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A teoria do risco integral e o exercício regular do direito.

Análise da Deliberação Normativa 96/2006 do Conselho de Política Ambiental do Estado de Minas Gerais

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21/09/2016 às 13:42
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Ainda que determinada atividade ou empreendimento opere de acordo com a legislação ambiental, ela não gozará da excludente da responsabilidade pelo exercício regular do direito, vez que o meio ambiente hígido foi alçado pelo poder constituinte originário como principio fundamental e, desta forma, deve sempre haver a reparação integral do dano ambiental.

Resumo: O presente trabalho procura demonstrar ao seu leitor através do método dedutivo que ainda que determinada atividade ou empreendimento opere de acordo com a legislação ambiental, ela não gozará da excludente da responsabilidade pelo exercício regular do direito, vez que o meio ambiente hígido foi alçado pelo Poder Constituinte Originário como principio fundamental e, desta forma, deve sempre haver a reparação integral do dano ambiental. O indigitado princípio goza de prevalência sobre vários outros princípios, à guisa de exemplo, sobre o princípio da segurança jurídica, o que deverá ser analisado caso a caso. Os legitimados à propositura de ações civis públicas para a defesa do meio ambiente deverão ajuizar estas ações requerendo incidentalmente a inconstitucionalidade do artigo 2º da Deliberação Normativa 96/2006 do Conselho de Política Ambiental do Estado de Minas Gerais. Os legitimados ao ajuizamento de ação direta de inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal e no Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais poderão buscar a declaração de inconstitucionalidade da DN 96/2006 do COPAM, em tese, que possuirá efeitos erga omnes declarando a nulidade da norma e desconstituindo todos os efeitos anteriores a esta declaração. Buscar-se-á a responsabilidade das concessionárias de tratamento de esgotos pelo dano ambiental apurado em cada caso concreto afirmando a inaplicabilidade da excludente de responsabilidade do exercício regular do direito frente à teoria do risco integral. Em que pese a atividade de lançamento de esgotos nos cursos d’água do Estado de Minas Gerais ineficientemente tratados (eficiência de 60%) estarem amparados pelo artigo 2º da Deliberação Normativa 96/2006 do Conselho de Política Ambiental do Estado, as concessionárias responsáveis por estes lançamentos deverão arcar com a recuperação integral dos danos que vierem a ocorrer, evitando-se assim a privatização dos lucros e a socialização dos prejuízos ambientais.

Palavras-chave: : Dano ambiental. Teoria do risco integral. Exercício regular do direito.

Sumário: 1. Introdução. 2. Dano ambiental e a DN 96/2006 do COPAM. 3. Responsabilidade civil por danos ambientais. 3.1. Responsabilidade por dano ambiental. 3.2. Excludentes de responsabilidade por danos ambientais. 4. Conceito de lei, princípio da legalidade e estado democrático de direito. 5. O direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. 6. Controle brasileiro de constitucionalidade. 6.1. Controle difuso ou incidental de constitucionalidade. 6.2. Controle concentrado ou abstrato de constitucionalidade via ação direta de inconstitucionalidade. 6.3. Efeitos da sentença no controle difuso e no controle concentrado via ação direta de inconstitucionalidade. 6.3.1. Efeitos da sentença no controle difuso. 6.3.2. Efeitos da sentença no controle concentrado via ação direta de inconstitucionalidade. 6.4. Controle concentrado de constitucionalidade de leis estaduais e municipais perante o Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais. 6.5. Do controle difuso de constitucionalidade via ação civil pública. 7. Resolução do conflito entre princípios constitucionais. 8. Conclusão.


1. INTRODUÇÃO

A responsabilidade civil por danos causados ao meio ambiente ecologicamente equilibrado é regida, segundo a doutrina majoritária, pela teoria do risco objetivo. Para a abalizada doutrina nacional, o poluidor direto ou indireto responde pelos danos causados ao meio ambiente hígido independente de ter agido com culpa (negligência, imperícia ou imprudência).

“O abandono da teoria fundada na culpa deve-se à revolução industrial. O estado moderno, diante das repercussões da industrialização, fez algumas opções políticas, visando mitigar-lhes os efeitos sociais.”(ANTUNES, 2011, p. 251).

