Uma breve Pax Romana do Brasil

10/10/2016 às 09:03
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Além de ter chegado ao poder através de uma fraude, Michel Temer está fazendo os padrões governamentais brasileiros retroagirem ao século I d.C.

Durante uma década e meia e a imprensa e o PSDB criticaram um suposto aumento crescente dos gastos públicos em razão dos programas sociais dos governos Lula e Dilma. Após o golpe de estado disfarçado de Impedimento, ambos passaram a apoiar o desmantelamento do “Estado de bem-estar social” como se Michel Temer estivesse reduzindo as despesas estatais. Ledo engano.

Michel Temer pode ter interrompido os programas sociais, mas ele aumento os gastos públicos. Segundo dados divulgados pela imprensa, o novo governo vai gastar 67,8 bilhões com o reajuste dos servidores, 50 bilhões com a renegociação das dívidas dos Estados e alguns bilhões com propaganda. O aumento da taxa de juros transferirá centenas de bilhões de reais do tesouro para os bancos e investidores privados.

É evidente, portanto, que o governo apenas modificou as prioridades do Estado brasileiro. O que era gasto com a população de baixa renda será gasto com servidores, empresas de comunicação, banqueiros, investidores e para garantir apoio ao novo regime por parte dos governadores dos Estados-membros endividados. O aumento de gastos públicos não resultará numa melhoria de vida para a população, mas num incremento da riqueza dos mais ricos.

Em troca dos direitos que revogou (Mais Médicos, Farmácia Popular, Ciência sem Fronteiras, FIES, Minha Casa Minha Vida, etc...) e que pretende revogar ou rebaixar (CLT, benefícios previdenciários, salário-mínimo etc…), Michel Temer criou um programa de esmolas que será gerenciado pela esposa dele. O fato da mocinha não ter experiência administrativa é irrelevante, pois o programa só tem uma finalidade: produzir as imagens que serão utilizadas para emocionar o respeitável público.

Sob o comando de Michel Temer e sua dileta esposa, o Estado brasileiro deixará de assegurar direitos sociais abstratos que visam distribuir renda, sustentar o consumo interno e criar oportunidades de crescimento pessoal. Através de sua esposa, o presidente eleito de forma indireta que gosta de se comparar a Carlos Magno passará a ser um típico evérgeta romano. Isto explica o nome que foi dado a este ambicioso ensaio.

Ao estudar profundamente a Pax Romana, Paul Petit notou que:

“Mesmo em tempos normais, o povo cometia poucos excessos de mesa: este o motivo da satisfação quando os evérgetas, por ocasião de festas, de aniversários e também de eleições, ofereciam banquetes ou criavam fundações destinadas a melhorar de vez em quanto o comum. Curiosa prática, que permitia aos pobres uma espécie de 'retomada individual' da fortuna dos grandes, e estendia a toda uma população o princípio do protecionismo alimentado pela espórtula. Também se distribuía dinheiro ao povo, e o que os imperadores faziam em Roma, os ricos burgueses faziam em suas cidades. Mas, aos nossos olhos, o valor social desta prática é atenuado pelo fato, verificado com frequencia de que cada um recebia uma soma determinada por sua posição na sociedade, cabendo aos mais humildes uma soma menor que aos mais abastados, em virtude de uma tendência então generalizada para a hierarquização social, mesmo no seio de uma comunidade aparentemente solidária.” (A Paz Romana, Paul Petit, Edusp, São Paulo, 1989, p. 168/169)

A semelhança entre a estrutura governamental romana e aquela que Michel Temer e seus clones municipais pretendem impor ao Brasil encontra sua chave na expressão “hierarquização social” que eu destaquei no texto de Paul Petit. O fenômeno não é novo no Brasil.

Numa democracia que concede direitos sociais à população a hierarquia tradicional se torna frágil. Isto ocorre basicamente por dois motivos: as pessoas não precisam mais pedir favores e se submeter aos poderosos; em razão do acesso à educação, elas mesmas começam a disputar espaços que antes eram privativos dos mais abastados. Nesse sentido, se torna perfeitamente compreensível o discurso de Michel Temer de que com a chegada dele ao poder a crise acabou. Afinal, a crise da classe média alta era justamente o temor de ver seus filhos disputando cargos, salários e prestígio com os filhos dos pobres que chegaram à universidade com ajuda de Lula e Dilma Rousseff. Ao destruir o Estado de bem-estar social, Temer dá à classe média tradicional a segurança de que ela não perderá status em razão do sucesso previsível daqueles que sairiam das classes mais baixas.

Desde 2002 a “hierarquização social” estava sendo contrariada pelos eleitores brasileiros. Isto explica como e porque o Judiciário foi convocado a restaurá-la a pedido do PSDB. Também explica o fato da maioria esmagadora dos Juízes ter se posicionado a favor do golpe de 2016. A reação à democratização do país provocou um dos aspectos mais deprimentes da realidade judiciária atual: enquanto os petistas são ilegalmente perseguidos, condenados e encarcerados (não necessariamente nesta ordem) os tucanos e peemebistas que cometeram os mesmos crimes ou crimes até mais graves nem são incomodados (caso de José Serra, Aloysio Nunes, Aécio Neves, Alexandre de Moraes, Michel Temer e outros).

A Pax Romana não foi capaz de impedir a decadência e queda de Roma. Esta é uma lição de História que, ao que tudo indica, os donos do Brasil não foram capazes de aprender. Em breve veremos como eles reagirão quando o regime que eles criaram começar a ser sacudido e destruído pelos novos bárbaros.

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Sobre o autor
Fábio de Oliveira Ribeiro

Advogado em Osasco (SP)

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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