Resumo: O artigo visa demonstrar a importância histórica dos títulos de crédito, relatando desde o nascimento do crédito até a evolução que a cártula creditória passa através do período francês, italiano, alemão e o atual que seria o uniforme. Busca-se defender a principal finalidade dos títulos de crédito, uma vez que não podem ser considerados documentos estáticos que contém valor, muito antes pelo contrário se verificará que a principal finalidade dos títulos de crédito se pauta na circulação rápida e segura dos valores que transporta, gerando maior segurança jurídica tanto para sociedade e comércio. Para tanto será feita uma análise doutrinaria pátria e estrangeira.
Palavras-chave: títulos de crédito, circulação de riquezas, confiança, comércio.
1. Introdução
Os títulos de crédito são documentos que passaram por inúmeras evoluções, no início a noção de crédito não era ligado a uma base física, o que se deu com o tempo, pois as obrigações eram pautadas somente na confiança gerando problemas em se confirmar por um vetor confiável que uma relação de crédito e débito foi estabelecida, nos tempos pretéritos ainda se pode elencar grande problema com os saques que ocorriam entre as cidades, vez que a pessoa se deslocava de um comércio a outro levando valores e tinha grande chance de ter esse valor saqueado
Com o tempo esse crédito passa a ser solidificado em uma cártula, solucionado essa dificuldade em comprovar a relação obrigacional, bem como evita que as pessoas fossem saqueadas vez que agora não transportam valores, mas um documento representativo desse valor.
Com o tempo os títulos de crédito necessitam de expandir para vários países, para tanto conta com trabalhos para uma regulamentação Uniforme de suas normas, a qual no direito pátrio se dá pelo Decreto-Lei 57.663/66, conhecido como Lei Uniforme de Genebra.
Pelo exposto se verifica que desde a antiguidade e através da busca de uma regulamentação uniforme entre os povos, a principal finalidade dos títulos de crédito se pauta em uma circulação rápida e segura de riquezas, de uma forma mais ampla possível, esses documentos cambiários não são emitidos para permanecerem estáticos, mas para dar mobilidade ao crédito permitindo que as pessoas se enquadrem na cadeia de crédito.
Assim, o trabalho buscará através de uma análise doutrinária pátria e estrangeira demonstrar que a principal finalidade dos títulos de crédito se pauta na circulação de riquezas e que este documento possui importância ímpar principalmente, pois se vive um momento em que o crédito é fundamental para o atendimento das necessidades básicas tanto do comércio quanto de pessoas naturais.
2. Títulos de crédito - antecedentes históricos
Desde a antiguidade se observou que o crédito foi de fundamental importância para o mercado e sociedade.
Inicialmente não existia a distinção daquilo que seria de um ou outro, pois vigorava o estado de natureza, o suprimento das necessidades de uma parte era feito pelo uso da força contra aquele que possuía determinado produto.
Porém, com o desenvolvimento social e para que a convivência entre os pares fosse harmônica observou-se que as partes poderiam negociar a troca dos produtos que um possuía e o outro não, superando o estado de natureza, surge aí o escambo, ou seja, troca de mercadorias.
Em lugar de simplesmente disputar fisicamente o domínio de bens que não se tinha, tentando subtraí-los dos que os detinham, perceberam ser possível negociá-los. Foi deixado assim o estado de natureza, no qual imperava a força física, a conquista, para se ingressar em estágios mais afetos ao Direito; nesse novo período, os seres humanos, individual ou coletivamente, aproximaram-se na confiança do contrato cada qual trazendo o que tinha de excesso e postulando o que necessitava. (MAMEDE, 2008, p.03).
No entanto, chega o tempo em que o escambo torna-se insatisfatório, pois muitos que não possuíam determinado produto buscavam produzi-lo para suprir suas necessidades. Dessa forma, o homem procura evoluir nos meios de troca, já que os recursos para adquirir ou produzir certo bem para alguns ainda eram escassos. Assim, destaca-se o aparecimento dos metais preciosos e sua cunhagem em modelos valorados, desse momento em diante as trocas passam a ser feitas na forma produtos versus valoração por certo metal.
