Sobre perversão e pedofilia.

29/10/2016 às 12:31

Resumo:


  • A pesquisa aborda a introdução da ideia de perversão e pedofilia com base nos conceitos psicanalíticos de Freud.

  • A primeira parte da pesquisa explora a definição de perversão, sua origem etimológica e histórica, assim como a visão teórica de Freud sobre o tema.

  • A segunda parte da pesquisa aborda a definição e características gerais da pedofilia, incluindo dados estatísticos e a visão de Freud sobre o assunto.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Considerando-se a relevância dos fenômenos perversos e pedófilos na sociedade contemporânea, realizou-se esta pesquisa na intenção de investigar os conceitos de perversão e pedofilia.

Apresentação

A presente pesquisa tem por objetivo introduzir a idéia de perversão e pedofilia com base no conceito psicanalítico de Freud. Para discorrer sobre o tema proposto a introdução se divide em duas partes. A pesquisa seguirá com uma discussão da análise do filme Mistérios da Carne. Enfim, a pesquisa se encerra com as considerações finais do trabalho.

A primeira se constitui da exposição do conceito de perversão, primeiramente realiza-se uma amostragem da origem etnográfica da palavra, assim como um breve levantamento de dados históricos em relação ao estudo da perversão; referindo-se ao mesmo, explorá-se o conceito de perversão geral do ponto de vista psicanalítica; posteriormente, ainda em relação ao tema, apresenta-se a visão teórica da obra de Freud, incluindo o desenvolvimento de suas idéias.

A segunda parte de a pesquisa se constitui também por uma introdução sobre a origem etnográfica da palavra, bem como dados históricos relevantes; é mostrada uma apreciação do conceito geral de pedofilia, características e dados estatísticos; por fim, apresentar-se o discurso de Freud sobre o referido tema.

            Na análise do filme se realiza um resgate da teoria estudada com base nos dados de oito cenas selecionadas. Nesta parte são mostradas possíveis distinções e convergências com a teoria apresentada na introdução. Já as considerações finais enceram a reflexão sobre a temática concluindo a pesquisa.

Sobretudo na perspectiva psicanalítica há poucas pesquisas que envolvem o tema da perversão e da pedofilia. A própria obra de Freud carece de informações detalhadas sobre o assunto. Para tanto é necessário que no meio acadêmico se aprofunde estudos a respeito desta temática. Esta pesquisa visa se aprofundar neste assunto tão polêmico e estereotipado através de dados científicos, com o resgate da literatura clássica e contemporânea. Em suma, o estudo cogita sobre a sexualidade e suas decorrências na vida humana.  

 

           Método

A pesquisa essencialmente aborda os conceitos de pedofilia na perversão. Utilizando-se do embasamento da teórica psicanalista, o presente trabalho faz uma análise do longametragem Mistérios da Carne (2004). O estudo também propõe uma reflexão a cerca da temática da sexualidade humana.

Primeiramente foi realizada uma busca bibliográfica de cunho geral, com o objetivo de verificar como a psicanálise trata a questão da perversão e da pedofilia. Foi escolhido Freud como autor clássico, já que segundo Zimmerman (2006) é quem melhor aborda o tema, e quem primeiro realizou estudos com caráter científico na psicanálise.

            Para salientar o estudo também foram utilizadas fontes da psiquiatria e psicopatologia sem ligação com a teoria psicanalítica, como por exemplo a quarta edição do Diagnostic and Stantistical Manual of Mental Disorders [DSM-IV], e a décima edição da Classificação Internacional de Doenças [CID-10]. As mesmas foram de indubitável necessidade, mormente, para os esclarecimentos sobre a pedofilia.

            Ainda sobre o levantamento bibliográfico, não somente foram utilizadas informações da teoria psicanalítica de Freud e de bancos de dados psicopatológicos, como também a pesquisa se valeu de fontes históricas, etimológicas e subsídios quantitativos.

            O filme escolhido foi Mistérios da Carne (2004) uma vez que foi selecionado por ser um meio muito utilizado para análise e entendimento do atual tema. De todos as cenas foram escolhidas apenas oito para serem analisadas. Estas foram escolhidas mediante um debate dos pesquisados através do qual foram julgadas as que constituíam maior abrangência e relação com a teoria pesquisa.

Em relação ao procedimento de reprodução e análise do longa-metragem, este foi assistido pelos pesquisadores em idioma original com legendado em português. A película foi reproduzida e visualizada no total de cinco vezes, em dias alternados. Cada pesquisador assistiu ao filme sozinho duas vezes, foram realizadas anotações sobre a perspectiva pessoal no decorrer da obra,  e a última reprodução foi efetuada com os pesquisadores juntos. Após o término filme, foi realizada uma nova discussão onde foram colacionados os conteúdos da película com a teoria estudada.

            O longametragem, cujo título original é Mysterious Skin, foi dirigido por Gregg Araki e lançado em 2004. A película chegou no Brasil no ano seguinte, com o título Mistérios da Carne. O roteiro foi baseado na novela de Scott Heim, também com mesmo título em inglês, mas sem tradução para o português. A adaptado para cinema foi feito pelo próprio autor do livro, juntamente com o diretor. A película possui 99 minutos de duração. Em relação às especificações técnicas: a com produção realizada por Gregg Araki, Jeffrey Levy-Hinte e Mary Jane Skalski; direção musical de Harold Budd e Robin Guthrie; direção de fotografia de Steve Gainer; e direção de arte de Morgan Blackledge (Adoro Cinema Ponto Com, 2007).

