”. Os valores fundamentais da pessoa humana são reconhecidos. A lei é o instrumento da justiça e da segurança. Um sistema de defesa dos cidadãos contra os atos administrativos ilegais propicia a responsabilidade da Administração, e um controle da constitucionalidade preserva a Constituição como norma originária, repositório dos valores liberais.”( CARVALHO, 2006, p. 455).

Canotilho (1997) discorre acerca da existência de um Estado de não Direito e de um Estado de Direito. Averbera que o Estado de não direito pode ser conceituado como sendo aquele que decreta leis arbitrárias, cruéis ou desumanas. Já o Estado de Direito, nas precisas lições do doutrinador português, “é o que se afigura como um Estado Constitucional, um Estado democrático, um Estado ambiental, é dizer, comprometido com a sustentabilidade ambiental, “está sujeito ao direito; atua através do direito, positiva normas jurídicas informadas pela ideia de direito.” (CANOTILHO apud CARVALHO, 2006, p.456).


5. DIREITO FUNDAMENTAL AO MEIO AMBIENTE ECOLOGICAMENTE EQUILIBRADO

Para Konrad Hesse, em uma visão restrita, direitos fundamentais seriam aqueles previstos na Carta Política (HESSE apud BONAVIDES, 2002, p.514). Carl Schimitt estabelece dois critérios formais de caracterização dos direitos fundamentais. O primeiro desses critérios seria o da descriminação dos referidos direitos no instrumento constitucional e o segundo seria o do grau de garantia ou de segurança em relação a sua alterabilidade. (SCHIMITT apud BONAVIDES, 2002, p.514). Em uma visão substancial, direito fundamental é o direito eleito pelo povo de cada Estado como um valor supremo que merece guarida constitucional. Assim, um Estado pode elencar como direitos fundamentais vários valores que, em outro Estado, não teriam o mesmo status protecional.

Conforme as lições do constitucionalista português, a prima facie, parece desnecessária a conceituação dos direitos fundamentais em relação a sua materialidade frente ao critério da fundamentalidade formal. Entretanto, conforme Canotilho continua a explainar,

só a ideia de fundamentalidade material pode fornecer suporte para: (1) a abertura da constituição a outros direitos, também fundamentais, mas não constitucionalizados, isto é, direitos materialmente mas não formalmente fundamentais (cfr. CRP, art. 16/1); (2) a aplicação a esses direitos só materialmente constitucionais de alguns aspectos do regime jurídico inerente a fundamentalidade formal; (3) a abertura de novos a novos direitos fundamentais. (CANOTILHO, 1997, p.377).

Os direitos fundamentais em sua acepção material ou substancial podem variar de Estado para Estado. Eles dizem respeito aos direitos que o povo elege como os mais sagrados e, por isso, variam de povo para povo. Nos dizeres de Letícia Junger de Castro Ribeiro Soares:

Não se pode negar a existência e reconhecimento de direitos humanos na esfera mundial, todavia, os valores eleitos como direitos fundamentais vão se alterar, dentro de cada sociedade. O que se vê é um esforço em propagar a proteção da dignidade humana por meio do reconhecimento e positivação de direitos eleitos como fundamentais em uma dada realidade. Entretanto, a significação de dignidade humana não possui uma uniformidade global, não sendo possível aplicá-la como uma fórmula matemática, pois ele é dependente da forma de vida em cada Estado. (SOARES, 2009, p.26).

Daí, Jorge Miranda, citado por Canotilho, falar em cláusula aberta ou em princípio da não tipicidade dos direitos fundamentais.(MIRANDA apud CANOTILHO, 1997, p.377).

Os direitos fundamentais estão intimamente ligados à dignidade da pessoa humana. Foi com o pensamento sofístico, a partir da natureza biológica comum dos homens, é que se aproximou da tese da igualdade natural e da ideia de humanidade, visto que, até então, pensadores como Aristóteles defendiam a condição natural de escravo “(aquele que por lei natural não pertence a si mesmo mas que não obstante ser homem pertence a outro, é naturalmente escravo)”. (CANOTILHO, 1997, p.379). Paulo Bonavides aduz que:

A vinculação essencial dos direitos fundamentais à liberdade e à dignidade humana, enquanto valores históricos e filosóficos, nos conduzirá sem óbices ao significado de universalidade inerente a esses direitos como ideal da pessoa humana. A universalidade se manifestou pela vez primeira, qual descoberta do racionalismo francês da Revolução, por ensejo da célere Declaração dos Direitos do Homem de 1789. (BONAVIDES, 2002, p.516).