A fundição dos metais e a descoberta de sua ampla utilidade para as sociedades, bem como a percepção da possibilidade de emprego estético de alguns, criaram um novo valor comunitário de trocas, já que se percebera a possibilidade de, em todos os lugares estabelecer um preço que se mensurava como um peso em ouro, prata, cobre ou bronze. A moeda foi o coroamento desse processo evolutivo; o Estado encarregava-se do trabalho de pesar unidades padrões de metal, de cuidar da qualidade da liga empregada, atestando com uma cunhagem específica, lembrando em muitos os sinetes reais que eram usados nos documentos impressos sobre a argila ou sobre a lança, para atestar-lhes a veracidade, ou seja, torná-los oficiais. (MAMEDE, 2008, p.04).
Entretanto, engana-se aquele que pensa que os problemas do comércio e da economia estivessem resolvidos com surgimento das moedas e sua prévia valoração, muito pelo contrário. Nesse contexto é que grandes problemas surgem, entre os quais se destacam:
o saque que acontecia entre as cidades comerciais, uma vez que os mercadores levavam consigo vultuosa quantidade de moedas para se abastecerem e voltarem ao seus mercados de origem; e
a diversidade de valoração dessas moedas em cada feira comercial, possibilitando cada pequeno Estado ter sua moeda própria, dificultando assim a negociação comercial.
Embora os dias de hoje sejam outros, não era possível, também naquela época, o transporte de grande quantidade de dinheiro vivo para efetuar compras em outras cidades ou feiras. O risco era grande, principalmente porque, é de fácil compreensão, naquela época não existiam estradas ou meios de transportes como conhecemos hoje. Não temos dúvidas também que os assaltos ocorriam e com grande frequência, em prejuízo daqueles que queriam adquirir bens para revenda. A situação devia ser gritante, a tal ponto que era preciso tomar alguma providência contra aquela calamidade. (COSTA, 2008, p.07-08).
Todavia cada cidade podia cunhar sua própria moeda, e essa diversidade de moedas em curso nas cidades italianas constituía-se em obstáculo para o desenvolvimento das atividades comerciais porque os mercadores tinham de transportar a moeda de sua cidade de origem para aquela onde seria feito o negócio, correndo risco de transporte. (ROSA JÚNIOR, 2007, p.41).
Como forma de evitar roubos, superar os percalços referentes à diversidade de moedas então existentes, evitando assim que o comércio estagnasse, surge o crédito, sendo uma entrega presente de bens com a promessa de futuro adimplemento. Em seu estágio inicial o crédito era baseado somente na confiança, não demonstrando a segurança social e jurídica que se espera em uma transação que envolva valores.
A confiança tem de ser entendida sob seus aspectos subjetivos e objetivos. O elemento subjetivo consiste na crença que o credor deposita na pessoa do devedor de que preenche os requisitos morais básicos necessários a efetivação do negócio de crédito, ou seja, que o devedor aplicará a sua capacidade econômica no cumprimento de sua obrigação, correspondente ao pagamento do empréstimo no prazo fixado. O elemento objetivo da confiança compreende a certeza que o credor tem que o devedor possui capacidade econômico-financeira para lhe restituir a importância mutuada no termo final do prazo resultando essa confiança do conhecimento da renda e do patrimônio do devedor. (ROSA JÚNIOR, 2007, p.03).
Embora a confiança até os dias presentes seja de grande importância para o crédito ao celebrar um negócio, este não poderia se pautar somente em uma palavra, somente um acreditar no devedor, pois como se provaria a relação de crédito e débito sem um elemento físico, sem uma base em que a obrigação fosse afirmada2, o comércio tanto atualmente quanto no passado clamava por mais. Dessa forma o elemento confiança passa ser materializado em uma base física, a qual hoje se conhece como título:
Refere-se, portanto, ao texto que dá identidade, ou adjetivação à coisa, ao fato ou à pessoa. Título é o documento a inscrição material grafada, para o qual se usa por sinônimo a expressão papel, remetendo à base física de sustentação da inscrição jurídica de um crédito tanto quanto de um débito. (MAMEDE, 2008, p.05-06).
