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A teoria do risco integral e o exercício regular do direito.

Análise da Deliberação Normativa 96/2006 do Conselho de Política Ambiental do Estado de Minas Gerais

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21/09/2016 às 13:42

Resumo:


  • Atividades que operam conforme legislação ambiental, mas causam danos ao meio ambiente, não estão isentas de responsabilidade pelo exercício regular do direito, devendo haver reparação integral do dano ambiental.

  • O princípio do meio ambiente ecologicamente equilibrado, elevado a fundamental pela Constituição, prevalece sobre outros princípios, como o da segurança jurídica, devendo ser analisado caso a caso.

  • Legitimados para a defesa do meio ambiente podem ajuizar ações civis públicas e ações diretas de inconstitucionalidade contra normativas que permitam danos ambientais, buscando a responsabilização das concessionárias de tratamento de esgotos e a declaração de inconstitucionalidade de tais normas.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

7. RESOLUÇÃO DO CONFLITO ENTRE PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS

Sem querer tecer maiores considerações acerca do assunto aqui tratado, está seção tem o intuito de discorrer, de forma bem concisa, sobre o critério de resolução de conflitos entre princípios, vez que o pós-positivismo é marcado pelo embate de princípios que norteiam a atuação do exegeta do Direito.

Os princípios “são enunciados deônticos que sedimentam e cristalizam valores e políticas no ordenamento jurídico.”(SAMPAIO; WOLD; NARDY, 2003, p.45). Segundo Lalande, “chamam-se princípios, dizem os filósofos, o conjunto de proposições diretivas às quais todo o desenvolvimento ulterior se subordina”.(LALANDE apud BONAVIDES, 2002, p.240). Os princípios por possuírem conteúdo mais aberto e por carregarem valores primordiais se constituem em alicerce para todo o ordenamento jurídico. Boulanger assevera que:

Uma vez afirmados e aplicados na jurisprudência, os princípios são os materiais graças ao quais pode a doutrina edificar, com segurança, construções jurídicas. No sentido de que nós entendemos o termo, que não peca por excesso de previsão, as construções jurídicas têm os princípios por armadura (...). Os princípios existem, ainda que não se exprimam ou não se reflitam em textos de lei. Mas a jurisprudência se limita a declará-los; Ela não os cria. O enunciado de um princípio não escrito é a manifestação do espírito de uma legislação.”(BOULANGER apud BONAVIDES, 2002, p.240).

Esser acentua que “o princípio atua normativamente; é parte jurídica e dogmática do sistema de normas, é ponto de partida (starting point) que se abre ao desdobramento judicial de um problema.”(ESSER apud BONAVIDES, 2002, p.243). Referido desdobramento a que se refere o doutrinador suso é o de se saber se os princípios são normas jurídicas.

Alexy, expoente máximo da nova hermenêutica, estabeleceu a distinção entre regras e princípios classificando-os, assim como o fez Dworkin, como espécies do gênero norma. Alexy, citado por Bonavides, leciona que “os princípios são normas dotadas de alto grau de generalidade relativa, ao passo que as regras, sendo também normas, têm, contudo, grau relativamente baixo de abstração.”(ALEXY apud BONAVIDES, 2002, p.249). Todavia, Alexy averbera que entre princípios e regras não impera tão somente um distinção de grau de abstração, mas também uma distinção de qualidade. Para o insigne filósofo alemão, “os princípios “são mandamentos de otimização”.(ALEXY apud BONAVIDES, 2002, p.250).

A distinção de qualidade a que se refere Alexy diz respeito ao modo como ambas espécies normativas se comportam quando há uma colisão. Em caso de colisão entre regras, deverá haver uma regra de exceção ou uma delas será declarada nula. Com os princípios não há que se falar em nulidade, visto que se dois princípios entrarem em colisão um deles irá recuar, permitindo, assim, a aplicação do outro. Segundo Bonavides (2002), para Alexy os princípios são, no caso concreto, dotados de pesos (valores) diferentes, sendo que o princípio de maior peso deve prevalecer. Já o conflito de regras é solucionado pelo critério da validade.

Assim nasce a jurisprudência dos valores que busca dar efetividade aos princípios estejam eles positivados na Constituição ou não. O interprete da lei deve buscar, no caso em concreto, qual princípio deve prevalecer, não significando que o princípio que recuar não possa prevalecer em outras ocasiões.


8. CONCLUSÃO

Conforme dito alhures, a Deliberação Normativa 96/2006 do Conselho de Política Ambiental do Estado de Minas Gerais convocou os municípios mineiros a implantarem sistema de tratamento de esgotos. Todavia, o artigo 2º da indigitada DN prevê que “todos os municípios convocados por essa Deliberação Normativa do Estado de Minas Gerais devem implantar sistema de tratamento de esgotos com eficiência mínima de 60% e que atendam no mínimo 80% da população urbana.”(MINAS GERAIS, 2012).