Contudo, a teoria do risco integral vai mais além, abolindo não só a teoria da culpa subjetiva, como também a existência de qualquer excludente de responsabilidade que possa vir a afrontar o meio ambiente ecologicamente equilibrado. Édis Milaré discorre que:

A adoção da teoria do risco da atividade, da qual decorre a responsabilidade objetiva, traz como consequências principais para que haja o dever de indenizar: a) a prescindibilidade de investigação da culpa; b) a irrelevância da licitude da atividade; c) a inaplicação das causas de exclusão da responsabilidade civil (MILARÉ, 2007, p.904).

Nesta senda, não há que se cogitar acerca das excludentes de caso fortuito, força maior e culpa exclusiva de terceiro. Sergio Cavaliere Filho assevera que se trata “de uma modalidade extremada da doutrina do risco para justificar o dever de indenizar mesmo nos casos de culpa exclusiva da vítima, fato de terceiro, caso fortuito ou força maior.”(FILHO, 2004, 240). Sobre a irrelevância da licitude da atividade, discorre Milaré:

Além da prescindibilidade da culpa, uma segunda consequência da adoção da responsabilidade objetiva sob a modalidade do risco integral consiste na irrelevância da licitude da atividade. Tão somente a lesividade é suficiente à responsabilização do poluidor. (MILARÉ, 2007, p.904).

Todavia, necessário saber qual o fundamento do referido entendimento, vez que, em alguns casos, poderíamos nos deparar com uma atividade conforme a lei e que, a prima facie, constituiria exercício regular do direito, cujo efeito seria a irresponsabilidade por danos ambientais.

Neste ponto, temos que destacar duas situações distintas. A primeira situação consistiria em uma atividade licenciada ou permitida, sem a devida observância da legislação ambiental, que viesse a causar dano à natureza. A segunda consistiria em uma atividade exercida em estrita obediência as normas jurídicas de proteção ao meio ambiente, mas que, ainda assim, viesse a causar danos ao meio ambiente hígido.

E é nesta seara que reside a problemática do presente trabalho, uma vez que pretende abordar a responsabilidade decorrente de danos ambientais causados devido a observância da DN 96/2006 do Conselho de Política Ambiental. A referida deliberação estabeleceu prazos para a implantação de sistemas de tratamento de esgotos que, após o devido tratamento, serão lançados nos cursos d’água do Estado de Minas Gerais. Entretanto, o artigo 2º, da indigitada DN, aduz que “todos os municípios convocados por essa Deliberação Normativa do Estado de Minas Gerais devem implantar sistemas de tratamento de esgotos com eficiência mínima de 60% e que atendam no mínimo 80% da população urbana.”(MINAS GERAIS, 2012).

Dessa forma, pretende-se demonstrar que, em sede de dano ambiental, não há que se falar em exercício regular de direito ou excludentes de responsabilidade quando os danos advierem dos lançamentos de esgotos nos cursos dos rios do Estado de Minas Gerais tratados ineficientemente (eficiência de 60%).

O presente trabalho defende a teoria do risco integral por danos causados ao meio ambiente não admitindo mitigação pelo exercício regular do direito, nem mesmo pela alegação de excludente de responsabilidade pelos danos ambientais que vierem a ocorrer devido ao lançamento de esgotos, sem o devido tratamento, nos cursos d’água do Estado de Minas.

Serão trabalhados argumentos sólidos o bastante para que, em futuro próximo, os legitimados à ação civil pública em defesa do meio ambiente possam embasar suas argumentações e atuações, visto que várias ponderações acerca da licitude do derrame de esgoto ineficientemente tratado nos cursos d’água chegarão ao judiciário com fundamento no mencionado art. 2º da DN 96/2006 do COPAM.

Vale frisar que a DN 96 do COPAM data do ano de 2006 e que as licenças de operação, previstas em seu texto, para o funcionamento das estações de tratamento de esgotos podiam ser formalizadas até o ano de 2010. Nesta esteira, fica demonstrada a atualidade do objeto tratado neste trabalho científico, levando-se em conta que sequer existem decisões do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais sobre a matéria.