           

O longametragem aborda as conseqüências físicas e psíquicas das experiências de abuso sexual sofridas por dois garotos quando tinham oito anos de idade. A história acompanha a vida desses jovens por dez anos, mostrando como reagem e lidam diferentemente com a experiência (Borges, 2005, p.s/).

 

Introdução

1. Perversão  

O conceito de perversão tem muito a ver com as origens etimológicas da palavra. O substantivo deriva do verbo latino ‘pervertere’, que significa tornar-se perverso, corromper-se, depravar-se ou desmoralizar-se (Deschamps, 2008). Segundo Pires et al (s/d) a palavra perversão tem origem no século XIII, quando utilizada no sentido de retornar ou reverter. Já desde essa época tinha conotação ruim, o que denota a prematura acepção negativa da expressão.

            Castro (2003) afirma que no século XIX a sexologia fez o emprego desse vocábulo como desvio sexual pela primeira vez na psiquiatria, derivava do interesse jurídico, para conhecer o que havia se passado com a vítima perversa na situação criminosa, mas “não havia intenção de efetuar avaliação psicopatológica no réu” (Lanteri-Laura 1979, citado por Castro, 2003 p.16).

            Segundo o mesmo autor, até então não havia uma teoria sintetizada, não obstante, Magnan, psiquiatra francês, realizou em 1885 uma categoria objetiva de análise diagnóstica. E chegou a conclusão que a psicopatologia era neurofisiológica, hereditária e degenerativa, mas acreditava que era tratável. De acordo com Zimmerman (2006) a ciência até então não demonstrava qualquer tipo de imparcialidade a respeito do tema, seu enfoque era sempre moralista e denegritório.

            Assevera Castro (2006) que, em relação a sexualidade, a medicina passou a ditar regras moralista, apoiadas pelos padrões biológicos e fisiológicos humanos de cópula, Lanteri-Laura discorre sobre o tema, discutindo o controle dos costumes sociais:

 

A cultura dos primórdios do século XX esperava da ciência que ela lhe demonstrasse quais os comportamentos sexuais que se revelaram conformes à natureza e, com isso, lícito, e quais se situavam fora dela: tratava-se da busca de uma norma sexual fundamentada na ciência (Lanteri-Laura, citado por Castro, 2003 p. 18).

 

            Laplanche & Pontalis (1995) relatam que o conceito de perversão é extremamente amplo na ciência, existindo quatro possíveis ambiguidade a respeito dos desvios perversos: a perversão moral, a perversão social; a perversão nutricional; e a perversão sexual.

            As perversões morais dizem respeito aos conflitos de valores, ou seja, as respostas que o sujeito dá ao ambiente, os autores citam a delinquência e o vandalismo. Sobre a perversão social, exemplificada pelo proxenetismo e promiscuidade, ambos genericamente relacionados com a prostituição. Os autores aludem como referência as perversões alimentares a bulimia1 e a dipsomania2 (Laplanche & Pontalis, 1995).

            Laplanche & Pontalis (1995) argumentam que, apesar das controversas a respeito das ambiguidade do tema, para a psicanálise o fenômeno da perversão é analisado apenas através da ótica sexual. Em outras palavras, a “perversão na psicanálise remete a idéia de perversão sexual” (p. 434).

            Ainda segundo Laplanche & Pontalis (1995) perversão é o desvio em relação ao ato sexual “normal”. Em suma, ocorre quando ao invés do sujeito investir sua energia libininal na zona erógena genital, necessariamente na relação heterossexual, o sujeito passa a investir libido de outras formas. Segundo Joannides (2003) o conceito de normalidade, neste contexto, diz respeito a cópula do macho e da fêmea humana onde há penetração do pênis na vulva, com ou sem junção de gametas.

            Freud (1905) classificou o desvio sexual em de três formas diferentes: desvio do objeto; desvio da zona erógena; ou desvio de ordem extrínseca. O autor também comenta que estes fenômenos podem ser ocasionais ou recorrentes, e todas são consideradas perversões.

            Ainda declara o autor, que no caso segundo desvio sexual, o deslocamento ocorre de objeto para objeto, ou seja, existe uma troca. O sujeito investe energia em outro elemento que não seja o genital da espécie de sexo oposto. Estão nesta classe de perversões os relacionamentos homossexuais e bissexuais, onde o investimento energético libidinal se dá para um membro do mesmo sexo, ou no caso do bissexualismo, quando há alteração no gênero do parceiro. Grandes diferenças das idades cronológicas entre os parceiros também são ponderadas por Freud (1905) como um desvio sexual, nesta categoria encontra-se a pedofilia e a gerontofilia3. Outro exemplo encontrado na literatura é quando o objeto eleito não é humano, no caso da zoofilia4 e vegofilia5.

            O desvio da zona erógena advém quando o sujeito elege uma parte específica do corpo para obtenção de prazer. Esta parte pode ser do próprio corpo, ou do corpo do parceiro. No primeiro caso existe, por exemplos, a masturbação e auto-felação6. A prática ainda pode se referir a zonas erógenas do outro, como na felação7 e na sodomia8 (Freud, 1905). 

            Segundo Freud (1905) o desvio também pode também ser de ordem extrínseca, através de um estímulo em nível objetal externo. Podendo depender ou não da presença de outros. O travestismo9, por exemplo, não há necessidade de um outro sujeito para realização desde. Já no caso do voyeurismo10, existe a necessidade da presença do outro.