Caso se verifique a alteração adversa do meio ambiente ecologicamente equilibrado devido ao lançamento de esgoto nos cursos d’água e rios do Estado de Minas Gerais ineficientemente tratados (60% de eficiência), os legitimados para a propositura de ação civil pública em defesa do meio ambiente deverão ingressar com a referida ação tendo como pedido principal a reparação integral do dano.

Os legitimados acima referidos deverão arguir um incidente de inconstitucionalidade em sua peça inicial que será decidido pelo magistrado como questão prejudicial ao provimento do pedido de reparação dos danos ambientais.

Comprovado o dano estará configurada a afronta ao texto literal do artigo 225 da Constituição Federal que é a transcrição do princípio do meio ambiente ecologicamente equilibrado na Magna Carta. Assim, o magistrado ou tribunal, respeitada a cláusula da reserva de plenário, deverá declarar a inconstitucionalidade do artigo 2º da DN 96/2006 do COPAM e, portanto, a sua nulidade via controle difuso ou por via de exceção, que terá efeitos inter partes e ex tunc, desamparando as condutas das concessionárias de tratamento de esgoto que fizerem o mencionado lançamento de efluentes ineficientemente tratados.

Conforme dito em outra seção deste trabalho, estando o ordenamento jurídico organizado de forma escalonada, a norma jurídica infralegal que estiver em contradição com a Constituição é uma norma nula, não havendo que se cogitar sobre exercício regular de direito, visto que não há direito contra o Direito.

Confirma-se, portanto, a teoria do risco integral e a inexistência de causa de exclusão de responsabilidade por dano ambiental, visto que toda lesão ao equilíbrio ecológico deverá ser reparado integralmente.

Da mesma forma, no exercício do controle concentrado de constitucionalidade via ADI, o Supremo Tribunal Federal e o Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais deverão, cada qual em seu âmbito de jurisdição, declarar a nulidade do artigo 2º da Deliberação Normativa 96/2006 do COPAM com efeitos erga omnes e ex tunc, desamparando a já referida conduta das concessionárias, não sendo admissível a modulação dos efeitos da decisão (ex nunc ou pro futuro), vez que o tribunal deverá exercer a jurisprudência de valores privilegiando, deste modo, o princípio do meio ambiente ecologicamente equilibrado em face do princípio da segurança jurídica, vez que aquele é instrumento hábil e necessário para o resguardo do princípio da dignidade humana.

Confirma-se, mais uma vez, a teoria do risco integral e a inexistência de excludente de responsabilidade por dano ambiental, em especial a inexistência da excludente do exercício regular do direito.


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Notas

2 Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial a sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preserva-lo para as presentes e futuras gerações.

3 §3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.

4 Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme as diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes.

§2º A propriedade urbana cumpres a sua função social quando atende às exigências fundementais de ordenação da cidade expressas no plano diretor.

Art. 186. A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos:

II – utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente;

5 Art. 97. Somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público.

6 Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob o regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos.

7 Art. 59. O processo legislativo compreende a elaboração de:

I – emendas à Constituição;II - Leis complementares;III – leis ordinárias;IV – leis delegadas;V – medidas; provisórias;VI – decretos legislativos;VII – resoluções;

8 Art. 27. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado.

9 Art. 52.Compete privativamente ao Senado Federal:

X – suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal;

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Sobre o autor
Sérgio Henrique Marques Clis

Possui graduação em Direito pelo Centro Universitário de Belo Horizonte (2005). Possui especialização em Direito Privado pelo Centro Universitário Metodista Isabela Hendrix (2007). É especialista em Direito Administrativo pela Universidade Cândido Mendes (2016). Possui especialização em Direito Penal e Processual Penal pela Universidade Cândido Mendes (2016). É especialista em Direito Ambiental pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (2012). Possui especialização em Ciências Penais pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (2015). Atualmente é assessor jurídico do Ministério Público do Estado de Minas Gerais, com atuação na 2ª Promotoria de Justiça da Comarca de Lagoa Santa/MG, onde atua desde o ano de 2010. Elabora minutas de iniciais, impugnações à contestações, memorias finais e recursos ao Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais nas ações civis públicas referentes à improbidade administrativa, à proteção do meio ambiente e à defesa do consumidor. Confecciona ainda, minutas de denúncias, memorias finais e recursos criminais ao Tribunal de Justiça Estadual.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CLIS, Sérgio Henrique Marques. A teoria do risco integral e o exercício regular do direito.: Análise da Deliberação Normativa 96/2006 do Conselho de Política Ambiental do Estado de Minas Gerais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4830, 21 set. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/52062. Acesso em: 22 dez. 2024.

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