Para os fins pretendidos no presente trabalho, buscar-se-á conceituar o dano ao meio ambiente stristo sensu e a correlação existente entre a edição da DN 96 do COPAM e futuros danos ao equilíbrio ecológico. Buscar-se-á conceituar a responsabilidade objetiva, a teoria do risco integral e apresentar o fundamento de ambos os institutos. Dissertar-se-á sobre as excludentes de responsabilidade admitidas em Direito, sobre o conceito de lei em sentido amplo e em sentido restrito, sobre o princípio da legalidade e o princípio do Estado Democrático de Direito. Discorrer-se-á acerca do princípio do meio ambiente ecologicamente equilibrado e, por fim, se será feita uma análise do controle brasileiro de constitucionalidade nos pontos em que tocam com o objeto do presente trabalho científico, bem como se discorrerá de forma bem concisa, sobre a resolução dos conflitos entre os princípios constitucionais.

A escolha do presente trabalho se deve à edição da DN 96 do COPAM no ano de 2006 que convoca e prevê prazos para que os municípios mineiros implantem sistema de tratamento de esgotos com o desiderato de evitar “a degradação da qualidade das águas prejudicando usos à jusante, possibilitando a proliferação de doenças de veiculação hídrica e provocando a geração de maus odores,”(MINAS GERAIS, 2012), mas que, contudo, previu, em seu artigo 2º, a possibilidade do despejo de efluentes com tratamento de tão somente 60% de eficiência nos cursos d’água, o que certamente, virá a causar graves danos ambientais.

Com arrimo na indigitada norma, os poluidores alegarão a excludente de responsabilidade aduzindo sua atuação conforme a lei ambiental do Estado de Minas Gerais, o que dará azo a inúmeras discussões perante os órgãos do judiciário de primeira instância, bem como poderá ensejar o ajuizamento de ações diretas de inconstitucionalidade genérica no Supremo Tribunal Federal ou no Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais.


2. DANO AMBIENTAL E A DN 96/2006 DO COPAM

A doutrina nacional conceitua dano ambiental como sendo a alteração adversa das características do meio ambiente, em que pese a Constituição não ter elaborado uma noção técnico-jurídica de meio ambiente. Édis Milaré (2005) leciona que se o conceito de meio ambiente é demasiadamente aberto, também o será o conceito de dano ambiental.

Entretanto, ao menos para fins didáticos, podemos conceituar o dano ambiental como sendo “a lesão aos recursos ambientais, com consequente degradação – alteração adversa ou in pejus – do equilíbrio ecológico e da qualidade de vida.” (MILARÉ, 2005, p. 810). Paccagnela, citado por Mello Chermont, aduz que “dano ecológico é qualquer alteração adversa no equilíbrio ecológico do meio ambiente.” (PACCAGNELA apud CHERMONT, 2003, p. 32).

Observa-se que os doutrinadores citados acima tomam por base o conceito de degradação ambiental descrito no artigo 3º, inciso II, da Lei Federal 6.938/81. Referido dispositivo legal averbera que “para os fins previstos nesta Lei, entende-se por degradação da qualidade ambiental, a alteração adversa das características do meio ambiente.” (BRASIL, 2012, p. 1369).

Nesta senda, tem-se um conceito abstrato de dano ambiental que se amolda perfeitamente aos fins a que se destina o Direito Ambiental, visto que está ideia de dano ambiental também englobaria as condutas de degradação ambiental qualificadas pelo resultado. A degradação ambiental qualificada pelo resultado está prevista no artigo 3º, inciso III, da Lei Federal 6.938/81 como poluição. O conceito legal de poluição pode ser narrado como sendo “a degradação da qualidade ambiental resultante da atividade que direta ou indiretamente prejudique a saúde, a segurança ou bem estar da população, que crie condições adversas às atividades sociais e econômicas, que afete desfavoralmente a biota, as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente, ou que lancem matérias ou energias em desacordo com padrões ambientais estabelecidos.” (BRASIL, 2012, p. 1369).

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Toda atividade humana causa alterações no meio ambiente, contudo, o dano ambiental não pode ser conceituado como sendo aquela atividade tolerada, mas sim aquela que ultrapassa os limites sociais do tolerável. Para o Direito somente interessariam as alterações significativas que teriam reflexos negativos acima dos padrões de suportabilidade. (MILARÉ, 2005). Segundo Fabio Dutra Lucarelli:

a gravidade consiste na transposição daquele limite máximo de absorção de agressões que possuem os seres humanos e os elementos naturais. Além disso, deve ser periódico, não bastando a eventual emissão poluidora. Mas essa periodicidade não é aquela noção que normalmente possuímos, de que deve ser verificado durante algum lapso temporal. Aqui ela consiste, precisamente, na necessidade que haja tempo suficiente para a produção de um dano substancial e grave, não se verificando, por exemplo, no caso de odores momentâneos. (LUCARELLI apud FREIRE, 2000, p. 155).

