A audiência de custódia na República Federativa do Brasil

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Até que ponto seria salutar continuarmos a discutir aspectos relativos à natureza supralegal ou ordinária desses Tratados, quando de fato sua problemática se insere num campo muito mais complexo: a vida, direitos e a dignidade da pessoa humana?

RESUMO

O presente trabalho tem por escopo fazer uma análise acerca das “Audiências de Custódia” na República Federativa do Brasil. Para tanto, serão consideradas correntes doutrinárias e jurisprudenciais sobre o tema. Audiência de Custódia será vislumbrada enquanto, audiência dirigida à prevenção de tortura, humanização e as garantias constitucionais do Sistema Penal. Afinal, por que ainda relutamos em aplicá-la no sistema penal brasileiro? Não bastaria a adesão ao Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e a Convenção de San José da Costa Rica? Até que ponto seria salutar continuarmos a discutir aspectos relativos à natureza supralegal ou ordinária desses Tratados, quando de fato sua problemática se insere num campo muito mais complexo e importante: a vida, direitos e a dignidade da pessoa humana?

 

PALAVRAS-CHAVES: Audiência de Custódia; Garantias Constitucionais; Pacto San José da Costa Rica; Humanização; Código de Processo Penal.

ABSTRACT

 

This work has the scope to make an analysis about the "Hearings Custody" the Federative Republic of Brazil. To do so will be considered doctrinal and jurisprudential currents on the subject. Custody hearing will be glimpsed while court hearing on the prevention of torture, humanization and constitutional guarantees of the penal system. After all, why still reluctant to apply it in the Brazilian penal system? Not enough adherence to the International Covenant on Civil and Political Rights and the Convention of San José, Costa Rica? To what extent would be beneficial to continue to discuss aspects of supra-legal or common nature of these treaties, when in fact their problem is part of a much more complex and important field: life, rights and dignity of the human person?

 

KEYWORDS: Custody Hearing; Constitutional guarantees; Pact San José, Costa Rica; Humanization; Criminal Procedure Code.

 

INTRODUÇÃO

 

O crescente aumento da população carcerária e do desrespeito as garantias constitucionais dos indivíduos têm alertado nas últimas décadas inúmeros entes políticos sobre a real natureza e importância dos Estados Democráticos de Direito no combate a repressão e a violência.

E conquanto tenhamos perpassado uma difícil fase durante as Guerras Mundiais, sobretudo, quanto aos nefastos efeitos deixados pela Segunda Guerra, ainda hoje buscamos inserir nos ordenamentos jurídicos instrumentos de proteção e garantia de direitos.

E considerando tal pretensão na busca por novos elementos de proteção e garantia, é que se inseriu nos últimos meses, embora, fosse um instrumento cujas nuances já estivessem previstas em Tratados aos quais já aderimos há alguns anos, a discussão sobre os benefícios das Audiências de Custódias na República Federativa do Brasil.

Neste aspecto, o presente trabalho, objetivando discutir o assunto discorrerá sobre o tema em três capítulos. No primeiro deles, abordando a natureza jurídica e as finalidades das Audiências de Custódia e as Garantias Constitucionais. No Segundo, a previsão similar na Convenção de San José da Costa Rica (Convenção Americana de Direitos Humanos), e no Pacto Internacional Sobre Direitos Civis e Políticos, dos quais a República Federativa do Brasil é signatária. E no terceiro e último, salientando a problemática levantada por aplicadores do Direito no que tange a falta de previsão no Código de Processo Penal brasileiro e a natureza jurídica dos Tratados em apreço.

Afinal, o que fazer quando o Código de Processo Penal não prevê esse instituto? Qual a real natureza desses Tratados? Até que ponto é salutar continuarmos a discutir isso, quando o que nos parece mais importante são os aspectos envoltos a vida, os direitos, a dignidade humana e a justiça?

 

1.                  AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA E AS GARANTIAS CONSTITUCIONAIS DO PROCESSO PENAL

 

1.1              DEFINIÇÃO E CONCEITO DE AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA

 

 

Considerando que nossa pretensão se volta à análise das Audiências de Custódia na República Federativa do Brasil, convém que façamos nesse primeiro momento uma breve colocação acerca das particularidades desse instituto, iniciando por sua definição e conceito.

