O Senado decidiu julgar o processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff mediante duas votações. A primeira, quanto ao pedido de impeachment e à consequente pena de perda do cargo, condenou a então Chefe do Poder Executivo da União. A segunda votação afastou a pena de inelegibilidade.
Este “fatiamento” da decisão foi um fato inusitado e amplamente debatido na mídia e no seio da sociedade, pois até então quem era condenado à perda do cargo também ficava automaticamente inelegível, tal como ocorreu com o ex-presidente Fernando Collor de Mello.
Desta forma, aliás, é que foi julgado o processo de cassação por quebra do decoro parlamentar quanto ao deputado federal Eduardo Cunha, no qual a Câmara o condenou e aplicou simultaneamente as penas de perda do cargo e inelegibilidade, mediante uma única votação.
Ao contrário do afirmado pelos aliados do referido deputado, neste último julgamento era juridicamente impossível “fatiar” o julgamento das sanções, ainda que por analogia ao caso de Dilma, posto que se tratam de casos regidos por legislações distintas e sem identidade de razão.
No caso de Dilma, embora os artigos 85 e 86 da Constituição apresentam normas disciplinadoras dos crimes de responsabilidade por atos do Presidente da República, bem como seu processamento, eles não mencionam a punição, disciplinada apenas pela Lei do Impeachment 1079/50.
Nesta lei de regência consta que os crimes de responsabilidade “são passíveis da pena de perda do cargo, com inabilitação, até cinco anos, para o exercício de qualquer função pública” (art. 2º), ou seja: “No caso de condenação, o Senado por iniciativa do presidente fixará o prazo de inabilitação do condenado para o exercício de qualquer função pública” (art. 33), sendo que, “proferida a sentença condenatória, o acusado estará, ipso facto destituído do cargo” (art. 34).
Assim, ao menos no que tange aos processos de impeachment do Presidente da República, está instaurada a controvérsia.
Uma corrente de entendimento, tradicional, afirma que no art. 2º da Lei 1079/50 há previsão de uma única pena, no singular, qual seja, a “pena de perda do cargo, com inabilitação, até cinco anos, para o exercício de qualquer função pública”, não havendo como dissociar perda do cargo e inabilitação.
Tal corrente afirma, ainda, que o art. 33 da Lei 1079/50 impõe ao Senado fixar tal prazo de inabilitação, no caso de condenação, mas não se pode afastar a pena de inabilitação porque tal afastamento ofenderia a unicidade da pena.
Os adeptos desta doutrina não se fundam no art. 34 da mesma lei porque este dispositivo equivocadamente não faz menção à pena de inabilitação, cuja lacuna é sanada pelos referidos artigos 2º e 33, em verdadeira interpretação lógico-sistemática.
Outra corrente de entendimento, aplicada pelo Senado no julgamento do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff, afirma que de acordo com o art. 2º da Lei 1079/50 os crimes de responsabilidade são “passíveis” de perda do cargo e inabilitação para outros cargos.
Tal corrente afirma, ainda, que o art. 33 da Lei 1079/50 impõe ao Senado fixar o prazo de inabilitação, mas só ATÉ cinco anos conforme seu art. 2º, razão pela qual o Senado também pode fixar prazo ZERADO, afastando a pena de inabilitação, pois quem pode o “mais” pode também o “menos”.
Afirma-se, também nesta corrente inovadora, que o art. 34 da Lei 1079/50 dispõe que a perda do cargo é decorrência inexorável da condenação por impeachment, mas apresenta um silêncio eloquente quanto à inabilitação, donde se extrai que a inabilitação NÃO é consequência lógica do impeachment.
Os defensores deste último posicionamento lembram, por fim, que se os referidos dispositivos legais deixam margem à controvérsia, devendo ser aplicado, portanto, o princípio “in dubio pro reo”.
No caso de Cunha, ele foi acusado de quebra do decoro parlamentar, ao qual não se aplica a Lei do Impeachment 1079/50.
Os atos de quebra do decoro parlamentar são expressamente punidos com perda do mandato (art. 55 II da Constituição Federal), ficando seus agentes automaticamente “inelegíveis... para qualquer cargo... [nas] eleições que se realizarem durante o período remanescente do mandato para o qual foram eleitos e nos oito anos subsequentes ao término da legislatura” (art. 1º I “b” da Lei Complementar 64/90).
A redação destes dois dispositivos legais é clara, não deixa margem para qualquer outra interpretação diversa da literal, de modo que a condenação por quebra do decoro parlamentar causa necessariamente a perda do cargo e também a inelegibilidade por oito anos.
Assim, tendo havido condenação do deputado federal Eduardo Cunha por quebra do decoro parlamentar, daí decorrem inexoravelmente as penas de perda do cargo e inelegibilidade, sem possibilidade de “fatiar” estas sanções, ao contrário do que ocorreu no julgamento do impeachment da presidente Dilma Rousseff.