Vale ressaltar que a alteração adversa que se quer proibir não é somente a dos recursos naturais, mas a dos recursos ambientais. Os recursos ambientais envolvem também os recursos da biosfera (MILARÉ, 2005), dentre outros, conforme preceitua o artigo 3º, inciso V, da Lei da Política Nacional do Meio Ambiente.

As águas interiores, superficiais e subterrâneas encontram-se elencadas entre os recursos ambientais enumerados no citado artigo 3º, inciso V, da Lei da Política Nacional do Meio Ambiente. Assim, o derrame de esgoto tratado ineficazmente (eficiência de 60%) conforme estabelece o artigo 2º da DN 96/2006 do COPAM pode vir a causar dano ambiental se o curso d’água receptor não tiver a necessária capacidade de absorção.

A referida deliberação estabeleceu prazos para a implantação de sistemas de tratamento de esgotos que, após o devido tratamento, serão lançados nos cursos d’água do Estado de Minas Gerais. Entretanto, o artigo 2º, da indigitada DN, aduz que “todos os municípios convocados por essa Deliberação Normativa do Estado de Minas Gerais devem implantar sistemas de tratamento de esgotos com eficiência mínima de 60% e que atendam no mínimo 80% da população urbana.”(MINAS GERAIS, 2012).

Havendo a alteração adversa dos recursos ambientais (rios e cursos d’água), a responsabilidade por danos ao meio ambiente é medida de justiça até mesmo intergeracional.

O dano ambiental que se quer evitar tem a ver também com o conceito de meio ambiente artificial e cultural, todavia, para o propósito que se destina o presente trabalho nos interessa tão somente a alteração adversa do meio ambiente strito sensu.


3. RESPONSABILIDADE CIVIL POR DANOS AMBIENTAIS

Dispõe o artigo 225, §3º, da Constituição Federal que “as condutas e atividades lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados” (BRASIL, 2012, p. 88, grifo nosso). Entrementes, somente nos interessa a responsabilidade civil devido à proposta do presente trabalho científico.

Conforme é cediço, a responsabilidade extracontratual no direito comum é regida pela teoria da culpa ou dolo do agente. Como bem assevera Édis Milare (2005), a responsabilização pela prática de atos ilícitos decorre da culpa em sentido lato (dolo) e da culpa em sentido estrito (inobservância do dever de cuidado). Nos dizeres de Paulo de Bessa Antunes, “para que a culpa possa ser imputada a alguém, é necessário que o seu ato, o ato danoso a outrem, o ato lesivo, tenha sido praticado sem que tenham sido tomados os necessários cuidados para evitá-los.” (ANTUNES, 2011, p. 250).

Entretanto, a revolução industrial traz a ideia da teoria do risco, pois não mais é possível se discutir a culpa em relação às atividades desenvolvidas em grande escala. Segundo Bessa Antunes, “o abandono da teoria fundada na culpa deve-se à revolução industrial. O estado moderno, diante das repercussões da industrialização, fez algumas opções políticas, visando mitigar-lhes os efeitos sociais.”(ANTUNES, 2011, p. 251).

3.1. Responsabilidade por dano ambiental

O ordenamento jurídico brasileiro se socorre de uma regra geral de responsabilidade objetiva, prevista no artigo 927, parágrafo único, do Código Civil, mas para fins de reparação do dano ambiental contamos com regra específica prevista no artigo 14, §1º, da Lei Federal 6.938/81 (Lei Nacional de Política Ambiental). Discorre esta norma que, “sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade...” (BRASIL, 2012, p. 1371, grifo nosso).

Édis Milaré traz escorreita lição no sentido de que, “segundo a ótica objetivista, para tornar efetiva a responsabilização, basta a ocorrência da prova do dano e do vínculo causal deste com o desenvolvimento – ou mesmo a mera existência – de uma determinada atividade humana.”(MILARÉ, 2005, p. 897). Nos dizeres abalizados de Paulo Affonso Leme Machado:

Não se aprecia subjetivamente a conduta do poluidor, mas a ocorrência do resultado prejudicial ao homem e seu ambiente. A atividade poluente acaba sendo uma apropriação pelo poluidor dos direitos de outrem, pois na realidade a emissão de poluente representa um confisco do direito de alguém em respirar ar puro, beber água saudável e viver com tranquilidade (MACHADO, 1996, p.250).