O termo “custódia” tem suas origens deitadas no berço latino e segundo Paiva (2015, s/p), expressariam o ato de guardar, de proteger, cujos matizes são velhos conhecidos da história penal, sobretudo, nos períodos da monarquia.

E partindo de tais pressupostos de guarda e proteção, é que as Audiências de Custódia ganhariam forma e conteúdo nos manuais e jurisprudências pelo mundo afora, especialmente, no que tange as garantias constitucionais elencadas nas Constituições e a realidade dos sistemas penitenciários. 

Na República Federativa do Brasil, embora conteúdo semelhante fosse previsto nos Tratados Internacionais aos quais aderiu pacificamente, sua visualização só se faria notar com o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5.240/SP, sendo mais tímida. Frise-se ainda, que na data do julgamento da referida ação fora ventilada a hipótese de uma nomenclatura diversa semelhante aquela empregada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente; eis uma “Audiência de Apresentação”.

Controvérsias terminológicas a parte, a doutrina passou a definir as “Audiências de Custódia” como aquelas consistentes na condução do preso sem demora á presença de autoridade judicial, a fim de exercer um controle imediato da legalidade e da necessidade da prisão, bem como para apreciar outras questões, sobretudo, as referentes á pessoa do cidadão, aos maus tratos e a tortura, após prévio contraditório estabelecido entre o Ministério Público e a defesa. (PAIVA, 2015, s/p).

Em outras palavras, tratar-se-ia de uma audiência que ao permitir o contato de forma mais rápida e efetiva do acusado preso com a autoridade judiciária oportunizaria a resolução de questões que a rigor levaria anos e, ou, meses para serem salientadas, principalmente, os erros, questões de legalidade da prisão, necessidade de mantença da prisão e a humanização.

Neste aspecto, salienta Maria Laura Canineu ao comentar o assunto que:

(...) quando é presa, uma pessoa tem o direito de comparecer imediatamente perante um juiz. Trata-se de um princípio fundamental e de longa data do direito internacional. Ele é crucial para garantir que a prisão, tratamento e permanência da pessoa em detenção ocorram dentro da lei. (CANINEU, 2013, p. 03).

 

 

Assim, a Audiência de Custódia imprime-se como o instrumento zelador das garantias constitucionais e internacionais assumidas pela República Federativa do Brasil, transpassando as fronteiras de mera análise da legalidade e necessidade de prisão. Seu cunho é assim, intimamente social e humano.

1.2              AS FINALIDADES DA AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA 

Perpassada a análise acerca do conceito e definição das Audiências de Custódia, cujos aspectos como vimos são de cunho doutrinário e nos remetem a história penal, neste tópico, passaremos a exposição de suas finalidades na República Federativa do Brasil.

Contudo, anteriormente é importante frisarmos o caos vivenciado pelo sistema penal e penitenciário brasileiro, que segundo os professores Lopes Júnior e Paiva (2014, s/p), nos mostram dados oficiais preocupantes e de certa forma gritantes; eis uma população carcerária que atinge o impressionante número de 711.463.000 presos e é hoje a terceira maior do mundo.

No mais, alertam-nos ainda que as prisões são hoje no cenário jurídico brasileiro protagonistas que não permitem  participações, contando apenas com a figuração de algumas cautelares, apesar de ser a Lei 12.403/2011, voltada a colocação da prisão em última ratio.(LOPES JÚNIOR; PAIVA, 2014, s/p).

Uma população carcerária grande e a crise de identidade das prisões somadas à realidade financeira e institucional da sociedade e do Estado reflete que o caos vivenciado não é apenas contingencial, mas de todo um sistema falho. E é neste cenário que a Audiência de Custódia com o objetivo de garantir o contato da pessoa presa com a autoridade judicial no prazo mínimo, traz um ou mais resultados jurídicos e relativos à pessoa do acusado preso, senão vejamos.

Segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), juridicamente a Audiência de Custódia poderá promover o relaxamento da prisão, quando esta for ilegal; a concessão de liberdade provisória, com ou sem fiança; a conversão da prisão em flagrante em prisão preventiva, se necessário; a substituição da prisão em flagrante por medidas cautelares diversas; a análise da consideração de cabimento da mediação penal, evitando assim, a judicialização do conflito e corroborando para a prática restaurativa. (CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, 2015).