            Mesmo o ato copular dito ate aqui de ‘normal’, ou seja, a relação sexual heterossexual genital é discutível para Freud. Ele acreditava que qualquer investimento sexual é potencialmente psicopatológico: “O interesse sexual exclusivo do homem pela mulher é também um problema que exige esclarecimento, e não uma evidência que se possa atribuir a uma atração (saudável) de base química” (Freud, 1913, p.138)

            De acordo com Zimmerman (2006) no campo da psicanálise, Freud foi o pioneiro nos estudos das perversões, foi ele quem melhor “dedica um estudo mais sistemático e consistente sobre as perversões sexuais" (p. 253).  Menciona Ferraz (2002) que o tema da perversão, na obra freudiana, passou  por sucessivas e significativas alterações.

            Castro (2003) sopesa que no primeiro momento de construção teórica freudiana a expressão de perversão sexual designava a qualidade de aberração da própria sexualidade, Freud era influenciado pela visão científica preconceituosa e moralista de sua época. Mas, a partir desse momento, distancia-se da orientação medica, criando “um corte epistemológico com o saber vigente” (p. 19). Freud passa a considerar inadequada a palavra perversão como sinônimo pejorativo e exploratório, logo “a extraordinária disfunção das perversões força-nos a supor que tampouco a predisposição às perversões é uma particularidade rara, mas deve, antes, fazer parte da constituição que passa por normal” (Freud, 1905, p. 162).

            Após este período de influência moral, Freud constitui um pensamento mais imparcial, analisa. A obra de Freud pode ser distinguinda em três momentos essenciais dessa teorização. O primeiro modelo baseia-se no axioma da neurose enquanto negativo da Perversão. No segundo momento relaciona-se com a teoria do complexo de Édipo, núcleo das neuroses e também das perversões. Já o terceiro momento, define a recusa da castração como mecanismo essencial da perversão, que ganha o nome de fetiche (Ferraz, 2002).

            É na obra de 1905, ‘Três Ensaios sobre Sexualidade’, que Freud alude a máxima: “a perversão é o negativo da neurose” (p.157), e menciona pela primeira vez o conceito de perversão. Deste momento teórico, segundo Castro (2006), a idéia genérica que se tinha era que no mecanismo de neurose os desejos sexuais infantis eram recalcados, enquanto na perversão eles são realizados. Isto demonstra que os atos perversos tinham conteúdos idênticos ás das fantasias inconscientes histéricas (Freud, 1908 citado por Castro, 2006).

            Zimmerman (2006) discorre que Freud faz da neurose o ‘negativo’ da perversão, porque nos neuróticos os impulsos pervertidos eram recalcados, ou seja, todo desejo infantil era mantido no inconsciente. No mecanismo da neurose a única possibilidade de realizar o desejo infantil é através de sintomas neuróticos. As histerias de Freud, por exemplo, realização seu desejo, o recalcado infantil, através de sintomas psicossomáticos. Estes sintomas tinham sempre uma ligação com o recalque infantil, e era por essa ponte que o desejo infantil era alcançado.

            Todavia, ao contrário da sexualidade dos neuróticos, a perversa não conhece nem o recalque nem a sublimação. E já que não há recalque do material infantil, a única forma que perverso encontra de atingir o desejo é realizando a própria fantasia, de forma real e consciente (Ribeiro, s/d).

            Ainda em relação ao primeiro modelo perverso, Freud admitiu a existência  de uma sexualidade infantil, definindo essa como perversa polimorfa. De acordo com Freud (1905), este conceito se referia as ereções, masturbações e atividades semelhantes ao coito, que eram processos excepcionais de curiosidade ou perversão precoce. Esta idéia de manifestação sexual precoce viria a se transformar futuramente no conceito freudiano de ‘pulsão sexual’.

            Segundo Ribeiro (s/d) até este momento Freud ainda não tem uma idéia claro acerca do tema, somente a partir dos textos de 1919, Freud relaciona perversão e complexo de Édipo. Nesses textos, ainda não há uma indicação de um mecanismo específico que indique o caminho da perversão como uma estrutura particular, assim como a neurose e a psicose. Em relação a esse assunto, Lanteri-Laura citada por Castro (2003) afere:

 

Basta que a criança permaneça em sua sexualidade infantil para deslizar sem problemas para a perversão, ao passo que ela tem que atravessar com dificuldade todas as emboscadas da situação edipiana, e resolve-la bem, para, ao longo do período de latência e da puberdade, chegar à heteressxualidade adulta (p. 78).

 

            Até então Freud considerava, refere Ribeiro (s/d), que o aparecimento da perversão estava ligado com a saída do Édipo, ou seja, para que o sujeito entrasse psicologicamente saudável na vida pós-puberdade era necessário que o mesmo recalcasse seu desejo edípico. Somente após ter se desvencilho dos desejos incestuosos, o sujeito estaria afastado do mecanismo perverso.

            Não obstante, no texto ‘Fetichismo’ de 1927 Freud rompe com a idéia anterior, e cita que a perversão passa a ser associado com o fetiche do complexo de castração, mais precisamente com a recuso da castração (Ribeiro, s/d).    

            Zimmerman (2006) assevera que em um desenvolvimento não patológico, a criança se desvencilha do complexo de castração sem maiores danos psicológicos se desapegando do pênis da mãe. Entretanto, contextos de ansiedade podem fazer com que o pênis se torna muito importante para a criança, e este negue sua não existência. O fetiche se instaura, com a função de preservar o falo materno da extinção. Nas palavras de Freud (1927) “o fetiche é um substituto do pênis da mãe em que outrora acreditou e que não deseja abandonar” (p. 155). Segundo Freud (1927) quando o fetiche é instaurada ocorre uma interrupção instantânea da memória, semelhante a amnésia traumática. E a última impressão antes do trauma que é retida como fetiche. Em outras palavras o comportamento perverso que se da pelo fetiche serve de ponte para o falo materno recalcado.