Acerca da teoria objetiva da responsabilidade por dano ao meio ambiente, assevera William Freire que:

Na aplicação da teoria da responsabilidade objetiva não se cogita do elemento “culpa”. O indivíduo que ao criar sua atividade, cria junto riscos para terceiros, fica obrigado a reparar qualquer dano àqueles causado, ainda que sua atividade e sua atitude estejam isentas de culpa. Basta demonstração do dano e do nexo causal (FREIRE, 2000, p. 152).

Deve-se levar em conta, ainda, que a responsabilidade objetiva foi desenvolvida devido ao interesse público marcante (FERRAZ apud BARACHO JR, 2000, p. 319).

A responsabilidade objetiva encontra amparo, também, na teoria do risco integral. Segundo Leane Mello Chermont “a teoria do risco integral é a mais rigorosa corrente pautada na teoria do risco, a simples constatação do dano exige a obrigação de reparação, não sendo admitidas as excludentes do caso fortuito, da força maior ou da culpa exclusiva da vítima” (CHERMONT, 2003, p. 35).

Conforme preconiza Chermont, “Ferraz antes mesmo da edição da Lei 6.938/81, foi ardoroso defensor da teoria do risco integral, propugnando que em matéria de dano ambiental devem ser responsabilizados todos aqueles que de alguma maneira foram responsáveis pelo prejuízo causado à coletividade” (CHERMONT, 2003, p. 39).

E não podia ser diferente, pois se assim fosse, a maior parte dos danos ambientais não seriam passíveis de recuperação por parte do empreendedor da atividade danosa. Imagine-se a hipótese de um descarrilamento de vagões repletos de combustível que fosse causado por uma colisão com um carro que estivesse parado nos trilhos e que, dessa forma, viesse a contaminar o rio que abastece uma cidade. Da mesma forma, podemos vislumbrar a hipótese de um vazamento de petróleo na camada do pré-sal que ocorresse devido a uma tsunami sem precedentes (imprevisível) que rompesse com os ductos condutores do petróleo. Nos dizeres de Mancuso, citado por José Afonso da Silva:

“Em tema de interesses difusos, o que conta é o dano produzido e a necessidade de uma integral reparação: se a cobertura vegetal das montanhas de Cubatão ficou danificada, as industrias poluentes desse local devem arcar com a responsabilidade pela reposição do status quo ante a par da instalação de equipamentos que neutralizem a emissão dos resíduos tóxicos” (MANCUSO apud SILVA, 2010, p. 316).

Cavalieri Filho, citado por Betina Günther Silva, disserta que:

Extrai-se do Texto Constitucional e do sentido teleológico da Lei de Política Nacional do Meio Ambiente (Lei n 6938/81) que essa responsabilidade é fundada no risco integral, conforme sustentado por Nélson Nery Jr. (Justitia 126/75). Se fosse possível invocar o caso fortuito, ou a força maior como causas excludentes da responsabilidade civil por dano ecológico, ficaria fora da incidência da lei, a maior parte dos casos de poluição ambiental, como a destruição da fauna e da flora causada por carga tóxica de navios avariados em tempestades marítimas; rompimento de oleoduto em circunstâncias absolutamente imprevisíveis, poluindo lagoas, baías, praias e mar; contaminação de estradas e rios, atingindo vários municípios, provocada por acidentes imponderáveis de grandes veículos transportadores de material poluente e assim por diante” (FILHO apud SILVA, 2008, p. 112).

Sérgio Ferraz indica as cinco consequências da adoção da responsabilidade objetiva:

a)irrelevância da intenção danosa (basta um simples prejuízo); b) irrelevância da mensuração do subjetivismo (o importante é que, no nexo de causalidade, alguém tenha participado, e tendo participado, de alguma sorte, deve ser apanhado nas tramas da responsabilidade objetiva); c) inversão do ônus da prova; d) irrelevância da licitude da atividade; e) atenuação do relevo do nexo causal – basta que potencialmente a atividade do agente possa acarretar prejuízo ecológico para que se inverta imediatamente o ônus da prova, para que imediatamente se produza a presunção da responsabilidade, reservando, portanto, para o eventual acionado o ônus de procurar excluir sua imputação (FERRAZ apud SILVA, 2010, p. 316).