Como se denota no plano jurídico sua finalidade se voltaria a antecipar as medidas que poderiam ser realizadas geralmente apenas após as primeiras audiências penais, cujos períodos a depender das regiões brasileiras variam muito em termos de meses e anos.

Frise-se, contudo, que sua finalidade não ficaria apenas adstrita a antecipação de tais medidas, pois uma vez realizada os benefícios para o sistema penitenciário e penal poderiam ser maiores, inclusive, concedendo a liberdade de indivíduo que estivesse preso. Neste sentido, a Defensoria Pública do Estado de São Paulo (2014, p. 02), elenca alguns deles, a saber: o combate a superlotação carcerária; a inibição ao tratamento cruel, desumano e principalmente, a tortura; o respeito as garantias constitucionais;  o reforço ao compromisso brasileiro com os Direitos Humanos; a inserção da demanda social em iniciativa legislativa; a renovação das credenciais da República Federativa do Brasil no cenário internacional; a adequação do ordenamento jurídico interno para o cumprimento de obrigações internacionais e o reforço a integração jurídica latino americana, onde é chamada de “Juizados de Garantia”.

Logo, as finalidades da Audiência de Custódia permeiam não apenas as garantias e direitos do acusado preso, mas contribuem também para “desafogar” o sistema penitenciário brasileiro hoje tão afetado pela crise institucional e social.

1.3 GARANTIAS CONSTITUCIONAIS DO PROCESSO PENAL

Transcritas algumas considerações acerca das finalidades da Audiência de Custódia na República Federativa do Brasil, a seguir, comentaremos brevemente as garantias constitucionais do Processo Penal previstas na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

Segundo o professor José Cirilo de Vargas (1992, p.49), garantias são normas jurídicas, quer sejam de leis positivas ou de preceitos constitucionais, que asseguram o gozo dos direitos e preservam o indivíduo contra o extravasamento do legislador, do juiz e dos órgãos executivos e que no campo processual penal se relacionam com a jurisdição, as partes, as provas e o processo.

No que tange a jurisdição, minimamente as garantias devem englobam o julgamento por um juiz natural, integrante do Poder Judiciário e investido conforme os ditames legais, não se admitindo juízos ou tribunais de exceção, nos termos da norma do artigo 5º, XXXVII.  Ainda, dotado de independência e imparcialidade, consoante as vedações transcritas na norma do artigo 95, e que cumpra o preceito relacionado a motivação de suas decisões, observada a exceção das proferidas pelo Tribunal do Júri.

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 Igualmente, a propositura de ação penal deve atender ao princípio do promotor natural, que assim como o juiz é dotado de independência funcional e está adstrito a investidura através de concurso público de provas e títulos. No mais, as garantias afetas a jurisdição também inserem em seu bojo o duplo grau de jurisdição possibilitando que as partes recorrem da decisão nos prazos fixados em lei; a reformatio in pejus, que proíbe a reforma das decisões de modo a prejudicar o recorrente e a efetividade das decisões, consubstanciada pela coisa julgada.

Referentes às garantias ligadas as partes infimamente citam-se: a igualdade ou paridade de armas, transcrita na norma do artigo 5º, I, a ampla defesa prevista no inciso LV, da norma do artigo 5º; a garantia de ser informado pessoalmente da acusação; a autodefesa; a defesa técnica; a proibição de cerceamento de defesa; a não auto-incriminação e o contraditório.

Extremamente importantes na condução do processo de forma justa, tais garantias expressam da mesma forma a necessidade de que as partes sejam tratadas igualmente para que o fim almejado seja alcançado sem incorrer em erros, injustiças e desproporcionalidades. (VARGAS, 1992, p.49).

Tratando-se das provas, as garantias mínimas dirão respeito à inadmissibilidade de provas obtidas por meios ilícitos e que, frise-se, não era prevista em nossas outras Constituições; o ônus da prova incumbido à acusação, pois ninguém pode ser considerado culpado até o trânsito em julgado da decisão, questão que hoje é interpretada de outra forma pelo Supremo Tribunal Federal; e a identidade física do juiz, que ao examinar os fatos e as provas manifestará o seu livre convencimento motivado.