Da união do título com o crédito nasce o título de crédito, chegando-se a um de seus princípios, a cartularidade, ou seja, uma cártula que é empregada como sinônimo desse instrumento representativo de crédito.
Com isso o comerciante comprador não carregava mais dinheiro e sim uma carta (littera) ou documento chamado quirógrafo, autorizando-o a receber do correspondente ou representante do banqueiro o valor em moeda do destino, a fim de que pudesse efetuar suas compras naquele local. (COSTA, 2008, p.09).
Com o aparecimento dos títulos de crédito os problemas dos saques que aconteciam entre as cidades e da diversidade de moedas existentes foram solucionados, uma vez que não mais circulavam valores, e sim um instrumento representativo de determinada quantia. Lembrando que desde a antiguidade a principal finalidade dos títulos de crédito se pautava na circulação de riquezas de forma segura e rápida.
Com efeito, no título de crédito agiu de maneira singularmente eficaz, a exigência de certeza e segurança jurídica, que é essencial característica no direito.
É a necessidade de certeza e segurança, de certeza no direito e segurança na realização, que leva as partes a criar ou aperfeiçoar institutos que satisfaçam tal exigência. Direito incerto é direito ineficaz elemento perturbador das relações jurídicas e são, portanto, benéficos os esforços tendentes a torná-lo certo e eficaz.
É essa exigência de certeza e segurança que o título de crédito satisfaz; certeza na existência do direito; segurança na sua realização. É justamente por isso que os direitos declarados nos títulos podem, com frequência, considerar-se equivalentes aos bens e às riquezas a que se referem, o que permite realizar pela circulação de tais títulos a mobilização da riqueza. (ASCARELLI, 2009, p.35-36).
Importante destacar, nessa evolução de crédito a títulos de crédito, alguns períodos específicos da história, pois este teve seu maior desenvolvimento a partir da Idade Média, principalmente com o florescimento do comércio nas cidades italianas, em especial aquelas localizadas em orla marítima onde existiam as feiras que reuniam comerciantes de todos os lugares.
2.1. Períodos Históricos
O primeiro período que se destaca é o italiano, pois nas feiras surgira o chamado "câmbio manual", segundo o qual o cambista (corretor ou banqueiro) fazia a troca de moedas daqueles que ali chegavam, em virtude da diversidade existente à época. Mas, ainda assim, o problema no que tange ao transporte de tais moedas persistia, os saques eram reais e aconteciam com frequência. “A troca de moeda por moeda constituía o chamado cambio manual, sendo a operação imediatamente liquidada. Em regra tais transações se efetuavam nas feiras.” (MARTINS, 2010, p.29).
Para evitar tais problemas a operação de câmbio evoluiu, a modalidade de câmbio manual passou então para câmbio trajectício 3 , em que o banqueiro em sua própria cidade recebia determinado valor, obrigando o depositante a entregar em outra cidade, fosse pessoalmente ou por um representante seu, o valor originalmente depositado, só que agora em outra espécie de moeda. Assim, de forma clara os problemas com o saque e a diversidade de moeda entre as feiras estariam resolvidos.
Portanto, esta mudança monetária foi denominada cambium traiectitium (impurum-cambium, cum carta, per literas); contrato pelo qual uma pessoa entrega ou se compromete a entregar a outra uma soma de dinheiro, em um determinado lugar, em troca de outros montantes que a segunda lhe entregará em local diferente (solvere de loco ad locum) — expressou De Turri em seu Tractatus de cambiis -; em contraposição ao cambius manuale (minutumpurum cambium, sine letteris) de mão em mão, entre o cliente que pessoalmente recorria ao banqueiro em demanda de um câmbio de moedas e o próprio banqueiro; e por isto, para a doutrina, aquele contrato importava uma troca de dinheiro presente (presens pecunia, argent présent) pelo dinheiro ausente (VILLANUEVA, 2005, p.165, tradução nossa)4.
Quando o banqueiro recebia certo valor na sua cidade de origem emitia dois documentos representativos de crédito, os quais o depositante deveria apresentar na cidade da troca, tais instrumentos seriam a cautio e a littera cambi, futuramente considerados importantes títulos de crédito presentes na atualidade.