Nota-se que na verdade, Ferraz está a explicitar a teoria do risco integral, visto que o autor afirmar ser irrelevante para a configuração da responsabilidade a licitude da atividade. Édis Milaré também confunde os institutos da responsabilidade objetiva e do risco integral asseverando que:

A adoção da teoria do risco da atividade, da qual decorre a responsabilidade objetiva, traz como consequências principais para que haja o dever de indenizar: a) a prescindibilidade de investigação da culpa; b) a irrelevância da licitude da atividade; c) a inaplicação das causas de exclusão da responsabilidade civil (MILARÉ, 2007, p.904).

Em verdade, a responsabilidade objetiva tão somente exclui a análise subjetiva da vontade do agente (elemento psicológico). A teoria do risco integral despreza as excludentes do nexo causal (caso fortuito, força maior, fato de terceiro, culpa exclusiva da vítima e exercício regular do direito). A teoria do risco integral pode ser conceituada como a responsabilidade objetiva extremada que não admite excludentes de nexo causal (THOMÉ, 2011, p. 494). Neste sentido o escorreito ensinamento de Chermont:

Os defensores da teoria do risco integral não aceitam, em tema de responsabilização por dano ambiental, as chamadas causas de exclusão, tais como: a culpa exclusiva da vítima, o fato de terceiro, o caso fortuito e a força maior. Pela teoria do risco integral, desponta como irrelevante a pluralidade dos agentes poluidores e a licitude do licenciamento da atividade pelo Poder Público (CHERMONT, 2003, p. 39).

A prova do nexo causal entre a conduta ou atividade do poluidor e o dano, por vezes, pode não ser de fácil elucidação. “Quando é somente um foco emissor não existe nenhuma dificuldade jurídica. Quando houver pluralidade de autores do dano ecológico, estabelecer-se o liame causal pode resultar mais difícil, mas não é tarefa impossível” (MACHADO, 1996, p. 255). Paulo Afonso Leme Machado segue discorrendo:

Num distrito industrial ou num conglomerado de indústrias pode ser difícil apontarem-se todas as fontes poluidoras que tenham causado prejuízo. A vítima não está obrigada a processar conjuntamente todos os poluidores, podendo escolher aquele que lhe convier chamar à responsabilidade, por exemplo, optando por um poluidor solvente e não pelo insolvente (MACHADO, 1996, p. 255).

Sobre a prova do nexo de causalidade, José Afonso da Silva disserta que:

Nem sempre é fácil determinar ou identificar o responsável. Sendo apenas um foco emissor a identificação é simples. Se houver multiplicidade de focos já é mais difícil, mas é precisamente pó isso que se justifica a regra da atenuação do relevo do nexo causal, bastando que a atividade do agente seja potencialmente degradante para sua implicação nas malhas da responsabilidade.

Disso decorre outro princípio, qual seja: o de que a responsabilidade por dano ambiental se aplicam as regras da solidariedade entre os responsáveis, podendo a reparação ser exigida de todos e de qualquer um dos responsáveis (SILVA, 2010, P. 318).

A teoria da responsabilidade objetiva e do risco integral está intimamente ligada ao princípio do ressarcimento integral do dano ambiental. Esse princípio encontra o seu fundamento na parte final do artigo 225, §3º, da Constituição da República, ao afirmar que, “as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados” (BRASIL, 2012, p. 88, grifo nosso). É este comando constitucional que, ao meu sentir, dá azo a afirmação da teoria do risco integral.

Este princípio também se encontra intimamente ligado ao princípio da equidade intergeracional. O indigitado princípio traz em seu bojo a ideia de que os danos ao meio ambiente não podem ficar sem reparação, visto que o meio ambiente ecologicamente equilibrado é direito não somente das gerações presentes, como também, das futuras gerações.

