A circulação de riquezas e os títulos de crédito

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04/10/2016 às 10:02
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3. A principal Função dos Títulos de Crédito.

Pode-se destacar que a principal finalidade dos títulos de crédito esta na circulação de riquezas. O crédito foi buscando se desenvolver de acordo com a necessidade do comércio até que se deu a união com um título, o que proporcionou solidez e segurança nos negócios.

Entretanto, todo desenvolvimento da cártula creditória, até que alcançasse o status atual, se deu principalmente para que as transações comerciais fossem feitas de forma ágil e com a garantia jurídica de concretude que se espera em atos que envolvem valores.

O que se defende é afirmado por vários doutrinadores da área, Tullio Ascarelli traz:

A observação enfim, de que, também relativamente ao crédito, a função dos títulos de crédito, como tomei a liberdade de referir, consiste justamente em facilitar o crédito através da possibilidade da sua circulação.

Vemos que o conjunto da disciplina dos títulos de crédito permite uma circulação de direitos, de outra forma impossível, e que através dessa circulação é que se torna possível um desenvolvimento do crédito, de uma outra forma, talvez irrealizável, chegando-se dessa maneira a uma transformação da própria estrutura econômica da propriedade. (ASCARELLI, 2009, p.47).

Rubens Requião (2012) em seus ensinamentos destaca:

Sem dúvida devido à criação dos títulos de crédito, os capitais, pela rápida circulação, tornam-se mais úteis e, portanto, mais produtivos, permitindo que deles melhor se disponha, a serviço da produção de riqueza. Compreende-se, assim, a enorme importância que adquiriram os títulos de crédito na economia atual, tornando seu estudo um dos pontos altos do moderno direito comercial. (REQUIAO, 2012, p.456).

Luiz Emygdio Franco da Rosa Júnior (2007) também comunga com tal entendimento:

A principal função do título de crédito consiste na sua circulabilidade, permitindo a realização do seu valor mesmo antes de seu vencimento através da operação de desconto, e, por isso, o título de crédito nasce para circular e não para ficar imóvel entre as partes primitivas. Os títulos de crédito desempenham um papel relevante na economia moderna em razão de sua negociabilidade, atuando, por exemplo, no sistema financeiro e como intermediário de crédito entre as instituições financeiras e as pessoas, naturais e jurídicas, que dele necessitam. (ROSA JÚNIOR, 2007, p.47).

José Maria Whitaker (1950) demonstra:

Para que exerçam tal função econômica, é indispensável que os títulos de crédito tenham uma circulação pronta e segura. São as necessidades de circulação que tornam os títulos de crédito inteiramente diferentes dos outros documentos de dívida. (WHITAKER, 1950, p.15).

José Augusto Quelhas Lima Engrácia Antunes (2009) demonstra que o direito português segue o mesmo entendimento:

Os títulos de crédito são assim fundamentalmente, da sua origem à actualidade, instrumentos de circulação indirecta da riqueza, destinados a tornar mais simples, rápida e segura a movimentação de bens e direitos no tráfico jurídico-comercial. Tal significa dizer que, ao lado das formas tradicionais de circulação de riqueza (a entrega do dinheiro, a transmissão de uma mercadoria, a cessão ordinária de um crédito) os títulos de crédito surgem como forma indirecta e alternativa dessa circulação: o dinheiro, mercadoria, ou crédito, no lugar de circularem directamente, são titulados ou representados em documentos que seguem um regime próprio de circulação. (ANTUNES, 2009, p.11)

Giuseppe Ferri (1952), sobre títulos de crédito expõe, "Os títulos de crédito constituem o instrumento mais eficaz e perfeito de mobilização da riqueza e de circulação dos créditos: como tais, esses encontram aplicações gerais no campo das relações privadas, assumindo crescente relevância" (FERRI, 1952, p. 02, tradução nossa)10.

Mario Alberto Bonfanti e José Alberto Garrone (1970) em sua obra dizem:

Em parte, os títulos de crédito constituem um instituto destinado a facilitar a circulação dos direitos; por outra, encontram sua justificativa nas próprias exigências econômicas da circulação dos direitos, evoluindo na medida da mesma.

A objetivação do crédito constitui evidente mérito dos títulos de crédito, tornando, assim, possível uma circulação de direito veloz, simplificada e de certa forma impessoal, com o qual as necessidades comerciais foram notoriamente facilitadas. (BONFANTI; GARRONE, 1970, p.08-09, tradução nossa).11.

Percebe-se que a circulação é elemento fundamental dos títulos de crédito, sua razão de ser, não pode ser considerado documento estático que fique na mão do credor até a data de vencimento.

A função de circulação de riquezas entre os povos não pode ser desconsiderada, pois desde antiguidade representou importância ímpar para sociedade e comércio, principalmente em uma atualidade onde o crédito é instrumento fundamental para assegurar a continuidade empresarial e até mesmo a dignidade das pessoas.

Pelo exposto defende-se que o título de crédito deve sempre ser considerado cártula que gere segurança em todos os níveis sociais, e para que sempre mantenha a importância que lhe fora dada desde a antiguidade, a circulação de riquezas tem que ser compreendida como sua principal finalidade.