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            Freud (1927) elucida esse fenômeno com o caso de um homem cujo fetiche era de pés e sapatos. Seu comportamento perverso se dava por liberar mais energia libidinal para os pés da parceira do que pela relação genital em si. Freud esclarece que neste caso o fetiche se deu pela lembrança dos pés da mãe no contexto em que espiava o genital da mãe por baixo da saia.

            Ribeiro (s/d) medita que a perversão é uma questão controversa na psicanálise. Na apreciação de Laplanche & Pontalis (1995) ela não é reduzida a um desvio relativo a tendência predominante de um grupo social isolado. Ela é um fenômeno recorrente em todas as culturas, nas mais diferentes formas:

 

Poderíamos definir a sexualidade humana como sendo, no fundo, perversa, na medida em que não se desliga nunca inteiramente das suas origens, que lhe fazem procurar a sua satisfação, mas não numa atividade específica, mas no ‘lucro do prazer’ (p. 434).

 

2. Pedofilia

            Ao tomar por base o pensamento de Laplanche & Pontalis (1995), em relação a psicopatologia obrigatória do sexo humano, é sábio que grande parte das relação sexuais tomaram aspecto criminosas. A pedofilia é um comportamento sexual com o qual a sociedade tem se defrontado quase que diariamente, em notícias de jornais e revistas. Há algum tempo que ela vem ganhando um significado litigioso, mas nem sempre foi assim.  (Schubert, 2007).

            Há outras denominações para a pedofilia, ela também pode ser chamada de paedofilia erótica ou pedosexualidade. A palavra pedofilia vem do grego παιδοφιλια. Onde há a aglutinação de παις, que significa ‘criança’, e φιλια, que tem um amplo significado: ‘amizade’; ‘afinidade’; ‘amor’, ‘afeição’, ‘atração’; ‘atração ou afinidade patológica por’; ‘tendência patológica’ (Ferreira, 1993).

             Martins (2002) menciona que na Grécia Antiga, a prática não era bem aceita se os meninos tivessem menos de 12 anos, mas não havia nenhuma lei contra isso. Contudo, relacionamentos homossexuais eram normais e até encorajados pela sociedade. Já no Império Romano, as leis proibiam a sedução e o amor por meninos nascidos livres, mas não impediam que essas práticas ocorressem. Na mesma época, segundo Carvalho (2002), há inúmeros relatos de castrações de meninos para vendê-los a ricos pederastas, constituindo um comercio lucrativo durante milênios nos paises orientais.

            Na Idade Média, a partir de determinações dos imperadores bizantinos Constantino e Justiniano, as relações sexuais entre adultos e crianças começaram de fato a ser condenadas e penalizadas com base num código ético. Todavia, essas determinações se referiam apenas as relações homossexuais e adulteras. Relacionamentos de adultos solteiros com crianças do sexo feminino são eram relevadas (Martins, 2002).

            De acordo com Martins (2002) no Renascimento, com a valorização da cultura greco-romana, o amor por homens jovens volta a aparecer. Em Veneza, em 1467, foi decretado que a sodomia era um vício preocupante. Mas mudanças começaram a ocorrer a partir do século XVIII, decorrentes da reforma protestante e da contra-reforma católica.

            Em relação ao conceito pedofilíaco, segundo definição da Décima Edição da Classificação Internacional de Doenças [CID-10] (s/d), pedofilia é um transtorno na preferência sexual do indivíduo, onde há “preferência sexual por crianças, quer se tratem de meninos, meninas ou de crianças de um ou do outro sexo, geralmente pré-púberes ou no início da puberdade” (p.s/).

            Já a definição do Diagnostic and Stantistical Manual of Mental Disorders [DSM-IV], aparece mais completa. Nela consta que o foco parafilíaco da pedofilia envolve atividade sexual com uma criança pré-púbere, geralmente com 13 anos ou menos. O indivíduo com pedofilia deve ter 16 anos ou mais e ser pelo menos 5 anos mais velho que a criança (s/d).

            Não obstante, segundo a mesma fonte há flexibilidade no diagnóstico de indivíduos com pedofilia no final da adolescência, não se especifica uma diferença etária precisa, cabendo exercer o julgamento clínico, pois é preciso levar em conta tanto a maturidade sexual da criança quanto a diferença de idade. Os indivíduos com pedofilia geralmente relatam uma atração por crianças de uma determinada faixa etária. Alguns preferem meninos, outros sentem maior atração por meninas, e outros são excitados tanto por meninos quanto por meninas.

            Em geral o comportamento pedófilo inicia-se após a puberdade, quando a jovem passa a ter interesses sexuais:

 

O transtorno geralmente começa na adolescência, embora alguns indivíduos com Pedofilia relatem não terem sentido atração por crianças até a meia-idade. A frequência do comportamento pedófilo costuma flutuar de acordo com o estresse psicossocial. O curso em geral é crônico, especialmente nos indivíduos atraídos por meninos (DSM-IV, s/d, p.s/).

 

            De acordo com percentuais estatísticos publicados no jornal O Estado de S. Paulo documentados pelo judiciário, desde do ano de 2001, 30% dos casos de pedofilia correspondem a praticantes adultos do sexo feminino:

 

Entre os casos envolvendo mulheres, constatou-se que a maioria age com homens. Quando os pais abusam dos filhos, muitas vezes a mulher não é apenas cúmplice, também participa, a literatura aponta que, em geral, essas mulheres foram vítimas de abusos na infância. (Franco, 2008, p.s/).