Quando o banqueiro recebia o dinheiro para realizar a operação de câmbio, emitia dois documentos: a) um denominado cautio, traduzia o reconhecimento da dívida por ele contraída e a promessa de entregar o valor equivalente no prazo, lugar e moeda que haviam sido convencionados, constituindo a prova da realização da operação; b) outro, rotulado littera cambii, referia-se a uma carta, pela qual o banqueiro dava ordem a seu correspondente, localizado em outra cidade, para que efetuasse o pagamento da quantia nela fixada na moeda dessa cidade ao credor que havia feito o depósito, ou à pessoa por ele designada. (ROSA JÚNIOR, 2007, p.41-42).
Lembrando que a carta poderia ser enviada pelo banqueiro diretamente ao seu representante na outra praça, ou entregue ao depositante para que, pessoalmente ou por terceira pessoa designada, exibisse ao banqueiro e recebesse o valor devido para efetuar compras no comércio.
Nesse momento o documento de câmbio era considerado um instrumento de pagamento, e não de crédito, todavia em 1673 esse entendimento é modificado, quando se inaugura um novo período na história cambiária, qual seja o período francês.
O denominado período francês é inaugurado em 1673, quando as Ordenanças de Comércio estabelecem nova roupagem à cártula creditória, o que é seguido, em 1808, pelo Código de Comércio, no qual o “título passou a ser instrumento de pagamento. O período francês ocorreu até o ano de 1848.” (COSTA, 2008, p.11).
No período francês destaca-se o surgimento da cláusula à ordem, facilitando a circulação tanto do título de crédito quanto do direito ali mencionado. Por essa cláusula o beneficiário da cártula poderia transferir o documento independentemente de qualquer autorização. Portanto, deixa-se de exigir no documento cambial o requisito operação de câmbio, já que poderia ser emitido em virtude de vários negócios como compra e venda, empréstimos ou vendas a prazo.5
O meio hábil que surgira em decorrência da cláusula à ordem é o endosso, “pelo endosso, o título tornou-se instrumento de pagamento, surgindo, por isso mesmo, da cláusula à ordem, para permitir tal procedimento.” (COSTA, 2008, p.11).
[...] no Código francês de 1808, passou a significar um instrumento de pagamento, não se atendo, simplesmente, à transferência de dinheiro. Por essa razão, já não era o depósito em mãos do banqueiro que dava origem à letra; qualquer importância que o sacado (pessoa a que era dada a ordem) devia ou poderia dever futuramente ao sacador (credor, pessoa que dava a ordem), proveniente de qualquer transação – fornecimento de mercadorias etc. - possibilitava a emissão de letra. (MARTINS, 2010, p.30).
Pode-se observar a importância da materialização do crédito em um título, bem como a simbiose do endosso a este documento cambial, pois além de solucionar os problemas de diversidade de moedas e saques ajuda em outro tipo de percalço, vez que na antiguidade, antes desses institutos mencionados, o comerciante ou vendia seus produtos à vista ou mediante a confiança que tinha no comprador. Todavia surgem problemas para o comerciante, pois este estaria com seu capital engessado, não tendo meios de repor aquilo que fora vendido a prazo sem um documento que comprovasse a venda, bem como se o comprador não efetuasse o adimplemento na data devida não teria como o comerciante cobrá-lo.
Verifica-se a importância da concretização do crédito em uma cártula, bem como do próprio endosso para o meio comercial, uma vez que, tendo a cártula em mãos, o mercador, além de poder negociar com certeza e segurança frente a um comerciante vendedor, poderia passar o documento a esse através de endosso, e esse por sua vez não ficaria com capital congelado até a data de adimplemento, não ficaria sem mercadoria, pois perfeitamente poderia passar o documento de crédito por endosso a outro comerciante repondo seu estoque e assim por diante. Também o vendedor inicial teria em mãos um documento representativo daquele crédito ora concedido ao mercador, então, se houvesse o inadimplemento por parte, facilmente o primeiro executaria aquilo que lhe fosse devido.