3.1. O Endosso: Instrumento que Garante a Circulação de Riquezas

Os títulos à ordem podem ser transferidos via endosso, nessa modalidade de declaração cambial existem duas partes, o endossante sendo aquele que por endosso passa o título a terceiro, denominado endossatário.

O endosso é a declaração cambial lançada na letra de câmbio, ou qualquer título à ordem pelo seu proprietário a fim de transferi-lo a terceiro.

A introdução do endosso, em época que não se conseguiu precisar, constituiu segundo Bonelli o marco mais importante e característico da história da letra de câmbio que, a rigor, deveria se dividir em apenas dois períodos: antes e depois do endosso.

Antes do endosso, época em que a letra era mero instrumento probatório do contrato de câmbio, depois do endosso o título foi lenta e seguramente adquirindo os caracteres que fazem da cambial título de crédito por excelência, o mais seguro instrumento da circulação do crédito. (BORGES, 1977, p.71).

Não existe consenso entre os doutrinadores quanto ao período histórico de aparecimento do endosso, alguns comentam que fora na época das feiras com o “giro-avallo (endosso aval) afirmando que se esta não fosse sua origem seria, a de um instituto análogo [...]” (BORGES, 1977, p.71).

Porém, este não é posicionamento unânime da doutrina, tendo ainda que:

No entender da maioria dos tradistas o embrião verdadeiro do endosso estaria na cláusula à ordem ou outra equivalente com a qual, desde os tempos imemoriais, o direito germânico procura contornar praticamente as dificuldades do princípio romano que vedava a transmissibilidade dos direitos das obrigações a representação processual.

Mas o endosso propriamente dito, teria origem mais próxima nos fins do século XVI, na prática bancária, sobretudo na cidade de Nápoles.

No termo final de sua evolução o instituto do endosso repousa sobre duas normas fundamentais que, introduzidas pelo costume mercantil, foram prestigiadas pela jurisprudência e, afinal, acolhidas nas legislações cambiais: a) a inoponibilidade ao endossatário das exceções pessoais do devedor contra o tomador e anteriores endossatários e b) a responsabilidade pelo pagamento da soma cambial. (BORGES, 1977, p.72-73).

Na legislação pátria se observam importantes diplomas normativos que tratam do endosso, como o Decreto 2044/1908, a Lei Uniforme de Genebra (LUG) e o próprio Código Civil, mas para que não houvesse conflitos entre essas legislações aplica-se aos títulos de créditos (letra de câmbio e nota promissória) as disposições do Código Civil que não conflitem com as da LUG (ao contrário as normas civilistas ficam sem valor frente à da norma genebrina12), e as normas do Decreto 2044/1908 que não conflitem com as do Código Civil e com as normas da Lei de Genebra. (CAHALI, 2013, p.751-871-331).

Sendo certo e unânime que o endosso é o modo de transferência do direito contido no instrumento creditório, vindo o endossante a se responsabilizar solidariamente com os demais obrigados de regresso e em uma letra de câmbio pode vir garantir até mesmo o aceite, salvo quando endossante apõe ressalvas quanto a esse tipo de garantia13.

A forma mais usual de endosso é o “translativo da posse propriedade, aquele pelo qual se opera a substituição do titular do direito por outra pessoa.” (MIRANDA, 2000, 184).

No endosso translativo a obrigação do endossante não é a mesma do obrigado principal, pois enquanto a obrigação do primeiro é indireta, a do criador do instrumento creditório é direta.

Pontes de Miranda sobre endosso e sua translatividade vem afirmar que “o endosso não transfere. O que transfere é a soma: endosso + posse de boa-fé, o endossatário é proprietário da nota promissória.” (MIRANDA, 2000, p.185).

O endosso é abstrato, ou seja, não existe relação entre o endossatário e o negócio que originou a obrigação cambiária pelo endossante.

Cada pessoa que utiliza o endosso dá uma declaração cambiária autônoma, irregularidade existente só pode ser utilizada entre endossante e endossatário, pois se obrigados cambiários anteriores pudessem opor exceções ao endossatário (portador) se estaria frente ao instituto da cessão civil de crédito.

A obrigação do endosso é independente, logo se tornando importante instrumento para garantir a circulação segura do crédito nele contido, bem como um meio para preservar a boa-fé nas relações cambiárias.

O endossatário adquire título e torna-se titular do direito cambiário, ainda que o endossante não tenha tido no momento de endossar a propriedade do título, ou se, o endosso é falso ou falsificado (estando o endossatário, à aquisição, de boa-fé) se era incapaz o anterior endossante. Pode dar-se que a obrigação cambiária válida, como se pode dar que somente valha obrigação da promessa e o direito do endossatário. (MIRANDA, 2000, p.187).

Ao se passar título de crédito a um endossatário, este adquire todas as garantias constantes no título, mas as exceções do emitente ou dos obrigados primitivos não lhe são passadas, vez que no direito do endossatário existe uma autonomia, uma abstração da causa originária, salvo no caso de má-fé, surgindo assim a inoponibilidade das exceções ao terceiro de boa-fé.