 

            Ainda em relação aos dados do DSM-IV (s/d), a pedofilia envolvendo vítimas femininas é relatada com maior frequência do que envolvendo meninos. Alguns indivíduos, considerados, pedófilos sentem atração sexual exclusivamente por crianças, mas outros às vezes sentem atração por adultos.

            Outro dado peculiar entre os indivíduos que sentem atração pelo sexo feminino é que, geralmente, preferem crianças de até 10 anos. Enquanto aqueles atraídos por meninos preferem, habitualmente, crianças um pouco mais velhas. Aparentemente o objeto de desejo do pedófilo heterossexual parece estar ligado com a total dicotomia do corpo adulto. Ao passo que o pedófilo homossexual aparenta fixar-se no corpo em formação púbico, ou seja, a decadência do corpo infantil a caminho da puberdade (DSM-IV, s/d).   

            Ainda segundo a mesma fonte, os pedófilos que atuam segundo seus anseios podem limitar sua atividade a despir e observar a criança, ou tocá-la, outros, realizam felação. Em alguns casos a pedofilia pode estar ligada a outras perversões simultâneas. Em muitos casos as atividades são explicadas com desculpas ou racionalizações de que possuem ‘valor educativo’ para a criança. O sedutor pode mencionar que a atividade visará obtenção de ‘prazer’ para a criança, neste exemplo o adulto se poria como objeto. Outra forma comum é quando o adulto justifica a violência pelo fato da criança tê-lo seduzido.

            Os indivíduos com pedofilia podem limitar suas atividades a seus próprios filhos biológicos, filhos adotivos e parentes ou vitimar crianças de fora de suas famílias. Alguns indivíduos ameaçam a criança para evitar a revelação de seus atos. Outros, particularmente, aqueles que vitimam crianças com frequência, desenvolvem técnicas complicadas para obterem acesso as crianças, que podem incluir a obtenção da confiança da mãe, casar-se com uma mulher que tenha uma criança atraente, traficar crianças com outros indivíduos com pedofilia, raptar crianças ou, em casos raros, adotar crianças de países não-industrializados (DSM-IV, s/d).

            Carvalho (2002) medita que o movimento de indução ao conceito de pedofilia na literatura científica começou com Freud ao estudar a sexualidade humana, mais precisamente a perversão. Os desenvolvimentos das idéias de psicogênese da perversão sofreram grandes alterações no decorrer de sua obra. Infelizmente só há uma citação direta em relação ao tema pedofilia  na obra de 1905, ‘Três Ensaio sobre Sexualidade’.

            Nesta obra Freud (1905) divide os indivíduos que se comportam como pedófilos em dois grupos. No primeiro esta aqueles indivíduos que psicologicamente não são pedófilos, se comportam como tal porque usam a criança como “objeto substituto, ou quando uma pulsão urgente não permite que se aproprie de um objeto mais adequado” (p. 139).

            Inobstante, há outro grupo mais raro que, aferido por Freud (1905), as crianças são objeto sexual exclusivo e em casos, mais raros ainda, onde além de exclusivos são insubstituíveis. Entre os pedófilos encontra-se, mormente, “professores e as pessoas que cuidam de crianças, simplesmente porque as crianças se oferecem com maior facilidade” (p. 139).

            Ainda de assegura Freud (1905) que pessoas com problemas mentais, com raríssimas exceções, apresentam comportamentos pedófilos. Indivíduos com perturbações mentais “apenas exibem tal aberração em grau intensificado, ou então, o que é particularmente significativo, elevado a uma prática exclusiva e substituída a satisfação sexual normal” (p.139).

            Freud (1905) remata o tema com uma reflexão sobre a sexualidade humana, e faz um paralelo entra a patologia mental e a sexual, defendendo a idéia de que a sexualidade humana é o aspecto mais problemático da humanidade.

 

Segundo minha experiência, quem é mentalmente anormal em algum outro aspecto, em termos sociais ou éticos, habitualmente também o é em sua vida sexual. Mas muitos são os anormais na vida sexual que, em todos os outros pontos, correspondem à média, e que passaram pessoalmente pelo desenvolvimento cultural humano, cujo ponto mais fraco continua a ser a sexualidade (p.140).

 

 Discussão

O filme Mistérios da Carne (2004) conta a história de Brian e Neil, dois meninos que durante a infância passam por uma relação pedófila. Anos depois, Brian, obcecado em descobrir as causas de suas perturbações psicológicas resolve procurar seu colega de infância, acreditando ser ele a chave para a solução de seu problema.

          

                  Cena 1

Duração: 2min19s/2min47s

Descrição:

Esta é a cena de abertura do filme, onde Brian narra que vivenciou uma amnésia traumática: ele tinha oito anos, estava em um jogo de beisebol, quando começou a chover. O jogo foi interrompido, depois disso ele não lembrava mais de nada. Recobrou a consciência quando sua irmã o achou dentro do armário, com seu nariz sangrando.

Diálogo:

“No verão em que tinha 8 anos de idade cinco horas desapareceram da minha vida. Cinco horas! Perdidas. Desaparecidas sem deixar pistas. A última coisa que me lembro... estava sentado no banco reserva da Liga infantil. E, então, começou a chover... O que aconteceu depois é um grande buraco negro”.

Análise:

Diante do diálogo apresentado, pode-se retomar a retórica de Freud em relação a situação de amnésia traumática no desenvolvimento do fetiche. Freud (1927) menciona que circunstâncias traumáticas, como nas que resultam o fetiche, são precedidas por lapsos de memória. O processo de recalcamento da informação pedante garante a idoneidade do organismo e do aparelho psíquico, já que de outra forma, as cenas lembradas trariam ansiedade e prejudicariam o sujeito.