Por fim, atinente ao processo as garantias constitucionais do Processo Penal se voltarão à elucidação de um processo público, visto que o sigilo é exceção; conforme enumeram as normas dos artigos 5º, inciso LX e 93, IX, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, e a um processo sem dilações indevidas.

Assim, as garantias constitucionais do Processo Penal brasileiro minimamente devem ofertar ao indivíduo um tratamento digno e dentro das nuances que envolvem o devido processo legal, sem prejudicar ou auxiliar indevidamente um ou outro sujeito de direito.

2.                  A AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA E OS INSTRUMENTOS INTERNACIONAIS DE SAN JOSÉ DA COSTA RICA (CONVENÇÃO AMERICANA DE DIREITOS HUMANOS) E O PACTO INTERNACIONAL SOBRE DIREITOS CIVIS E POLÍTICOS

Sopesadas as particularidades da Audiência de Custódia e as garantias constitucionais mínimas do Processo Penal brasileiro, a seguir, discorremos sobre previsão análoga na Convenção de San José da Costa Rica (Convenção Americana de Direitos Humanos), e no Pacto Internacional Sobre Direitos Civis e Políticos, dos quais a República Federativa do Brasil é signatária.

E considerando as similitudes e diferenças existentes entre os instrumentos, é oportuno que anteriormente a exposição do assunto principal se faça uma breve colocação acerca de suas identidades e contextos históricos.

A Convenção de San José da Costa Rica, comumente conhecida como Convenção Americana de Direitos Humanos, é um instrumento internacional datado de 22 de Novembro de 1969, e assinado na Conferência Especializada Interamericana de Direitos Humanos em San José, na Costa Rica, sendo aderido em nosso espaço jurídico retardadamente em 25 de Setembro de 1992, com algumas restrições interpretativas no que tange aos artigos 43 e 48, alínea “d”. (MOREIRA, 2015, s/p).

Basicamente, trata-se de um instrumento internacional voltado a promover a observância e defesa dos direitos humanos, considerando o seu propósito de consolidar um regime de liberdade pessoal e de justiça social.

O Pacto Internacional Sobre Direitos Civis e Políticos, por sua vez, é datado de 1966, remetendo-nos a questões econômicas e sociais dos Estados Unidos a época da divulgação da Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Em outras palavras, é um instrumento internacional que expõe os direitos humanos relacionados à liberdade individual, á proteção da pessoa contra a ingerência do Estado, bem como da participação do povo na gestão da sociedade e assim como o anterior, assinado pela República Federativa do Brasil no ano de 1992.

Feitas as considerações devidas, referente à previsão análoga a Audiência de Custódia é imperioso anotar que ambos os instrumentos internacionais acima comentados trazem uma ideia de apresentação do preso a autoridade judiciária cumulada com a proteção de seus direitos individuais, mas sem uma nomenclatura específica. Neste sentido, observe a norma do artigo 7º, 5, da Convenção Americana de Direitos Humanos:

Toda pessoa detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada pela lei a exercer funções judiciais e tem direito a ser julgada dentro de um prazo razoável ou a ser posta em liberdade, sem prejuízo de que prossiga o processo.  Sua liberdade pode ser condicionada a garantias que assegurem o seu comparecimento em juízo. (grifos nossos).

Indo além da especificação de apresentação do preso a autoridade judiciária, na norma do artigo 9º, 3, do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, enumera ainda a figura da prisão preventiva como exceção á regra:

Qualquer pessoa presa ou encarcerada em virtude de infração penal deverá ser conduzida, sem demora, à presença do juiz ou de outra autoridade habilitada por lei a exercer funções judiciais e terá o direito de ser julgada em prazo razoável ou de ser posta em liberdade. A prisão preventiva de pessoas que aguardam julgamento não deverá constituir a regra geral, mas a soltura poderá estar condicionada a garantias que assegurem o comparecimento da pessoa em questão à audiência, a todos os atos do processo e, se necessário for, para a execução da sentença. (Grifos nossos).

