Capa da publicação Aposentadoria especial: integralidade e paridade
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A aposentadoria especial do § 4° do art. 40 da CF/88 não garante integralidade e paridade

29/03/2017 às 14:16
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Neste ensaio, trazemos quatro interessantes razões para convencer você de que a aposentadoria especial do §4°, do artigo 40, da CF/88 não garante integralidade e paridade.

Eis um tema sobre o qual já escrevemos alguns artigos, mas que ainda suscita muitas dúvidas e discussões. Volta e meia nos deparamos com opiniões bem divergentes que dão margem a interpretações, muitas vezes, equivocadas.

Mas, afinal de contas, a aposentadoria especial prevista nos incisos I, II e II,I do § 4º, do art. 40, da CF/88, garante integralidade ou o cálculo deve ser elaborado pela média aritmética simples?   

Ora, no que pese a existência de várias decisões judiciais concedendo integralidade e paridade para o servidor que se aposenta por esta regra especial, compreendemos não ser este o melhor entendimento aplicável ao cálculo. 

Desta forma, por compreendermos que a média é o correto critério de cálculo a ser adotado nas aposentadorias concedidas com base no § 4º, do art. 40, da CF/88, passamos agora a elencar as quatro razões pelas quais defendemos este entendimento:

1ª – E se eu falasse que o § 4º, do art. 40, da CF/88 é uma regra permanente de aposentadoria, você acreditaria?

Vejamos, pois, o seu texto: “é vedada a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aos abrangidos pelo regime de que trata este artigo”. Na verdade, como podemos constatar de sua redação, o § 4º, do art. 40, da CF/88 está umbilicalmente unido e adstrito à regra permanente prevista no inciso III, § 1º, do art. 40, da CF/88, cujo cálculo de aposentadoria, desde o dia 20/02/2004, com a publicação da MP nº 167, dá-se pela média aritmética simples.

Visando melhor esclarecer a questão, na nossa compreensão, o texto do § 4º deve ser entendido da seguinte forma: os requisitos de aposentadoria contidos no inciso III, § 1º, do art. 40 ,da CF/88, sobretudo da alínea “a” (idade e tempo de contribuição), em regra, não podem ser alterados/reduzidos, salvo se o servidor for portador de deficiência; ou exercer atividades de risco; ou exercer atividades sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, na forma como dispuser leis complementares que regulamentarão este direito.

Verifica-se, pois, que o § 4º nada mais é do que uma permissão constitucional para que os requisitos de aposentadoria normalmente exigidos na regra permanente (alínea “a”, do inciso III, do § 1º, do art. 40, da CF/88) possam ser, na forma da lei complementar, reduzidos para permitir que o servidor que esteja submetido a condições desfavoráveis de trabalho, aposente-se mais cedo, mais rápido.

Destarte, da forma como está previsto no texto constitucional, o § 4º é o § 1º, III, “a”, do art. 40, com requisitos e critérios de elegibilidade mais brandos, na forma como dispuser a lei complementar que precisa ser editada. É por esta razão que não há nenhum exagero em se afirmar que o § 4º é uma regra permanente.

Assim, por não projetar efeitos jurídicos de forma isolada, cuja razão de ser e existir está nitidamente vinculada a uma norma principal que é a regra permanente, obviamente, deverá acompanhar o mesmo critério de cálculo desta, a média.   

2ª – Não confunda requisitos de elegibilidade com critérios de cálculo.

O texto do § 4º refere-se apenas aos requisitos de elegibilidade à regra de aposentadoria especial. Repitamos o texto: “é vedada a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aos abrangidos pelo regime de que trata este artigo”. Nele, fica claro que a intenção do legislador foi a de oferecer a possibilidade de se criar um requisito ou critério de elegibilidade mais brando, mais fácil de ser alcançado, na medida em que o objetivo da norma é o de proteger e abreviar o contato do servidor com aquelas circunstâncias que o desfavorecem.

E, em se tratando de regras permanentes, o critério de cálculo já foi definido com a MP nº 167, no dia 20/02/2004, quando esta criou o cálculo pela média, extinguindo a integralidade. E como o § 4º, a grosso modo, nada mais é do que uma “regra permanente com requisitos diferenciados, na forma da lei complementar”, temos que entender que a mesma não pode garantir integralidade e paridade.

3º - E quem te disse que o art. 1º, II, da Lei Complementar 51/85, com redação dada pela Lei Complementar nº 144/14, garante integralidade?

Lembremos a redação do referido inciso II, do art. 1º, da LC nº 51/85:

“Art. 1o O servidor público policial será aposentado:    

II - voluntariamente, com proventos integrais, independentemente da idade:      

a) após 30 (trinta) anos de contribuição, desde que conte, pelo menos, 20 (vinte) anos de exercício em cargo de natureza estritamente policial, se homem; 

 b) após 25 (vinte e cinco) anos de contribuição, desde que conte, pelo menos, 15 (quinze) anos de exercício em cargo de natureza estritamente policial, se mulher.”.

Ora, a expressão “proventos integrais” contida no inciso II, do art. 1º, da LC nº 51/85, de forma alguma, está afirmando e garantindo que o servidor se aposentará com integralidade, isto é, com 100% de sua última e atual remuneração. Não mesmo.

A expressão se refere e se limita a garantir o direito a proventos integrais, desde que o homem implemente 30 anos de tempo de contribuição, dos quais, 20 deverão ser em atividade policial, e a mulher 25, desde que 15, em atividade policial. E é somente isso.