Sobre ao fetiche, não há como se ter certeza de que o lapso de memória de Brian era devido ao desenvolvimento de algum comportamento sexual perverso mais evidente. Pelo contrário, Niel é quem se comporta de maneira sexual desviante, primeiramente pelo comportamento homossexual, pela possível gerontofilia que realizava nos programas e pela prostituição.  Entretanto, ele não apresenta lapso de memória,  o que contradiz a teoria.

 

                  Cena 2

Duração: 4min24s/4min41s

Descrição:

Dando sequência a Cena 1, Brian narra que após ter passado pelo lapso de memória certos fenômenos passaram a acontecer, tornando-se frequentes na sua infância. Outros, no caso dos sonhos, permaneceram e acompanharam-no ate a juventude.

Diálogo:

“Foi então que começaram os pesadelos, e os sangramentos do nariz. Molhei a cama, por várias vezes. E depois vieram os desmaios. Sentia meus olhos irem para trás da minha cabeça. E caia no chão como um boneco de pano”.

Análise:

            Esta cena mostra que após ter sofrido o trauma, Brian, passa a desenvolver sintomas psicológicos e somáticos. Em relação ao sintoma psicológico, a personagem narra ter desenvolvido sonhos estranhos. Segundo a literatura pesquisa, a única ligação que se tem entre trauma e sintoma é o próprio desenvolvimento do fetiche. Porém, Zimmerman (2006) afere que no caso dos neuróticos os sintomas surgem através dos sonhos, ou seja, as fantasias são realizadas nos sonhos.

            Em seu terceiro tempo de desenvolvimento teórico, Freud não deixa claro se a perversão continua sendo uma estrutura diferente dos neuróticos e psicóticos, ou se constitui um mecanismo psíquico diferente. Caso Freud tenha diferenciado: neurótico, psicótico e perverso, então ao ter desenvolvido um fetiche, Brian se tornaria perverso. Sendo assim, ele passaria a não mais realizar suas fantasias através de sonhos, satisfazendo-as através de ações reais.

Em relação aos outros sintomas somáticos: a incontinência urinária11 noturna, a epistaxe12 e a síncope13, mencionados no diálogo de Brian, não possuem qualquer apontamento na literatura levantada. Não obstante, sobre a incontinência urinária e as sincopes recorrentes, pode-se articular hipoteticamente que seriam reações nervosas ao trauma que passara. Assim como apontada por Zimmerman (2006), mesmo não se lembrando, as informações da situação continuam armazenadas, e de alguma forma atingem o organismo.

                   
                  Cena 3

Duração: 8min29s/8min42s

Descrição:

Nesta cena Neil conta sobre o cinema com treinador Hilder. Depois menciona que, após o filme, eles comprar uma pizza e foram para casa do treinador. Lá Neil fica encantado com a quantidade de brinquedos na sala. 

Diálogo:

“Depois do filme, pegamos uma pizza e fomos para a casa do treinador. A casa do treinador era incrível. Tinha uma televisão enorme e um Atari com Donkey Kong, Asteroids, Frogger. Todos os meus videogames favoritos”.

Análise:

Através desta cena, pode-se observar no diálogo de Neil a questão da técnica utilizada para atrair a criança. No caso do treinador Hilder, suas técnicas de sedução envolviam uma fala simpática e amistosa com a criança, levar a criança para ir ao cinema, comer pizza, distração através de brinquedos fascinantes e guloseimas.

Os exemplos encontrados na cena são diferentes dos achados na literatura. Não há menção de confiança de mães, nem de tráfico ou rapto de crianças. Possivelmente o fato de Hilder ser um treinador e trabalho com crianças isso facilitaria o acesso a elas. Pode-se pressupor que sua escolha profissional foi reflexa de seu comportamento sexual.

 Freud (1905) comenta que entre os praticantes de comportamentos pedófilos grandes parte é constituída por educadores. O treinador Hilder por ser professor de beisebol confere um exemplo desse fato, por estar em um contado íntimo com a criança, tem mais chance de que elas se ofereçam para ele.

 

                  Cena 4

Duração: 13min52min/14min35s

Descrição:

Nesta cena, o treinador encontra-se em sua cozinha, sentado na mesa com Niel. O menino tenta abrir um pacote de cereal, mas acaba rasgando e esparramando tudo, então olha para a cara do treinador envergonhado. Ele, por sua vez, pega outro pacote de cereal e derrama em sua cabeça. Com a reação inesperada ambos começam a jogar comida para cima. Depois de abrirem todos os pacotes, o treinador olha para Niel e começa a agrada-lo e o beija.

Diálogo:

“Eu gosto de você, Neil. Eu gosto tanto de você. Quando eu gosto mesmo de alguém tenho uma maneira de demonstrar o que sinto. [você é um] Anjo. Não há nada de errado em beijar alguém assim. Nunca deixe que alguém lhe diga que é errado”.

Análise:          

A propósito das técnicas de sedução utilizadas pelos pedófilos, descritas no DSM-IV (s/d), pode-se interpretar, pelo diálogo do treinador, que a forma com que abordou a sexualidade poderia seria para dar prazer a criança, assim como descrito na teoria, ou seja, ele poderia dizer: “Vou beijar você para te dar prazer!”.

Contudo, fica mais claro que a forma como o treinador descreve seu sentimento pelo aluno, o motivo pelo qual estaria beijando era porque ele realmente gostava de Niel, e essa era sua forma especial de demonstração. Neste caso, o exemplo não confere com a teoria pesquisa, onde são apontados exemplos como: sedução por motivos educacionais, e pela justificativa de que a criança quem teria seduzido o adulto.