Como se denota, pela leitura das normas dos artigos elencados não há qualquer menção a realização de uma Audiência de Custódia, pois como vimos é essa uma definição de cunho jurisprudencial e doutrinário, mas ambos ressaltam a necessidade de apresentação do preso a uma autoridade judicial ou que lhe seja equivalente, para que sejam exercidas as funções judiciais e aqui, consubstanciadas as garantias e os direitos do indivíduo, enquanto sujeito de direito e dotado de dignidade humana.

Dessa forma, ainda que não haja terminologicamente a expressão “Audiência de Custódia” estampada no bojo de tais instrumentos internacionais em comento, a essência trazida em seu conteúdo a faz, sobretudo, quando diz que sejam exercidas as funções judiciais cabíveis. E o juiz como sabemos, é o responsável pela interpretação e o cumprimento da lei, incluindo a proteção aos direitos humanos do acusado preso.

{C}3.                  AUDIÊNCIAS DE CUSTÓDIA NA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL: TRATADOS INTERNACIONAIS E O CÓDIGO DE PROCESSO PENAL

{C}3.1              O CÓDIGO DE PROCESSO PENAL BRASILEIRO E A “AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA”

Findadas as considerações sobre as previsões análogas á Audiência de Custódia nos instrumentos internacionais de San José da Costa Rica (Convenção Americana de Direitos Humanos), e Pacto Internacional Sobre Direitos Civis e Políticos, neste capítulo, trataremos das Audiências de Custódia e o Código de Processo Penal brasileiro.

Pelas tratativas expostas deve o leitor já ter percebido que as Audiências de Custódia na República Federativa do Brasil ainda não foram devidamente disciplinadas, diga-se, em termos legais internos.

No entanto, a par do projeto realizado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), há quem discuta haver entre ela e as audiências de apresentação, previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente similitudes ímpares, consoante norma do artigo 171. (PAIVA, 2015, s/p).

Para outros, tais semelhanças estariam afetas a norma do artigo 236, §2º, do Código Eleitoral Brasileiro, que prevê uma espécie de audiência de “custódia” para disciplinar os casos relativos à prisão no período eleitoral. (PAIVA, 2015, s/p).

Similitudes e argumentos a parte, propriamente no Código de Processo Penal brasileiro não há qualquer menção a ela com a terminologia e nuances desenhadas pela doutrina e jurisprudência, quer sejam na norma do artigo 287, ou, na do 306.

Comentando o tema, Paiva (2015, s/p), salienta o entendimento de que embora não seja o assunto disciplinado de forma tão ampla como necessariamente deveria ser, a norma do artigo 287, do Código de Processo Penal brasileiro disporia acerca da apresentação do preso a autoridade policial para a verificação de questões legais. Neste sentido, reza a norma do artigo, in verbis:

Art. 287. Se a infração for inafiançável, a falta de exibição do mandado não obstará à prisão, e o preso, em tal caso, será imediatamente apresentado ao juiz que tiver expedido o mandado.

Semelhante ideia podemos atribuir a norma do artigo 306, do mesmo código, quando este disciplina que “a prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados imediatamente ao juiz competente, ao Ministério Público e à família do preso ou à pessoa por ele indicada”.

Como se vê, trata-se da soma de dois dispositivos que na prática corriqueira se mostram insuficientes e não garantem os direitos e a efetividade dos tratados e convenções as quais a República Federativa do Brasil aderiu voluntariamente, ainda que se observem questões ligadas a legalidade.

Assim, embora perceptíveis algumas finalidades da Audiência de Custódia mesmo sem previsão expressa no ordenamento jurídico brasileiro, seu conteúdo fica vazio se não for disciplinado por completo em atendimento ao compromisso assumido pela Republica Federativa do Brasil no plano internacional, fazendo-se um instrumento para uns e outros casos.

}3.2              AUDIÊNCIAS DE CUSTÓDIA E O PROJETO DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA (CNJ)

Comentada a imperiosa situação da falta de regulamentação das Audiências de Custódia no plano interno, com as devidas ressalvas ao que já prevê o Código de Processo Penal brasileiro, passaremos a ponderar sobre as Audiências de Custódia e o projeto do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

Todavia, é interessante anotar segundo expõe Maria Canineu (2013, p. 03-04), que alguns países da América Latina já prevêem em seus manuais e leis a realização de “audiências de Custódia”, a exemplo, a Argentina, com o prazo fixado no patamar de 6 horas; o Chile, com o lapso temporal de 12 para apresentação ao promotor de justiça; a Colômbia, no prazo de 36 horas, e o México, em 48 horas sendo, nesse sentido, tardia na República Federativa do Brasil.