A evolução dos direitos fundamentais pode ser dividida em 3 etapas ou gerações. Os direitos fundamentais de primeira geração podem ser entendidos como a garantia das liberdades individuais frente ao poder do Estado. Referidos direitos essenciais foram postos nas cartas constitucionais com o escopo de se garantir as liberdades individuais da pessoa humana, como resquício de um Estado gerido pelo monarca, como por exemplo, a vida, a liberdade e a propriedade. Entretanto, nos dizeres abalizados de Letícia Junger de Castro:

Diante dos graves problemas deixados pela Revolução Industrial (explosão demográfica, crescimento das cidades, grande concentração de fábricas, dentre outros), agravados com a necessidade de assistência ao herói da Guerra ou aos seus familiares, principalmente na Europa, já não era possível manter a abstenção do Estado, que deveria remediar a situação de miserabilidade que se espalhava intervindo na esfera social e econômica. (CASTRO, 2009, p. 21).

Surge assim os direitos de segunda geração que possuem o escopo de garantir ao cidadão os direitos sociais mínimos a sua existência digna. Neste sentido, o Estado atuaria no interesse do indivíduo. É o que Jellinek denomina de status positivus.

A partir do reconhecimento dos direitos de segunda geração, verifica-se uma natural dificuldade de se distinguir o individual do coletivo. O ordenamento constitucional passa a tratar também de direitos que não somente interessam ao homem como indivíduo, como também ao homem como parte de uma sociedade.

Surgem os direitos de terceira geração que possuem conteúdo difuso ou transindividual. O pós-guerra e o desenvolvimento das economias emergentes fazem os chefes de Estados perceberem que os homens são parte de uma sociedade não só regional, como também, global. Nos dizeres de Paulo José Leite Farias:

Os direitos fundamentais da terceira dimensão centram-se no fato de os homens estarem ligados entre si. A figura do homem-indivíduo fica em segundo plano ressaltando-se a humanidade (homens vistos como um todo), razão por que são conhecidos como direitos de fraternidade, solidariedade ou direitos de titularidade difusa ou coletiva. (FARIAS, 2008, texto retirado da internet).

Referido doutrinador (2008) segue discorrendo que a doutrina qualifica-os como direitos dos povos e que essa classe de direitos possui como destinatário o gênero humano e lhe garante o direito ao meio ambiente, o direito ao desenvolvimento, o direito à autodeterminação, o direito à participação no patrimônio da humanidade.

Há que ressaltar ainda que os direitos de terceira geração não visam proteger direitos patrimoniais, mas sim a humanidade, diferentemente dos direitos de primeira e segunda geração. Os direitos de terceira geração visão a união dos povos, seja através do reconhecimento do direito universal do homem sobre os patrimônios naturais da humanidade, seja através do reconhecimento do direito ao desenvolvimento dos países emergentes ou através do reconhecimento do meio ambiente ecologicamente equilibrado como direito fundamental da humanidade.

A partir da década de 1960 o homem se conscientiza que os recursos naturais estão se esgotando devido ao acelerado consumismo e, por conseguinte, ao acelerado processo de industrialização. Em 1972 realiza-se a Conferência de Estocolmo e vinte anos depois a Rio 92. Vários tratados internacionais são assinados e o Direito Internacional do Meio Ambiente ganha força, vez que os danos ambientais devem ser tratados de maneira global, pois os efeitos da poluição não conhecem fronteiras. O desmatamento na Amazônia, à guisa de exemplo, reflete diretamente nos Estados Unidos da América. É necessária a visão de que, nos dizeres de José Adércio Leite Sampaio (2003), somos homogalaktes (irmãos de leite). Todos habitamos a mesma casa e dependemos da mãe natureza.

E é por conta da conscientização global acerca da necessidade de se proteger e defender o meio ambiente ecologicamente equilibrado que o Constituinte Originário de 1988 fez constar, no corpo da Carta Republicana, os princípios internacionais de Direito Ambiental.