                   
                  Cena 5

Duração: 18min38s/18min55s

Descrição:

A cena do Halloween se passa três meses após a entrada de Neil no time de beisebol. Ele e sua amiga, Wendy, estão passeando a noite com as outras crianças. A certa altura os dois se afastam do grupo levando um menino junto, chegando em uma parte isolada. Neil manda o menino se deitar no chão, tira fogos de artifícios do bolso e colo na boca do garoto deitado, depois acende. Assustado e com a boca machucada, o menino começa a chorar, mas continua no chão. Wendy, espantada com o comportamento agressivo de seu amigo, diz que ele iria contar para alguém. Então, Neil agacha-se e começa a masturbar e realizar sexo oral no menino, como forma de reparação. 

Diálogo:

“Não se preocupe. Eu sei o que fazer. Existem coisas que podemos fazer para tê-los do nosso lado. Isso mesmo. Tem uma coisa legal que quero te mostrar. Quando eu era menor, tinha um homem que costumava fazer isso comigo. Tenho certeza que você vai gostar”.

Análise:

Durante essa cena, ficam evidentes dois tipos de comportamento perverso diferente discutidos por Laplanche e Pontalis (1995), primeiramente o desvio de zona erógena, na masturbação e na felação, e o desvio de zona extrínseca no caso da conduta sádica, que embora não tenha sido discutida, esta na mesma classificação que o voyeurismo e o travestismo.

Embora não haja referência pesquisa que mostre a relação do comportamento pedófilo com o desenvolvimento sádico, no filme fica implícita essa ligação. Sendo assim, Neil passou a desenvolver sintomas de agressividade em detrimento do trauma causado pelo relacionamento com o treinador.

 

                  Cena 6

Duração: 29min23s/30min

Descrição:

Brian assiste a um programa sobre abduções alienígenas, quando fica interessado no depoimento de uma garota que mora em uma cidade próxima a sua. Ela, aparentemente, havia passado pelo mesmo problema. Quando era pequena tinha sido abduzia, e agora mais velha também sofria com os sintomas de perseguição.

Diálogo:

“A primeira vez aconteceu quando eu tinha 6 anos. Estava voltando para casa de um piquenique com meu avô. Estava escuro e nos perdemos numa estrada de terra. O meu avô perdeu o controle do carro e caímos numa vala. Havia uma luz branca ofuscante, mas os alienígenas não estavam interessados em meu avô. Me puxaram para fora do carro, usando uma espécie de raio gravitacional. Me lembro de estar deitada numa mesa. Era fria, macia e brilhante”.

Análise:

Em relação ao discurso da menina, ao partir do pressuposto que constitui a mesma essência da história de Brian, é possível interpretar sua história da seguinte forma: naquela noite a menina teria tido uma relação sexual com o avô. E assim como no caso de Brian, o lapso de memória foi uma defesa do organismo frente ao grande impacto emocional da lembrança. O sintoma foi  a criação fantasiosa e alucinatória de abduções e extraterrestres.

 

                  Cena 7

Duração: 55min32s/55min48s

Descrição:

Brian está dentro de um metro em Nova Iorque, tira uma carta da mochila e começa a ler. Era de seu amigo que ele descreve, entre outras coisas, a aparição de Brian.

Diálogo:

“Queria lhe contar sobre um tipo estranho que conheci há três semanas atrás. Ele nem sequer é gay, eu acho. Na verdade, a sua tendência é estranhamente assexual. Ele se chama Brian Lackey”.

Análise:

A despeito da cena, pode-se identificar uma importante descrição a respeito da sexualidade de Brian. Ao contrário de Neil, que possui uma vida sexual ativa e desregrada, Brian não apresenta qualquer interesse sexual, tanto por meninos quando por meninas. O aspecto assexuado do individuo não foi exclusivamente mencionada por Freud, mas ao analisarmos a concepção de sexualidade, tanto para Freud (1913) quanto para Laplanche & Pontalis (2005), é própria e exclusiva de cada sujeito, sempre possivelmente patológica. 

É possível fazer um paralelo com a questão do fetiche. Assim como assinalado por Freud (1927), enquanto para outros indivíduos o fetiche resulta na modificação do objeto sexual, no caso de Brian, essa energia libinal poderia ter se anulado, ou se transferido para algum aspecto não sexual de sua vida. Esse processo explicaria seu desinteresse por sexo.

 

Cena 8

Duração: 1h29min08s/1h34min54s

Descrição:

Após terem se encontrado no natal Brian e Neil vão ate a casa do treinador Hilder. Eles conseguem entrar na casa através de uma janela que esqueceram aberta. Dentro da sala, Brian pergunta sobre o que aconteceu com eles naquele verão. Então, Neil começa a contar sobre o relacionamento que teve com o treinador, a forma como ele conseguia as crianças, e os métodos que usava.

Diálogo:

“Eu era o seu preferido. Durou todo aquele verão. Só eu e ele. Num dia te trouxemos pra cá. Cada vez que havia outro garoto envolvido, a história era sempre a mesma. O treinador me usava como isca para que outro entrasse no jogo. Ele tirava minha roupa, e fazia como se tudo fosse uma brincadeira”.

Análise:

Em relação as atividades sexuais realizadas pelo pedófilo, todas as relatadas no DSM-IV foram encontradas no filme: voyeurismo, quando o treinador observava as crianças juntas; despir e tocar, também são mencionadas por Neil; no filme também é mencionado a felação, do treinador nas crianças, e entre elas, com a observação do treinador.