Quer seja em virtude da desídia do Legislativo ou por até mesmo por conta do caos vivenciado pelo sistema penitenciário e do qual, se envergonha a República Federativa do Brasil perante outros países, o Conselho Nacional de Justiça em parceria com o Tribunal de Justiça de São Paulo e o Ministério da Justiça resolveram lançar um projeto para disciplinar à realização de Audiência de Custódia. (CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, 2015).

Implementado em 6 de Fevereiro de 2015, o projeto inicialmente consistiria na oferta de  garantia da rápida apresentação do preso a um juiz nos casos de prisões em flagrante para se avaliar o aspecto legal da prisão, a necessidade, adequação da continuidade ou eventual concessão de liberdade sem ou com outras medidas cautelares. Ainda, a análise de maus tratos, tortura e irregularidades. (CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, 2015).

No plano secundário, regulamentaria a estruturação de centrais de alternativas penais, centrais de monitoramento eletrônico, centrais de serviços e assistência social e a câmara de mediação penal, em respeito aos compromissos internacionais firmados pela República Federativa do Brasil e que deve ser a regra em nossos Tribunais. (CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, 2015).

Em 9 de Abril de 2015, ganhando ajustes para uma melhor aplicação, o projeto teria em si embutido três acordos internos firmados entre os órgãos do Ministério da Justiça e o Instituto da Defesa do Direito de Defesa (IDDD). No primeiro deles para estabelecer uma conjugação de esforços com vistas a implantação das audiências pelo país, com apoio técnico e financeiro aos estados, cujos recursos serão repassados pelo ministério da justiça. No segundo, objetivando operar reais e significativas mudanças no cenário processual penal, visto pela sociedade com “maus olhos”, ampliar-se-ia o uso de alternativas a prisão, conciliação e mediação penal. E o terceiro, com meta de estabelecer diretrizes e promover política de monitoração eletrônica, busca-se incentivar o uso de tornozeleiras eletrônicas em duas situações: para monitorar as medidas cautelares em qualquer crime, exceto dolosos e os condenados com pessoa superior a 4 anos e monitorar as medidas protetivas de urgência aplicadas a acusados de crimes que envolva violência doméstica e familiar contra mulher, criança, idoso, enfermo ou deficiente. (CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, 2015).

Observe que o projeto não se volta apenas à garantia dos direitos do acusado preso, mas a semelhante preocupação com os rumos e a situação pela qual passa o sistema penitenciário e processual penal brasileiro.

No que tange ao procedimento, o projeto inseriu a realização de algumas fases a serem desempenhadas a partir da prisão, que ocorrendo em flagrante levará o autuado a ser apresentado a autoridade policial, que logo após formalizará o auto de prisão em flagrante (APF) e promoverá o agendamento de apresentação do mesmo, conforme pauta pré fixada pelo juízo e ato do qual seu advogado nomeado deverá ser avisado. (CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA).

Após o devido agendamento, realizar-se-á o exame de corpo de delito e clínico no autuado providenciando logo em seguida o seu envio ao centro de detenção provisória para aguardar a apresentação em juízo. Protocolizado o auto de prisão em flagrante e apresentado o autuado em juízo, hipótese na qual, já se digitalizou o APF e a juntada de certidão de antecedentes criminais, com liberação para consulta em audiência. (CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, 2015).

Em sede de audiência, o Ministério Público se manifestará sobre os fatos ocorridos, sendo logo após entrevistado o autuado, e seu advogado ou defensor nomeado no momento concedido manifestado a defesa técnica, e o juiz, por fim, decidirá por aplicar medidas judiciais ou medidas não judiciais. (CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, 2015).

Desta feita, o projeto do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), consubstancia-se em um procedimento simples e sem grandes solenidades a serem cumpridas pelas partes para reprimir ilegalidades, abusos de autoridades, garantir direitos e desabarrotar o sistema penitenciário e judiciário. Não há aqui usurpação de função legislativa.

