Artigo Destaque dos editores

O dano moral pela quebra da promessa de casamento

Exibindo página 2 de 3
21/09/2016 às 13:04
Leia nesta página:

3 Dano

Entende-se que dano é um dos pressupostos da responsabilidade civil, contratual ou extracontratual, assim, não poderá existir ação de indenização sem a efetiva existência de um prejuízo. A responsabilidade civil só existirá caso haja um dano a ser reparado, assim, faz-se necessária a prova real e concreta dessa lesão.

Segundo Américo Luiz Martins da Silva:

Na responsabilidade civil, o elemento determinante para a sociedade, é a existência ou não de algum prejuízo causado a vítima. Portanto, existe a obrigatoriedade de ocorrência de algum dano, para que haja a figura da reparação e dessa forma, fique caracterizada a responsabilidade (2005, p. 26).

Ainda, ensina Maria Helena Diniz (2014, p. 77) que: “Para que haja pagamento da indenização pleiteada é necessário comprovar a ocorrência de um dano patrimonial ou moral, fundados não na índole dos direitos subjetivos afetados, mas nos efeitos da lesão jurídica”.

Dano então, pode ser entendido como o prejuízo sofrido por qualquer pessoa, podendo ser tanto de cunho material quanto moral, desde que atinja repercussões negativas.

Assim, o dano pode ser dividido em dano material ou patrimonial e dano moral, conforme será explanado a seguir.

3.1 Dano material

 Apesar da problemática do trabalho girar em torno da questão relacionada ao dano moral, para uma maior complementação da pesquisa faz-se necessária uma breve análise sobre o dano material como componente da responsabilidade civil. Isso porque, com relação ao direito de pleitear danos materiais, o entendimento é pacífico de que qualquer despesa realizada com os preparativos para o futuro casamento deverá ser indenizada, desde que comprovada pelo noivo repudiado, tendo em vista que incumbe-lhe fazer prova de fato constitutivo de seu direito, conforme determina o inciso I do artigo 373 do Código de Processo Civil (2015).

O dano material é aquele que atinge diretamente o patrimônio do lesado, ou seja, são os danos passíveis de avaliação pecuniária e de indenização pelo agente causador do dano.

Conforme Flávio Tartuce:

Os danos patrimoniais ou materiais constituem prejuízos, perdas que atingem o patrimônio corpóreo de uma pessoa natural, pessoa jurídica ou ente despersonalizado. Conforme entendimento jurisprudencial, não cabe reparação de dano hipotético ou eventual, necessitando tais danos de prova efetiva (2014, p. 393).

O Código Civil (2002) em seu artigo 402 classifica dano material como: “Salvo as exceções expressamente previstas em lei, perdas e danos devidas ao credor abrangem, além do que ele efetivamente perdeu, o que razoavelmente deixou de lucrar”.

Dessa forma, o dano material pode ser dividido em danos emergentes ou danos positivos e lucros cessantes ou danos negativos.

Dano emergente ou dano positivo pode ser classificado, como a diminuição do patrimônio da vítima, ou seja, é o que efetivamente a vítima perdeu.

Para Maria Helena Diniz:

Dano emergente consiste num déficit real e efetivo no patrimônio do lesado, isto é, numa concreta diminuição em sua fortuna, seja porque se depreciou o ativo, seja porque aumentou o passivo, sendo, pois, imprescindível que a vítima tenha, efetivamente experimentado um real prejuízo, visto que não são passíveis de indenização danos eventuais ou potenciais [...] (2014, p. 86).

Já por lucros cessantes ou danos negativos, entende-se que são os valores que o prejudicado deixou de lucrar, ou seja, são os valores que a vítima deixou de receber, de auferir (TARTUCE, 2014).

No mesmo sentido, Maria Helena Diniz (2014, p. 86) conceitua lucros cessantes como: “É o alusivo à privação de um ganho pelo lesado, ou seja, ao lucro que ele deixou de auferir, em razão do prejuízo que lhe foi causado”. 

Assim, o noivo abandonado, que em juízo, fizer a prova constitutiva do seu direito fará jus à indenização por dano material.

3.2 Dano moral

O dano moral é aquele dano que não tem incidência no campo patrimonial, ele fere o íntimo da pessoa, ultrapassa o mero dissabor ou os aborrecimentos diários, aos quais, todo ser humano está propenso a saborear todos os dias. E, devido à grande discussão acerca de sua concessão que ele será abordado no presente trabalho.

Carlos Roberto Gonçalves conceitua dano moral como:

Dano moral é o que atinge o ofendido como pessoa, não lesando seu patrimônio. É lesão de bem que integra os direitos da personalidade, como a honra, a dignidade, intimidade, a imagem, o bom nome, etc., como se infere dos art. 1º, III e 5º, V e X da Constituição Federal, e que acarreta ao lesado dor, sofrimento, tristeza, vexame e humilhação (2014, p. 387).