O artigo 225, caput, da CRFB2 positivou os princípios do direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, do desenvolvimento sustentável, da solidariedade e da equidade intergeracional.

Por sua vez, o §3º do citado artigo3 dispõe sobre o princípio da reparação integral do dano, que para a maior parte da doutrina, denomina-se princípio da responsabilidade objetiva. Conforme discorri em tópico anterior, ao meu sentir, neste parágrafo está prevista a reparação integral do dano ambiental, visto que a indigitada norma afirma que “as condutas e atividades lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar o dano.”(BRASIL, 2012, p.88, grifo nosso). Ao meu ver, aqui reside o fundamento constitucional da responsabilidade objetiva, bem como da teoria do risco integral.

Vale lembrar que a positivação dos princípios do Direito Ambiental na Carta Política do Brasil faz com que estes ganhem um maior status, e deste modo, que irradiem por toda a Constituição. Não é por outro motivo que a defesa do meio ambiente limita até mesmo a atividade econômica, conforme se afere pelo conteúdo do artigo 170, VI, da CRFB. Referido dispositivo aduz que “a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observado o princípio da defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação.”(BRASIL, 2012. p.77, grifo nosso).

Podemos até mesmo afirmar que o Brasil constitui-se em um Estado Ambiental de Direito, pois a preservação do meio ambiente ecologicamente equilibrado rege e condiciona o exercício de muitos direitos historicamente incondicionados, como por exemplo, a propriedade (art. 182, §2º e art. 186, II, ambos da CRFB)4.

A primeira vista, poderíamos concluir que o direito ao meio ambiente hígido não é um dos direitos fundamentais da pessoa humana, visto que não está previsto no título II da CRFB (dos direitos e garantias fundamentais). Todavia, conforme mencionado acima, os direitos fundamentais em sua concepção material ou substancial, podem não estar previstos em um capítulo assim intitulado, vez que, em sede de conceituação dos direitos fundamentais, pode se asseverar sobre a cláusula aberta ou princípio da não tipicidade dos mesmos, de acordo com Jorge Miranda. (MIRANDA apud CANOTILHO, 1997, p.377).

E essa assertiva acerca da aplicação do princípio da não tipicidade dos direitos fundamentais pode ser confirmada de acordo com o conteúdo do artigo 5º, §2º, da Constituição da República Federativa do Brasil. (SOARES, 2009, p.28). Referido dispositivo aduz que “os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.”(BRASIL, 2012, p.28).

O Constituinte de 1988 afirmou que a dignidade da pessoa humana é um dos fundamentos da República Federativa do Brasil (art.1º,III, da CRFB). Assim, podemos concluir que a proteção e defesa do meio ambiente ecologicamente equilibrado nada mais é do que um dos instrumentos para efetivação do indigitado princípio ou, até mesmo, o mais importante dos instrumentos, revelando, assim, o seu caráter fundamental.

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Sobre o autor
Sérgio Henrique Marques Clis

Possui graduação em Direito pelo Centro Universitário de Belo Horizonte (2005). Possui especialização em Direito Privado pelo Centro Universitário Metodista Isabela Hendrix (2007). É especialista em Direito Administrativo pela Universidade Cândido Mendes (2016). Possui especialização em Direito Penal e Processual Penal pela Universidade Cândido Mendes (2016). É especialista em Direito Ambiental pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (2012). Possui especialização em Ciências Penais pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (2015). Atualmente é assessor jurídico do Ministério Público do Estado de Minas Gerais, com atuação na 2ª Promotoria de Justiça da Comarca de Lagoa Santa/MG, onde atua desde o ano de 2010. Elabora minutas de iniciais, impugnações à contestações, memorias finais e recursos ao Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais nas ações civis públicas referentes à improbidade administrativa, à proteção do meio ambiente e à defesa do consumidor. Confecciona ainda, minutas de denúncias, memorias finais e recursos criminais ao Tribunal de Justiça Estadual.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CLIS, Sérgio Henrique Marques. A teoria do risco integral e o exercício regular do direito.: Análise da Deliberação Normativa 96/2006 do Conselho de Política Ambiental do Estado de Minas Gerais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4830, 21 set. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/52062. Acesso em: 26 abr. 2024.

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