Mencionado princípio encontra-se insculpido no caput do artigo 225 da Constituição Republicana e funda-se na concepção de que não podemos abrir mão do direito das gerações do porvir. E é nesta justificativa que reside a reparação integral dos danos, seja através de medidas de recuperação ou indenização. “As presentes gerações não podem deixar para as futuras gerações uma herança de déficits ambientais ou do estoque de recursos e benefícios inferiores ao que receberam das gerações passadas” (SAMPAIO, 2003, p. 53). Neste sentido a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, in verbis:

A preocupação com a preservação do meio ambiente – que hoje transcende o plano das presentes gerações, para também atuar em favor das gerações futuras (PAULO AFFONSO LEME MACHADO, “Direito Ambiental Brasileiro”, p. 123/124, item n. 3.2, 13ª ed., 2005, Malheiros) – tem se constituído, por isso mesmo, objeto de regulações normativas e de proclamações jurídicas, que, ultrapassando a província meramente doméstica do direito nacional de cada Estado soberano, projetam-se no plano das declarações internacionais, que refletem, em sua expressão concreta, o compromisso das Nações com o indeclinável respeito a esse direito fundamental que assiste a toda humanidade. (Distrito Federal, STF, ADI-MC 3.540, Rel. Min. Celso de Mello, 2005 apud SILVA, 2008, p. 123).

O princípio do poluidor pagador determina que o responsável pela atividade danosa ao meio ambiente venha a providenciar a reparação do dano ambiental. Chris Wold leciona que, “o princípio fornece o fundamento dos instrumentos de política ambiental de que os Estados lançam mão para promover a internalização dos custos ambientais vinculados a produção e comercialização de bens e serviços.”(WOLD, 2003, p. 23).

As atividades de produção e consumo de bens e serviços podem gerar danos ao meio ambiente que, como dito anteriormente, devem ser integralmente reparados. O dano ambiental se constitui em uma externalidade negativa que não deve ser suportada pela sociedade (SILVA, 2008). Não deve haver a privatização dos lucros e a socialização dos prejuízos.

O princípio do poluidor pagador encontra-se insculpido no princípio 16 da Declaração do Rio de 1992, que dispõe, “as autoridades nacionais devem procurar promover a internalização dos custos ambientais e o uso de instrumentos econômicos, tendo em vista a abordagem segundo a qual o poluidor deve, em princípio, arcar com os custos da poluição, com a devida atenção ao interesse público e sem provocar distorções no comércio e nos investimentos nacionais” (MILARÉ, 2005, p. 771).

3.2. Excludentes de responsabilidade do Código Civil

A culpa exclusiva da vítima se caracteriza pela falta da relação de causa e efeito entre a conduta de terceiro e o dano experimentado pela vítima. “O causador do dano não passa de mero instrumento do acidente.”(GONÇALVES, 2003, p. 441). Somente não haverá obrigação de reparação do dano caso haja exclusividade de culpa da vítima. “Imagine a hipótese do sujeito que, guiando o seu veículo segundo as regras de trânsito, depara-se com alguém que, visando suicidar-se, arremessa-se sob as suas rodas.”(GAGLIANO, 2004, p. 114).

“Havendo concorrência de culpas (ou causas) a indenização deverá, como regra, ser mitigada, na proporção da atuação de cada sujeito.”(GAGLIANO, 2004, p. 115).

O fato de terceiro pode ser conceituado como sendo aquele que um terceiro dá causa a um dano em desfavor de outrem, que, no caso de dano ambiental, será a coletividade. À guisa de exemplo, imaginemos que um viajante dirija seu carro em uma estrada, em alta velocidade, e que, desse modo, venha a atingir um caminhão tanque que vem em sentido contrário, causando, assim, um derramamento de óleo que causa a contaminação de um rio que passa dentro de um parque florestal. Referido acidente ambiental terá sido causado por um fato de terceiro (condutor do carro que não mora próximo da localidade) que terá dado ensejo à um dano ambiental local. Entretanto, havendo a concorrência de causas, a regra que prevalece é a da mitigação da responsabilidade. O fato de terceiro guarda certa semelhança com a força maior. (VENOSA, 2003, p.42).

“O caso fortuito e a força maior se caracterizam pela presença de dois requisitos: o objetivo, que se configura na inevitabilidade do evento, e o subjetivo, que é a ausência de culpa na produção do acontecimento.”(DINIZ, p. 97). “O caso fortuito (act of God, ato de Deus no direito anglo-saxão) decorre de forças da natureza, tais como o terremoto, a inundação, o incêndio não provocado, enquanto a força maior decorre de atos humanos, tais como guerras e revoluções, greves e determinação de autoridades (fato do príncipe).” (VENOSA, 2003, p. 42). Insta ressaltar que o Código Civil em seu artigo 393, parágrafo único, não distinguiu caso fortuito e força maior e que mencionada distinção não possui tratamento pacífico na doutrina nacional.