Importante destacar que, o endosso não é declaração obrigatória, uma vez que a cambial pode chegar à data do vencimento, somente tendo firmas do emitente e beneficiário, a falta do endosso não invalida a cártula.

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Como requisitos, e seguindo a legislação, verifica-se que o endosso pode ser lançado no verso ou no anverso do título, porém nessas duas hipóteses é recomendável (embora a lei determine que no verso basta a simples assinatura do endossante14) que venha acompanhado de expressão que mostre a vontade de transferir o documento por endosso. Por exemplo, “por endosso a”, “endosso a”, “transfiro por endosso” (juntamente com a assinatura do endossante), ou qualquer palavra que demonstre a intenção inequívoca de transferir o título por essa declaração cambial. Porém, o endosso dado no anverso deve ser completo15, para não se confundir com o aval.

O endosso deve ser puro e simples, afirmação esta que reflete a dicção legal tanto da LUG quanto do Código Civil/0216, assim, mesmo que se justifique a subordinação do endosso a um evento futuro certo, considera-se não válida tal declaração lançada na cártula. Destaca-se ainda não possibilidade de endosso parcial, limitado a uma parte do valor constante no título de crédito, confirma-se o afirmado em virtude dos mesmos artigos que tratam da não subordinação do endosso (12 da LUG e 912 parágrafo único da norma civil, ou seja, é nulo endosso parcial).

A lei autoriza ser lançado o endosso em uma folha anexa desde que assinada pelo endossante.17

O endosso pode ser ainda em preto, ou em branco.

O endosso em preto é aquele que menciona expressamente o nome do endossatário, isto é, do beneficiário do endosso.

No endosso em branco, omite-se o nome do endossatário, limitando-se o endossante a firmar de próprio punho a sua assinatura no verso do título, não obrigando dessa forma os portadores sucessivos. (ALMEIDA, 2007, p. 43).

No endosso em preto tem-se a assinatura do endossante, mais o nome do endossatário, exemplo: “Por endosso, X(assina, endossante) a Y(endossatário)”; no caso do endosso em branco tem-se somente a assinatura do endossante, exemplo: “Por endosso X(assina)”, não inserindo o nome do endossatário. A lei permite a mudança pelo endossatário de endosso em branco para em preto.18

Importante ressaltar que o endosso completa-se com a tradição do título, artigo 910 §2º do diploma civilista “a transferência por endosso completa-se com a tradição do título.”

No que tange à parte de ação por falta de pagamento, mas por ser matéria de endosso, deve-se destacar que uma vez inserido o endosso, o endossante se obriga solidariamente no título com os demais obrigados ou co-obrigados.

Pelo apresentado se verifica que o endosso vem corroborar que a real finalidade dos títulos de crédito esta na circulação de riquezas entre os povos de uma forma segura e rápida.


4. Conclusão

Desde o início dos estudos se demonstrou a evolução que o crédito sofreu, foram mudanças no pensamento social para que um elemento que era pautado apenas na confiança se transformasse em instrumento condensado em um título, uma cártula, ou seja, agora se tem o crédito confirmado através de um documento.

Mesmo com essas evoluções não se pode esquecer que desde a junção do crédito com o título gerando os títulos de crédito, a finalidade circulatória sempre estivera presente. Em um primeiro momento para evitar as diversidades de moedas existentes e evitar os saques que aconteciam entre as cidades.

Com o desenvolvimento do comércio os títulos de crédito precisam evoluir, assim com esse intuito adotam uma lei que seja comum a vários povos, tendo uma reunião final em Genebra para tanto. Logo, a Convenção de Genebra adota uma norma Uniforme sobre as cambiais, a qual no Brasil é inserida pelo Decreto-Lei 57.663/66, a Lei Uniforme de Genebra. Cabe ressaltar que a finalidade circulatória foi o principal fator para essa Convenção, pois permite que os títulos de crédito agora circulem entre os países signatários com maior facilidade e segurança.

Dessa forma defende-se que os títulos de crédito não podem somente serem considerados instrumentos estáticos simplesmente emitido por devedor e entregue a um credor que o guarde até a data de vencimento, os títulos de crédito, desde seu nascedouro vieram para circular, principalmente quando se permite sua transferência via endosso.

Vislumbrado essa finalidade circulatória os títulos de crédito terão sua finalidade secular alcançada e com grande certeza podem trazer grandes benefícios para o comércio e sociedade.

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Sobre o autor
Aluer Baptista Freire Júnior

Pós-Doutor em Direito Privado-PUC-MG.Doutor em Direito Privado e Mestre em Direito Privado pela PUC-Minas. MBA em Direito Empresarial, Pós Graduado em Direito Público, Penal/Processo Penal, Direito Privado e Processo Civil. Professor de Graduação e Pós Graduação. Coordenador do Curso de Direito da Fadileste. Editor-Chefe da Revista REMAS - Faculdade do Futuro. Advogado. Autor de Livros e artigos.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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