Explicando de forma mais didática, é como se este inciso II, do art. 1º, da LC nº 51/85, fosse a regra permanente lá da alínea “a”, do inciso III, do § 1º, do art. 40, da CF/88, com requisitos menores, um tempo de contribuição menor a ser cumprido, em razão da atividade de risco desempenhada. Enquanto o servidor comum tem que contribuir por 35 anos para se aposentar com proventos integrais e o policial só precisa de 30 para também se aposentar com proventos integrais. Mas, por ser uma regra permanente, o cálculo é pela média, como já explicamos antes.

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E provento integral é o provento garantido a quem conseguiu implementar todos os anos de contribuição exigidos na norma, ao contrário do provento proporcional que é dado a quem não conseguiu completar todos anos exigidos na norma. E é só isso.

E, por amor ao bom direito, não confundamos proventos integrais com integralidade. Não, não confundamos.

Provento integral, repitamos, existe quando o servidor implementa o tempo de contribuição exigido na norma. Exemplo: o policial do sexo masculino que implementar 30 anos de tempo de contribuição, desde que 20 sejam em atividade de natureza estritamente policial, terá garantido direito a proventos integrais.

Já a integralidade é o critério de cálculo que existia antes da criação da média aritmética simples. E a integralidade só podia e pode ser garantida em duas situações: a) se o servidor tiver implementado os requisitos da regra especial até o dia 20/02/2004, data de publicação da MP nº 167, que extinguiu a integralidade; ou b) se o servidor implementar os requisitos das regras de transição do art. 6º da EC nº 41/03 ou do art. 3º da EC nº 47/05. Fora destas hipóteses, não há mais como conceder integralidade e paridade para o servidor.

As decisões judiciais que se avolumam sobre o tema, entretanto, concedem integralidade aos policiais por entenderem, equivocadamente, que a expressão “proventos integrais”, contida no inciso II, do art. 1º, da LC nº 51/85, refere-se à integralidade (100% da última e atual remuneração). Confundem proventos integrais com integralidade. Na verdade, a LC nº 51/85 garante proventos integrais que devem recair sobre o resultado da média e não sobre a última e atual remuneração do servidor em seu cargo efetivo. Desde 2004, o cálculo passou a ser pela média. E não nos esqueçamos de que estamos falando de uma regra permanente com requisitos de elegibilidade diferenciados. Somente isso. O cálculo, portanto, é pela média.

4ª – Quer dizer então que o § 1º do art. 57 da Lei nº 8.213/91, quando diz que a aposentadoria especial consistirá numa renda mensal equivalente a 100% do salário-de-benefício, está garantindo integralidade? Será mesmo?

Como sabemos, em face do que estabelece a Súmula vinculante nº 33 do STF, aplicam-se ao servidor público, no que couber, as regras do RGPS sobre aposentadoria especial de que trata o artigo 40, § 4º, inciso III, da Constituição Federal, até a edição de lei complementar específica. Isso é, atualmente, a aposentadoria do servidor que trabalha submetido a condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, está disciplinada no art. 57 da Lei nº 8.213/91, que trata desta questão no âmbito do RGPS.   

Nesta questão, defendo a tese de que se deve pegar emprestado do art. 57 da Lei nº 8.213/91 somente os requisitos de elegibilidade para a concessão da aposentadoria especial. E quais são? Haver trabalhado sujeito a condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, durante 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos, conforme dispuser a lei. Somente isso.

O próprio § 4º, do art. 40, da CF/88, matriz constitucional do direito à aposentadoria especial, limita-se a dispor sobre os requisitos e critérios de elegibilidade da regra para a concessão da aposentadoria especial e não sobre os critérios de cálculo.

Entretanto, há quem entenda e defenda que, além dos requisitos e critérios para a concessão da aposentadoria, deva-se também utilizar-se os critérios de cálculo contidos no § 1º, do referido art. 57, da Lei nº 8.213/91. E o fazem por entender, de forma primariamente equivocada, que, quando o § 1º dispõe que o provento da aposentadoria especial consistirá numa renda mensal equivalente a 100% do salário-de-benefício, estar-se-ia a garantir o direito à integralidade.

Ora, senhores, com toda vênia, trata-se de verdadeira falta de intimidade com o que vem a ser a definição e o critério de cálculo do salário-de-benefício no RGPS.

Conforme estabelece o art. 29, II, da Lei nº 8.213/91, para a aposentadoria especial, o salário-de-benefício consiste na média aritmética simples dos maiores salários-de-contribuição correspondentes a oitenta por cento de todo o período contributivo. Portanto, mesmo que apliquemos as normas do RGPS também nos critérios de cálculo, aqueles 100% do salário-de-benefício reclamado, consistem em 100% do resultado da média aritmética simples. Destarte, de uma forma ou de outra, o cálculo tem que se dar pela média.           

E ainda sobre esta questão, até mesmo a aposentadoria especial para os portadores de deficiência, insculpida no inciso I, do § 4º, do art. 40, da CF/88, que atualmente, por falta de regulamentação própria, por meio de lei complementar, utiliza-se do que estabelece a Lei Complementar do RGPS, nº 142/13, tem o seu cálculo elaborado da mesma forma que se calcula o salário-de-benefício, no art. 29 da Lei nº 8.213/91, isto é, 100% do resultado da média, o que é bem diferente da integralidade.   

Portanto, salvo melhor juízo, pelas razões aqui esposadas, mantemo-nos ainda defensores de que aposentar-se pelo § 4º, do art. 40, da CF/88, não garante integralidade e paridade ao servidor. 

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Sobre o autor
Alex Sertão

Professor de RPPS.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SERTÃO, Alex. A aposentadoria especial do § 4° do art. 40 da CF/88 não garante integralidade e paridade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5019, 29 mar. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/52488. Acesso em: 24 abr. 2024.

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