Somente com o advento da Constituição Federal de 1988 é que consolidou-se expressamente a reparabilidade do dano puramente moral, mais especificamente em seu artigo 5º, inciso V: “é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem” e também no inciso X: “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.

Nesse sentido, importante o ensinamento de Flávio Tartuce:

A tese pela reparabilidade dos danos imateriais tornou-se pacífica com a Constituição Federal de 1988. Antes disso, era tido como impossível aceitar a reparação do dano moral, eis que doutrina e jurisprudência tinham dificuldades na visualização da sua determinação e quantificação. Com a Constituição Federal de 1988 houve uma grande evolução quanto ao tema, que até mergulhou em outros âmbitos [...] (2014, p. 408).

Logo, o dano moral fere o princípio da dignidade da pessoa humana, já que está relacionado diretamente aos direitos inerentes à personalidade, preceituados nos artigos 11 a 21 do Código Civil (2002). Pois, embora não afetem a parte econômica, afetam a parte moral, e por isso, possuem seu valor e merecem ser tutelados perante o direito.

O dano moral não tem por finalidade aumentar o patrimônio do ofendido, mas sim, compensá-lo, de alguma forma pela dor suportada.

Segundo Fernando Noronha:

A reparação de todos os danos que não sejam suscetíveis de avaliação pecuniária obedece em regra ao princípio da satisfação compensatória: o quantitativo pecuniário a ser atribuído ao lesado nunca poderá ser equivalente a um “preço”, será o valor necessário para lhe proporcionar um lenitivo para o sofrimento infligido, ou uma compensação pela ofensa à vida ou à integridade física (2003, p. 569).

O dano moral pode ser dividido em dano moral direto e dano moral indireto. Maria Helena Diniz, brilhantemente apresenta os conceitos:

Dano moral direto consiste na lesão a um interesse que visa a satisfação ou gozo de um bem jurídico extrapatrimonial contido nos direitos da personalidade (como a vida, a integridade corporal e psíquica, a liberdade, a honra, o decoro, a intimidade, os sentimentos afetivos, a própria imagem) ou nos atributos da pessoa (como o nome, a capacidade, o estado de família). Abrange ainda, a lesão à dignidade da pessoa humana [...]. Dano moral indireto consiste na lesão a um interesse tendente a satisfação ou gozo de bens jurídicos patrimoniais, que produz um menoscabo a um bem extrapatrimonial, ou melhor, é aquele que provoca prejuízo a qualquer interesse não patrimonial, devido a uma lesão patrimonial da vítima. Deriva, portanto, de um fato lesivo a um interesse patrimonial (2014, p. 112).

Dessa forma, tendo a quebra da promessa de casamento ferido o noivo abandonado em seu direito de personalidade, bem como em sua dignidade de pessoa humana, certo é que haverá lesão ao dano moral direto.

A indenização por dano moral geralmente é feita através de prestação pecuniária e tem como intuito neutralizar os sentimentos de dor, tristeza, mágoa, angústia, raiva, para tentar trazer ao ofendido um pouco de conforto, alegria, satisfação, pois, possibilitaria a ele algum prazer, e, de certa forma, amenizaria seu sofrimento interno.

Isto posto, fica evidente que sempre que houver ofensa ao íntimo do prejudicado, que possa gerar qualquer repercussão negativa em seu bem estar, tal indivíduo poderá acionar o Poder Judiciário, e pleitear a indenização por dano moral.


4 O dano moral e a quebra da promessa de casamento

 A problemática do trabalho está presente na questão de que se deve ou não existir indenização por dano moral na quebra da promessa de casamento.  A doutrina e a própria jurisprudência divergem muito com relação a este assunto.

Entretanto, atualmente, é possível verificar que há uma tendência maior para a aceitação do dano moral nesta temática. Isto porque, nessa situação, há a presença do princípio da dignidade da pessoa humana, o qual defende que as pessoas devem ser tratadas com um fim em si mesmas, e não como um meio (objetos).

Sobre o assunto Bernardo Castelo Branco ensina que:

Havendo violação dos direitos da personalidade, mesmo no âmbito de família não se pode negar ao ofendido a possibilidade de reparação do dano moral, não atuando este como fator desagregador daquela instituição. Mas de proteção da dignidade [...]. A reparação, embora expressa em pecúnia, não busca, nesse caso, qualquer vantagem patrimonial em benefício da vítima, revelando-se na verdade como forma de compensação diante da ofensa recebida, que em sua essência é de fato irreparável, atuando ao mesmo tempo em seu sentido educativo, na medida em que representa uma sanção aplicada ao ofensor [...] (2006, p. 20).

É indiscutível que o arrependimento, em se tratando de projeto de casamento, ou seja, na fase do noivado, é permitido, até por razões sentimentais, pois ninguém é obrigado a conviver com alguém que não ama mais, ou não tem mais intenção de “serem felizes para sempre”, afinal, o amor imposto é desamor. Porém, quando o arrependimento retarda a decisão de romper o noivado, fazendo-o nas vésperas da celebração ou até no dia marcado para a festa, fica evidenciada uma conduta reprovável, não admitida no direito. O desamor, que explica a separação em qualquer fase da vida em comum do casal, deverá ser comunicado com a máxima antecedência, para não surpreender aqueles que, confiantes na estabilidade do relacionamento, apostam no compromisso e investem para concretizar tais fatos.