Todavia, mesmo com a evolução cambiária, no período francês a cártula creditória continuava necessitando comprovar seu lastro, ou seja, a necessidade de em sua emissão indicar a provisão feita pelo sacador ao sacado, pressupondo um contrato inicial, “entretanto a emissão da letra ainda pressupunha um contrato inicial, para existir a letra se tornava necessária a previsão do sacador em mãos do sacado” (MARTINS, 2010, p.30). Tal entendimento é modificado apenas no período alemão.
O período alemão está compreendido entre 1848 e 1930, verifica-se que as modificações estabelecidas nessa época fazem vislumbrar em grande parte os títulos de crédito conforme hoje são conhecidos.
Nesse período não mais se considera a necessária de existência de um lastro para a validade do documento cambial.
A partir de então o título passou a valer por si próprio e, para sua validade, não dependia de anterior depósito de dinheiro em mãos de banqueiro ou de quem quer que seja. Nem precisava indicar provisão ou aquisição de mercadorias. Bastava assinar o título que o desejo de obrigar manifestava-se. O papel assinado, por si só, era suficiente para obrigar seu signatário. (COSTA, 2008, p.12).
Outra importante contribuição estaria no reconhecimento do Direito Cambiário como ramo autônomo do direito comum, “o ano de 1848 marca o aparecimento na Alemanha da Ordenação Geral do Direito Cambiário, que codificou as normas disciplinadoras da cambial, separando-as das normas de direito comum [...]” (ROSA JUNIOR, 2007, p.44-45).
Conclui-se que importantes princípios (ou subprincípios como preferem alguns doutrinadores) da atualidade são facilmente percebidos, como a abstração, independência e inoponibilidade de exceção ao terceiro de boa-fé. Tal afirmação é permitida em virtude da não mais vinculação da cártula creditória a um lastro de origem.6
Nasce a letra de um ato unilateral da vontade do sacador, e, uma vez preenchidas certas formalidades, vale pelo que nela está escrito. E o direito do seu possuidor é autônomo e abstrato, independente da relação fundamental, ou seja, do negócio que, por acaso, deu origem à letra. Por se tratar de um direito autônomo e abstrato, não são oponíveis exceções aos possuidores da letra baseadas nas relações desses obrigados com os obrigados anteriores. (MARTINS, 2010, p. 31).
Finalizando os relatos sobre os períodos de desenvolvimento dos títulos de crédito, encontramos o período Moderno ou Uniforme, o qual tem início em 1930, em Genebra, com a realização de uma Convenção para uniformizar regras no comércio internacional sobre letra de câmbio e nota promissória, e em 1931, sobre cheques, as quais tiveram influência direta da Ordenação Geral Alemã de 1848.
2.2. A Lei Uniforme de Genebra
Para que se chegasse até a convenção de Genebra, várias outras convenções discutiram a respeito da tão almejada uniformização das características e formas dos principais títulos de crédito.
Em 1863 já se tinha uma proposta quando “Asser proferiu voto na National Association for the promotion of Social Sciences, reunida em Gand, sugerindo a convocação de uma conferência internacional para tratar da unificação das normas relativas a inúmeros títulos cambiais.” (COSTA, 2008, p. 102).
Poucos anos após:
[...]em 1869 o 1º Congresso das Câmaras de Comércio italianas, reunido em Gênova, “acolheu com prazer a proposição de MINGUETE, declarando ser útil e oportuno que o governo tomasse a iniciativa de tratados com os governos estrangeiros para se adotar uma lei cambial universal.” Em 1885 o Congresso Internacional de Direito Comercial, reunido em Antuérpia, Bélgica, discutiu e aprovou um projeto de lei cambial internacional, projeto esse que foi emendado no Congresso de Bruxelas, reunido nessa cidade em outubro de 1888. (MARTINS, 2010, p.33-34).
Contudo é na convenção de Haia que efetivamente começa a discussão sobre adoção de uma lei uniforme, “atendendo a uma convocação do governo holandês, feita em 1908, 35 países, através de representações especiais, se reuniram em Haia, em 1910, para a elaboração de uma lei uniforme sobre a letra de câmbio.” (MARTINS, 2010, p.34).