O exercício regular do direito está previsto no artigo 188, inciso I, in fine, do Código Civil. Referida norma diz que, “não constituem atos ilícitos, os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido.”(BRASIL, 2012, p. 182). “Se alguém atua escudado pelo Direito, não poderá estar atuando contra esse mesmo Direito.”(GAGLIANO, 2004, p. 106). “No exercício de um direito, o sujeito deve manter-se nos limites do razoável, sob pena de praticar ato ilícito.”(VENOSA, 2003, p. 46).

Caio Mário da Silva Pereira (2009) aventa que, “na existência deste está a própria escusativa da responsabilidade – feci sed iuer feci -, pois que, se no ilícito há um procedimento contrário a direito, a conduta do agente, subordinada ao exercício regular de um direito reconhecido, elimina da estrutura do ato a contravenção a um dever preexistente, neutralizado desta sorte os efeitos do dano causado.”

Neste ponto, temos que destacar duas situações distintas. A primeira situação consistiria em uma atividade licenciada ou permitida que viesse a causar dano à natureza devido à inobservância das leis e normas que regem as atividades efetiva ou potencialmente causadoras de degradação ambiental, quando de seu licenciamento. A segunda consistiria em uma atividade exercida em estrita obediência as normas legais, mas que, ainda assim, viesse a causar danos ao meio ambiente equilibrado.

Penso que quando a doutrina majoritária discorre acerca da inaplicabilidade da excludente de responsabilidade do exercício regular do direito, o faz com vistas àquelas atividades que aparentam uma certa legalidade, visto estarem amparadas por autorizações ou licenças concedidas em desconformidade com as normas de proteção ambiental. Neste sentido Édis Milaré discorre que:

A adoção da teoria do risco da atividade, da qual decorre a responsabilidade objetiva, traz como consequências principais para que haja o dever de indenizar: a) a prescindibilidade de investigação da culpa; b) a irrelevância da licitude da atividade; c) a inaplicação das causas de exclusão da responsabilidade civil. (MILARÉ, 2005, p.904).

O insigne doutrinador segue lecionando que:

Além da prescindibilidade da culpa, uma segunda consequência da adoção da responsabilidade objetiva sob a modalidade do risco integral consiste na irrelevância da licitude da atividade. Tão somente a lesividade é suficiente à responsabilização do poluidor. (MILARÉ, 2005, p.904).

Assim, toda atividade que estiver causando dano ao meio ambiente hígido, ainda que agasalhada por uma legalidade ficta (concessões e autorizações em desconformidade com a lei), deverá cessar e o seu responsável reparar o indigitado dano.

Todavia, devemos analisar a situação do lançamento de efluentes ineficientemente tratados (60% de eficiência) nos cursos d’águas do Estado de Minas Gerais realizada pelas concessionárias, sob outro prisma, pois as referidas concessionárias estariam atuando sob as vestes da DN 96/2006 do COPAM, norma de caráter infralegal, mas que, entretanto, estaria, a prima facie, apta a amparar as condutas acima mencionadas.

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Sobre o autor
Sérgio Henrique Marques Clis

Possui graduação em Direito pelo Centro Universitário de Belo Horizonte (2005). Possui especialização em Direito Privado pelo Centro Universitário Metodista Isabela Hendrix (2007). É especialista em Direito Administrativo pela Universidade Cândido Mendes (2016). Possui especialização em Direito Penal e Processual Penal pela Universidade Cândido Mendes (2016). É especialista em Direito Ambiental pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (2012). Possui especialização em Ciências Penais pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (2015). Atualmente é assessor jurídico do Ministério Público do Estado de Minas Gerais, com atuação na 2ª Promotoria de Justiça da Comarca de Lagoa Santa/MG, onde atua desde o ano de 2010. Elabora minutas de iniciais, impugnações à contestações, memorias finais e recursos ao Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais nas ações civis públicas referentes à improbidade administrativa, à proteção do meio ambiente e à defesa do consumidor. Confecciona ainda, minutas de denúncias, memorias finais e recursos criminais ao Tribunal de Justiça Estadual.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CLIS, Sérgio Henrique Marques. A teoria do risco integral e o exercício regular do direito.: Análise da Deliberação Normativa 96/2006 do Conselho de Política Ambiental do Estado de Minas Gerais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4830, 21 set. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/52062. Acesso em: 18 abr. 2024.

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