Assim, sem dúvida alguma, a quebra da promessa de casamento pode gerar a indenização por danos morais e é dever do Estado tutelar as condutas ilícitas para defender o noivo desprotegido.

O Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo manifestou-se sobre o assunto:

AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS – Sentença que condenou o réu apenas à restituição dos danos materiais - APELO DA AUTORA - Pretensão à procedência total de seu pedido, sendo o réu condenado à reparação dos danos morais – Admissibilidade – Situação narrada e demonstrada nos autos que revela não se tratar de mero rompimento de relacionamento amoroso, e sim de ter sido a autora vítima de ardil do réu, que efetuou falsa promessa de união estável ou casamento, com a finalidade de obter vantagem ilícita – Danos morais que se reconhecem in re ipsa. Alteração, de ofício, do termo inicial dos juros moratórios sobre os danos materiais, que devem incidir desde a data do evento danoso - Sentença parcialmente reformada – RECURSO PROVIDO (TJSP - Apelação Cível nº 0017649-40.2012.8.26.0007, 5ª Câmara de Direito Privado, Rel.: Fábio Podestá, data do julgamento: 15/10/2014).

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

No mesmo sentido:

INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS - ROMPIMENTO DE NOIVADO - DESISTÊNCIA DO CASAMENTO DEZ DIAS ANTES DA CERIMÔNIA- Apelante que não apresentou justificava plausível, sendo que cinco meses depois do término do relacionamento casou-se com outra pessoa que estava grávida - Atitude do réu leviana e descompromissada com os sentimentos de uma pessoa com quem se relacionou por longo período - Abuso de direito demonstrado - Danos Morais configurados - Quantum indenizatório que foi fixado com moderação - Despesas com preparativos devidamente comprovadas - Ressarcimento devido - Ação Parcialmente Procedente - RECURSO NÃO PROVIDO (APELAÇÃO COM REVISÃO n° 0022516-83.2007.8.26.0320, 5ª Câmara de Direito Privado, Rel. Erickson Gavazza Marques, data do julgamento: 05/07/2013).

E ainda:

RESPONSABILIDADE CIVIL - Rompimento de noivado - Desistência do casamento três dias antes da cerimônia - Ação de indenização por danos morais e materiais - Sentença de procedência - Desistência do noivo injustificada - Ato ilícito configurado - Despesas com preparativos - Recibos e notas fiscais que comprovam os gastos - Indenização por danos materiais exigível - Danos morais presumíveis - Indenização exigível - Valor corretamente arbitrado - Inteligência do artigo 944 do Código Civil - Juros de mora que devem incidir a partir da citação - Apelação desprovida. (TJSP - Apelação Cível n° 9001024-95.2010.8.26.0506, 4ª Câmara de Direito Privado, Rel.: Carlos Henrique Miguel Trevisan, data do julgamento: 19/04/2012).

Insta salientar, por oportuno que ninguém deverá ser obrigado a contrair o casamento com qualquer pessoa, por esta razão o risco de ruptura é natural numa relação entre pessoas sujeitas de emoções tão diversas, contudo, todo rompimento deve observar os padrões de conduta pertinentes a boa fé objetiva das partes envolvidas na promessa de casamento. Sendo assim, é certo que os noivos devem agir de acordo com os preceitos morais e éticos, bem como ter sua conduta eivada de honestidade e lealdade, tudo no âmbito de um relacionamento saudável pautado pelo comportamento decoroso.

Nessa esteira, importante o ensinamento de Paulo Nader:

[...] caso ocorra de um dos noivos venha faltar a boa-fé, iludindo o outro com promessas fingidas, induzindo ao erro e desfazendo o noivado, têm-se a configuração dos subsídios necessários para a configuração de danos morais e segundo o caso, a configuração de dano patrimonial (2008, p. 337).

Portanto, aquele que ultrapassa os limites sociais aceitos, com a quebra natural do comportamento esperado, e na sua conduta desonesta que deixa de observar o mínimo de lealdade, e consequentemente causa danos a outrem, tem a obrigação de indenizar, em razão do dano que sua conduta acarreta.

Dessa forma, caberá ao magistrado, analisar cada caso concreto para estipular o melhor valor de indenização a ser paga ao noivo ofendido. É preciso que ele analise todos os elementos probatórios, bem como as possíveis consequências causadas ao íntimo do noivo repudiado.

Assuntos relacionados
Sobre a autora
Ericka Picoli

Acadêmica do curso de Direito nas Faculdades Integradas de Santa Fé do Sul - SP e estagiária do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PICOLI, Ericka. O dano moral pela quebra da promessa de casamento. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4830, 21 set. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/52080. Acesso em: 26 abr. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos