4.Considerações Finais: a reintrodução da crítica jurídica
O fato de o cooperativismo não atuar em defesa do trabalho, mas do dinheiro, não o desqualifica como mecanismo de resistência social que eventualmente, mas não exclusivamente, atenda às pretensões emancipatórias da classe trabalhadora, embora o faça, como já se viu, pela via da superação do assalariamento[20]. As cooperativas de mão-de-obra, profissionais ou de serviço, ao contrário, não podem nem mesmo ser consideradas como manifestações de autoproteção da sociedade.
Em alguma medida, as conspirações contra o liberalismo miram sempre o desnudamento da ficção mercantil da terra, do trabalho e do dinheiro. No caso das cooperativas de serviço, dá-se justamente o contrário: a confirmação da lógica do trabalho-mercadoria.
Ainda pior é o fato de que, obedecendo aos mecanismos do mercado, a ação do cooperativismo de trabalho, na modalidade de prestação de serviços, isola-se no propósito de facilitar a obtenção de trabalho, pela via da oferta eficiente da mão-de-obra associada. Incapaz de provocar uma “falha de mercado” que favoreça seus cooperados, a posição de vantagem das cooperativas de serviço, no âmbito do mercado de mão-de-obra, só se sustenta à custa do preço atraente do trabalho oferecido a terceiros. Submeter esse trabalho ofertado ao menor preço possível determina, portanto, o desempenho dessas cooperativas.
As cooperativas de trabalho, da espécie “serviços”, enquanto mecanismo de autoproteção social, é uma impossibilidade ontológica. Sua única ligação com os princípios herdados dos pioneiros de Rochdale é, se tanto, a autogestão. A experiência brasileira, no âmbito da práxis do cooperativismo de serviços, caracteriza-se pela inserção de trabalhadores no mercado de trabalho à margem do garantismo constitucional trabalhista (SILVA, 2011). Se por um lado a resistência promovida pelo nosso sistema jurídico freou o ímpeto precarizante do emprego, impulsionado pela alteração da CLT, por outro consolidou os elementos objetivos que serviram de suporte para a ação institucional de defesa dos trabalhadores, mas que passam ao largo de qualquer reflexão sobre a ontologia do cooperativismo de trabalho[21].
A lei 12.690/12 propôs ajustes em sintonia com o discurso jurídico de resistência à precarização do emprego. Tais ajustes visaram satisfazer as exigências impostas pelos princípios do cooperativismo objetivados pelo direito. No particular, o princípio da “retribuição pessoal diferenciada”[22], supostamente uma medida de ascensão social proporcionada pelo cooperativismo.
Mas ao fazê-lo, a lei 12.690/12 consolidou um modelo de inserção do trabalhador no mercado de trabalho à margem da proteção do emprego. Um modelo regido pela lógica do trabalho-mercadoria; a prevalência do direito ao trabalho, em detrimento do direito do trabalho.
É possível que a obrigatoriedade de incorporar certos direitos típicos da relação de emprego às retiradas dos associados (art. 7º da Lei 12.690/12) arrefeça o ímpeto do uso fraudulento das cooperativas, tirando de cena a única falha de mercado provocada por esta espécie de cooperativismo: o dumping “social”. Contudo, a supremacia da retribuição pessoal ofuscou outros princípios, em especial os relacionados à affectio societatis, obnubilando as demonstrações objetivas do animus cooperativista, como o delito de marchandage (Maillard et alli apud Boltanski, 2009). Isto significa que, no âmbito do cooperativismo, apenas a dinâmica da prestação de serviços deve constituir objeto de análise das instituições de controle estatal. Mas nesse aspecto, o nível de exposição das cooperativas de serviços perante o Judiciário, ou a Inspeção do Trabalho, não as diferencia de qualquer empresa de prestação de serviços.
Mas se o “encarecimento” da remuneração dos associados cria um obstáculo à constituição de cooperativas de fachada, o acesso destas aos certames licitatórios, que visam à prestação de serviços à Administração Pública (art. 10, § 2º, da Lei 12.690/12), as coloca em posição de vantagem frente às sociedades empresárias, no que tange aos sempre cobiçados espaços de convivência com os gestores públicos. Contrariou-se a tese bem fundamentada por Carelli (2002), baseada no princípio constitucional da isonomia, não apenas em virtude da exceção do sistema de proteção do emprego, mas do regime fiscal diferenciado.
Se o télos do cooperativismo, em especial o de trabalho (serviços), não condiz com qualquer pretensão emancipatória do trabalhador, a análise jurídica identifica na Lei 12.690/12 a possibilidade de consolidação de um estrato ocupacional a que Supiot chama de “emprego subvencionado” (BOLTANSKI, 2009, p. 255). A título de proteger o trabalhador cooperado, a regulamentação das cooperativas de trabalho incorporou uma série de exigências formais, que incrementam o rendimento do trabalho, além de vedações categóricas, como o uso de cooperativas de trabalho para intermediação de mão de obra, como se tais vedações já não estivessem incorporadas na fundamentação das decisões judiciais e administrativas.
Em verdade, tais ajustes diminuem a importância dada ao exame do animus associativista, e o incremento do custo de “manutenção” dos associados parece ser a contrapartida à inclusão da parassubordinação ao rol positivado das novas e precárias formas de trabalho no Brasil.
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Notas
[1] A expressão “terciarização”, a despeito da semelhança, distingue-se da “terceirização”. Esta, como se sabe, traduz entre nós as várias facetas do outsourcing, enquanto que aquela remete ao deslocamento de diversas atividades situadas anteriormente no setor secundário (indústria), para o terciário (comércio e prestação de serviços). No âmbito das representações das categorias profissionais no Brasil, verifica-se este fenômeno pela flagrante discrepância, por exemplo, com a nomenclatura “padrão” dos sindicatos de trabalhadores da construção civil, atividade considerada uma subespécie da prestação de serviços, inclusive para efeitos estatísticos (CAGED/MTE), que ainda obedecem à estratificação prevista no quadro a que se refere o art. 577, CLT: “Indústria da Construção e do Mobiliário”.
[2] A denominação é usada para recortar o período situado entre 1978 e 1989 (Schürmann, 1998), considerado um episódio raro de autonomização e espontaneidade na história sindical brasileira, que se caracterizou pela incorporação do discurso político pró-democracia, pela revisão da estrutura sindical herdada do corporativismo estadonovista, pela criação das centrais sindicais, e pela cisão do movimento operário em função das estratégias de luta, distintas em relação ao grau de aproximação com o Estado.
[3] No Brasil, a relação de emprego se configura a partir de uma condição “de fato”, seguindo a lição da Mário de La Cueva. Essa relação sócio-jurídica é considerada um tipo de contrato-realidade, sendo que os polos: empregado e empregador estariam unidos por um liame compromissário denominado subordinação jurídica. O poder empregatício (PORTO, 2009) impresso na subordinação jurídica seria, então, determinante para identificar o que tanto Boltanski, quanto Supiot chamam de “empregador real”, personagem sobre o qual (deve) recair a responsabilidade pelo atendimento dos direitos trabalhistas do empregado. A legislação trabalhista brasileira impõe que o empregador real coincida com o empregador formal do contrato de trabalho. A contratação por interposta pessoa é proibida no Brasil justamente por representar a transferência do poder empregatício para alguém distinto da figura jurídico-formal do empregador. Nesse sentido, o contrato temporário (Lei 6.019/74) seria a única exceção à regra do empregador real, razão pela qual sua utilização ainda é bastante restrita por aqui.
[4] Segundo tal distinção, a terceirização lícita implicaria na transferência, para uma contratada (prestadora de serviços), de atividade ou setor da empresa contratante que não coincidisse com sua “atividade-fim”. Nesse sentido, não se poderia, por exemplo, terceirizar os motoristas de uma empresa de transportes, os médicos de um hospital ou os professores de uma escola.
[5] Trata-se da lei que dispõe sobre a organização e o funcionamento das Cooperativas de Trabalho; institui o Programa Nacional de Fomento às Cooperativas de Trabalho - PRONACOOP; e revoga o parágrafo único do art. 442 da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT.
[6] Expressão usada pelo Deputado Chico Vigilante, na relatoria do projeto na Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público.
[7] A CLT exclui da limitação da jornada de trabalho os trabalhadores que realizam serviços externos, desde que sejam incompatíveis com a fixação da jornada, além dos que exercem cargos de gestão que os assemelhem à própria figura do empregador.
[8] Segundo dados do CAGED. Conferir em: http://bi.mte.gov.br/bgcaged/caged_perfil_municipio/index.php. A comparação feita com número de empregos em 2014 é, de fato, desproporcional, pois é um dado comprovado que a partir da virada do milênio o nível de emprego no município de Resende sofreu um incremento notável, visto que a região contígua ao município de Porto Real se tornou um importante polo automobilístico, assimilando, ainda em 2012, mais de seis mil empregados, segundo dados da FIRJAN.
[9] A jurisprudência construiu o entendimento de que os contratos de trabalho firmados com menores de 16 anos, embora nulos de pleno direito, produziriam reflexos no mundo jurídico, inclusive frente ao sistema previdenciário (DELGADO, 2007).
[10] Conferir artigo publicado por Paul Singer, publicado em 16 de julho de 2012, na Folha de São Paulo. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/54751-vida-nova-para-as-cooperativas-de-trabalho.shtml. Acesso em: 18.12.2012.
[11] Convém aqui fazer um importante registro. A superação do assalariamento diz respeito ao cooperativismo invocado como forma de empreendedorismo coletivo e autogerido, cujo discurso, salvo a experiência das SCAs/MST, não costuma prevalecer entre as representações de trabalhadores, pois foi apropriado pelas representações dos interesses empresariais, com destaque para o microempresariado, cujas ações em seu favor no Brasil são protagonizadas pelo SEBRAE. No caso do cooperativismo de produção, a associação para aquisição de insumos, aperfeiçoamento da oferta e/ou beneficiamento de produtos, por pressupor o domínio da terra, exclui naturalmente o assalariamento. No caso do cooperativismo de consumo, que com o passar do tempo se especializou enormemente (crédito, habitação, automóveis etc), o traço empreendedor estará condicionado à projeção da oferta de produtos para a comunidade, o que supõe o caráter permanente da affectio societatis, pois a manutenção do negócio dependerá da reintrodução constante dos recursos capitalizados e incrementados das sobras líquidas obtidas.
[12] Em termos teleológicos, o cooperativismo se orienta para a melhoria das condições de vida do indivíduo, independentemente do seu locus na estratificação socioprofissional que define uma sociedade de classes. Um pequeno proprietário de terra e um operário de fábrica podem se inserir no esforço cooperativista, e ainda assim não se poderia afirmar que, imediatamente, tal esforço venha etiquetado como uma forma de defesa da terra ou do trabalho. Isto não significa, contudo, que a coletivização do trabalho não seja, em si mesma, uma forma de negar a sua mercadorização, na medida em que proscreve o trabalho alienado. Mas sob a perspectiva dos modelos de defesa social, a inalienação do trabalho coletivo parece estar mais relacionada à arquitetura do empreendimento cooperativista, do que a um suposto télos calcado no direito de resistência da classe trabalhadora.
[13] O volume desse reinvestimento pode suscitar a diversificação do ramo de atividade, da produção agrícola para a agroindústria, por exemplo.
[14] A lei geral do cooperativismo brasileiro (5.761/71), a despeito de excluir o propósito do lucro (art. 3º) e a distribuição de benefícios às quotas-partes, salvo a correção monetária do capital investido (§ 3º, art. 24), emprega o conceito de “sobras líquidas do exercício” (art. 28) para admitir a constituição de fundos, e a devolução das sobras aos associados (IV, art. 21). Por sua vez, dada a natureza do objeto das cooperativas de serviço, a Lei 12.690/12 se refere expressamente às “retiradas” dos associados (art. 7º, I), hipótese não vedada pela Lei 5.761/71.
[15] De fato, a “preocupação com a comunidade” é o sétimo princípio cooperativista elencado no estatuto da associação de Rochdale.
[16] A esse respeito, vale o registro de que a tese da responsabilidade patronal sobre os danos causados aos trabalhadores, durante o seu tempo de empregado, já se consolidara na Inglaterra desde 1897, com o Workmen’s Compensation Act.
[17] Registre-se que o Decreto nº 1.637/1907, que regulamentava a criação de sindicatos profissionais, também regulava a criação e funcionamento das sociedades cooperativas.
[18] Aqui a referência é com as corporações de ofício, que a despeito de corresponder a um tipo de organização do trabalho pré-capitalista, eram relativamente eficazes em amortecer as flutuações do valor do trabalho tomado por terceiros. Isto era possível por conta dos mecanismos de retenção da expertise profissional dentro das corporações, o que criava nichos de atuação exclusiva, algo que era facilitado, de fato, pela compleição estamental da sociedade feudal.
[19] Não considero que os modelos de sindicalismo que admitem o “estabelecimento fechado” (closed shops), ou outros sistemas que garantem a contratação exclusiva de trabalhadores sindicalizados, se estabeleçam como formas de interferência no mercado de trabalho, produzindo falhas semelhantes as que são identificadas em cenários monopolistas. Primeiramente, porque o estabelecimento fechado não exclui o acordo para fixação dos salários, não sendo, pois, resultado de uma determinação unilateral e irresistível das representações de trabalhadores. Em segundo lugar, porque tais sistemas resultam de formulações positivadas através da legislação estatal, e não propriamente da qualidade das intervenções supostamente provocadas no mercado de trabalho, através da mobilização dos trabalhadores. Em terceiro, consectário lógico da objeção anterior, a contratação compulsória de trabalhadores sindicalizados, a julgar pelas experiências semelhantes no Brasil, está longe de garantir a unidade e fortaleza dos “trabalhadores em ação” (VIANA, 2005).
[20] V. nota nº 10.
[21] Um dos princípios objetivados pelo direito é o “princípio da dupla qualidade”. Em essência, a negação do trabalho alienado impõe ao status de cooperado uma subjetividade de duplo aspecto: individual e coletiva. O trabalho do associado é realizado em favor de si próprio, mas também do seu “alterego coletivo”: a cooperativa (ASSUMPÇÃO; ANDRADE, 2014). Por esta razão, não se poderia conceber que os frutos desse trabalho não sejam apropriados integralmente por esse sujeito complexo. No entanto, o esforço de objetivação do discurso jurídico, certamente inspirado pelos termos do art. 4º da Lei 5.764/71, reduziu o princípio da dupla qualidade a uma relação de clientela. Nesse sentido, o princípio da dupla qualidade estaria atendido se na medida em que o cooperado presta serviço para a cooperativa, a cooperativa também lhe presta serviços.
[22] Também em essência, trata-se dos efeitos, em favor dos associados, da atuação da cooperativa enquanto mecanismo de resistência social. No particular, como defesa à mercadorização do dinheiro. No âmbito do cooperativismo de trabalho, o atendimento ao princípio da retribuição pessoal diferenciada tomou como parâmetro o sistema de garantias da relação de emprego. Na prática, tal medida se limitava a uma comparação entre o retorno financeiro do trabalhador cooperado, e o piso salarial da categoria profissional correspondente, fixado em instrumento normativo.