 

3.3 A NATUREZA JURÍDICA DOS INSTRUMENTOS INTERNACIONAIS DE SAN JOSÉ DA COSTA RICA (CONVENÇÃO AMERICANA DE DIREITOS HUMANOS) E O PACTO INTERNACIONAL SOBRE DIREITOS CIVIS E POLÍTICOS

Perpassada a análise do projeto do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), neste último capítulo nos voltaremos à problemática questão envolta a natureza jurídica dos instrumentos internacionais que prevêem semelhante ideia à das Audiências de Custódia e os efeitos desta diante da falta de previsão expressa no Código de Processo Penal brasileiro.

A questão a primor pode nos parecer tola, sobretudo, se considerarmos o entendimento corroborado pelo Supremo Tribunal Federal no Recurso Extraordinário nº 349.703/RS, no qual restou o entendimento de que os tratados e convenções internacionais de direitos humanos não aprovados nos termos do §3º, da norma do artigo 5º, da Constituição da República Federativa do Brasil têm natureza supralegal, estando acima das leis ordinárias e abaixo da Constituição.

No entanto, segundo relata Galli (2015, s/p), tal questão não aparece de forma tão clara diante do Poder Judiciário, quer seja pela falta de contingente pessoal, ou pela própria interpretação legal dada pelo Supremo Tribunal Federal. Neste sentido, retrata o caso de um juiz da seção judiciária da 1ª região da Justiça Federal, do Estado do Acre, que negou o pedido de audiência de custódia feito por uma pessoa presa em flagrante por crime de tráfico internacional, por entender que os tratados internacionais são equiparados á lei ordinária, devendo o Código de Processo Penal prevalecer ante a sua não existência no texto legal. Ainda em sede da decisão salientou o magistrado que não há explicitação ou maiores fundamentações sobre o assunto a ponto de inseri-la no campo processual penal.

Trata-se como se vê de argumentos retrógrados que não analisam a fundo a real proposta e concretização dos Direitos Humanos, bem como a crise institucional vivida pelos sistemas penitenciários brasileiros.

Não há, igualmente, considerando o argumento desfavorável aos tratados internacionais, qualquer argumento ou empecilho que torna as audiências de custódia inconstitucionais perante a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, pois suas finalidades são compatíveis com o devido processo legal, a presunção de inocência, a dignidade humana, a vedação a tortura, tratamento desumano e cruel.

Assim, o fim a que se propõe as Audiências de Custódia se sobrepõem a discussão sobre a natureza jurídica dos instrumentos internacionais em nossa órbita interna, pois uma vez voltadas a concretização dos direitos humanos e aderida pela República Federativa do Brasil sua realização e proposta não pode ser revogada.

4.CONCLUSÃO 

Finalizamos essas poucas laudas afirmando que nossa pretensão não se voltou a esgotar o tema, mas a fomentar pontos que instiguem uma salutar discussão, sobretudo, considerando a importância assumida pelos direitos humanos nas últimas décadas.

Tão pouco foi nossa intenção desmerecer os argumentos utilizados por grande massa de magistrados sobre a natureza jurídica e as reais fundamentações e explicitações da audiência de custódia na República Federativa do Brasil.

Em verdade nosso intuito foi de alertar ao leitor acerca de sua importância no cenário brasileiro e mundial, principalmente, diante da crise institucional vivida pelos sistemas penitenciário e judiciário e o próprio Estado.

No mais, para salientar mais uma vez que temos o velho hábito de nos comprometer internacionalmente, talvez para mostrar que somos solidários, mas que não conseguimos gerir nem ao menos nosso espaço interno.

Realizar audiências de custódia não se trata de um benefício ao criminoso ou culpado, mas de um instrumento que pode corrigir mazelas, erros, desproporcionalidades tão comuns e corriqueiras em nosso país. Trata-se de um ato de humanização.

5.REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

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VARGAS, José Cirilo de. Processo Penal e Direitos Fundamentais. Belo Horizonte: Del Rey, 1992.

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Sobre a autora
Bruna Conceição Ximenes de Araújo

Advogada. Graduada em Direito. Pós-Graduada em Direito Constitucional.

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