O Brasil também participou dessa convenção, representado pelo Dr. Rodrigo Otávio, sendo que em 1912 o texto final foi aprovado, criando-se assim um regramento uniforme quanto à letra de câmbio e nota promissória, ressalvando o direito de aqueles participantes alterarem algumas normas gerais em legislações.
Vinte e sete países que participaram das Conferências de Haia assinaram a Convenção sobre o Regulamento Uniforme; entre eles não figuraram, entretanto, a Inglaterra e os Estados Unidos. Cumpre notar que a lei brasileira sobre as letras de câmbio, promulgada em 1908, estava em perfeita harmonia com a doutrina vitoriosa em Haia, o que muito honra a cultura jurídica do país, principalmente os profundos conhecimentos que sobre o assunto tinha o inspirador de nossa lei, Desembargador José Antônio Saraiva. (MARTINS, 2010, p.34).
Embora tenha sido feito todo um esforço para que essa uniformização fosse concluída, na prática poucos países adotaram a regra da Convenção de 1912. Até mesmo o Brasil, “apesar de ter aprovado a Convenção pelo Decreto nº 3756 de 1919, jamais converteu em lei o texto do Regulamento Uniforme.” (MARTINS, 2010, p.34).
Com intuito de positivar a lei de 1912, foi realizada em Genebra (1930) outra Conferência Internacional, tomando por base o texto da primeira lei. Participaram 31 (trinta e um) Estados, que aprovaram uma lei uniforme sobre letra de câmbio e nota promissória, e convencionaram sobre conflito de leis e selos.
Adotaram a Convenção de Genebra: Rússia, Grécia, Brasil, Polônia, França, Suécia, Suíça, Portugal, Japão, Itália, Noruega, Finlândia, Dinamarca, Bélgica, Alemanha e Dantizig.
Estados Unidos e Inglaterra não aderiram a esta convenção, salvo a segunda na parte sobre os selos nas letras de câmbio.
Na letra de câmbio inglesa não constitui requisito essencial a inserção no documento da expressão “letra de câmbio” e uma modalidade especial de causa, a consideration, é requerida para a validade do título. Este só se completa com a sua transferência (delivery). Algumas outras características próprias do sistema jurídico anglo-americano afastam a letra de câmbio do sistema continental. (MARTINS, 2010, p.35).
O Brasil se torna signatário de tal convenção, adotando suas regras7 pelo Decreto 57.663/66, referente à Lei Uniforme, para letra de câmbio e nota promissória, e Decreto 57.595/66, para o cheque8.
O governo brasileiro manifestou a sua adesão às convenções de Genebra, por Nota da Legação, em Berna, datada em 26-8-1942, ao Secretário-Geral da Liga das Nações. Posteriormente ao Congresso Nacional, nos termos do artigo 66, inciso I, da Constituição de 1946, aprovou as Convenções através do Decreto Legislativo nº 54, de 8/9/1964. Finalmente as Convenções genebrinas foram promulgadas pelo poder Executivo mediante os seguintes atos: a) Decreto 57.663/66 publicado no DOU de 31/1/1966 retificado no de 2/3/1966 no que concerne às Convenções sobre letra de câmbio e nota promissória tendo entrado em vigor em 18 de março de 1966; b) Decreto nº 57.595, de 7/1/1966 publicado no DOU de 17/1/1966, relativo às Convenções sobre o cheque, que vigorou a partir de 4/3/1966, tendo sido revogado pela lei 7.357de 2/9/1985 (DOU de 3/9/85. (ROSA JÚNIOR, 2007, p. 15).
Todavia, com a edição do Novo Código Civil em 2002, muitas matérias comerciais foram incorporadas por esta norma, a qual adota a Teoria Italiana da Empresa, nos moldes dos ensinamentos de Alberto Asquini, do artigo 887 a 926 existem normas cambiárias. (ASQUINI, 1943).
Portanto, têm-se no sistema jurídico pátrio diplomas que regulamentam os títulos de crédito como: Decreto 2044/1908, Decreto 57/663/66 (LUG), Código Civil de 2002, além das leis específicas sobre certos títulos, como a Lei das Duplicatas e a Lei do Cheque9.