Outra atividade sexual que o filme da bastante ênfase foi a braquioproctosigmoidismo14, descrito por Neil, realizada pelas crianças no treinador. Isso que elas fizeram explica a cena em que Brian coloca a mão dentro da carcaça da vaca, em seguida, ele em uma alucinação e seu nariz sangra inexplicavelmente.

            Observa-se também que a técnica usada pelo treinador Helder para atrair as crianças, além dos jogos e guloseimas, era fazer com que outro menino os atraísse, nesse caso Neil. Nesta cena também fica explicito que a relação sexual é inseria de forma lúdica, visando o divertimento dos meninos. Mesmo o braquioproctosigmoidismo, diz Niel, é feito como um jogo.

Com relação as crianças que eram seduzidas, fora os alunos, não há menção direta no filme de outra forma com a qual o treinador conseguisse garotos. Entretanto, segundo a cena do Helloween, onde o treinador Hilder encontra Brian na rua, fica implícito que ele buscava crianças desconhecidas na rua para suas práticas sexuais.

            Outros aspectos conceituais da pedofilia são confirmados no filme. As crianças que se relacionaram com o pedófilo tinham menos de nove anos de idade (DSM-IV, s/d). Não obstante, segundo a mesma fonte, no caso dos pedófilos homossexuais há preferência por meninos prépuberes, ou seja, com idade entre 13 anos, neste caso a teoria contradiz o filme, já que os meninos eram bem mais novos.

            Outra questão que não vida muito evidente no filme é se o comportamento sexual do treinador era exclusivamente ligado a crianças ou se ele se relacionava com pessoas adultas. Segundo o DSM-IV, alguns pedófilos se relacionam com crianças e adultos normalmente. Também não fica evidente no filme se o treinador tinha preferência por meninas, ou se meninos eram uma exclusividade.

Por outro lado, Freud (1905) diz que grande parte dos comportamentos de pedófila se dão por substituição de um objeto sexual mais apropriado. Mas o pedófilo retratado no filme, provavelmente, não se encaixa nessa categoria. Pela própria constituição de sua casa, percebe-se que ela era projeta para atrair crianças, possivelmente ele não teria relacionamentos com outras pessoas adultas.

 

           Considerações Finais

O comportamento sexual representa em primeira veemência um aspecto essencial da vida do homem. Assim como em todos os seres vivos a reprodução visa à continuidade da espécie. Entrementes, a humanidade atribuiu nova significante a este comportamento, já que a basilar motivação que leva ao comportamento é o prazer sexual, a libido.

Como a presente pesquisa se pode analisar que a perversão é uma conduta humana recorrente. O desvio do foco de atenção que ocorre no fenômeno perverso se dá, assim como sopesa por Laplanche & Pontalis (2005), pela busca inerente da sensação libidinal. Mas ao pensar na intenção de Freud em criar um conceito livre de apreciações denegritórias, a perversão não perde seu caráter patológico na constituição psicanalítica.

Retomando a retórica de Freud (1913), se até mesmo o comportamento que visa à reprodução é patológico, então a sexualidade humana é perversa. Não obstante, considerando a etnologia da palavra, a afirmação de ‘homem perverso’ é paradoxal. Sendo a perversão igual a desvio, é o mesmo que dizer que nada é desvio. Destarte, a cogitação de Laplanche & Pontalis (2005) torna a perversidade ‘aperversa’.

            O filme Mistérios da Carne (2004) demonstra uma realidade que as pessoas se relutam em acreditar. O que se pode analisar do filme, fundamentalmente, é que determinados aspectos do sexual humano não possuem respeito unânime. Pior que isso, muitas vezes a prática possui simpatia apenas dos praticantes.

A pedofilia no decorrer da história ganhou um novo significado. Esse fato demonstra a assiduidade do fenômeno e seu reflexo nos dias de hoje. Atualmente esse tema recebeu sentido polêmico e negativo, assim como demonstrado na película. Inobstantemente, o fator aqui relevado não é o que motivou a sociedade a criar os estereótipos em relação a perversão sexual, mas sim analisar de forma imparcial o conceito de pedofilia.

Portanto, este tema polemizado e taxado como comportamento bizarro e impróprio, até mesmo por Freud (1905), tomando-se por embasamento o pensamento aferido de patologia geral da sociedade, pode-se considerar que a pedofilia é uma prática ‘normal’ e recorrente da sexualidade humana, igualmente as demais perversões.

Contudo, assim como mostra no filme, os efeitos da introdução forçada da sexualidade no indivíduo, neste caso a criança, podem ser minimamente perniciosos. Brian e Niel, personagens do filme, corroboraram através de suas personalidades opostas a influência do contato com o pedófilo.

Em epítome, se hipoteticamente a sociedade é divida pela estereotipia do lugar-comum: ‘pedofilia e perversão crimine ou patologia?’, a presente pesquisa tem como remate salientar cientificamente que, via de regra, a sexualidade humana acarreta avarias a probidade individual. A despeito disso, o cerne perverso sexual não deixa de incluir-se na essência humana.

 

           Notas

1Bulimia: Na bulimia nervosa, as pessoas ingerem grandes quantidades de alimentos e, depois, utilizam métodos compensatórios, tais como vômitos auto-induzidos, uso de laxantes  ou diuréticos, como forma de evitar o ganho de peso pelo medo exagerado de engordar (ABC da Saúde, s/d).

 

2Dipsomia: Impulso ininterrupto e irresistível de ingerir bebidas alcoólicas (Wikipédia, s/d).

 

3Gerontofilia: Atração sexual dos não-idosos pelos idosos. Pode ser a atração sexual de um homem jovem por uma mulher madura, ou de uma mulher jovem por um homem maduro. Pode ser uma atração sexual e erótica heterossexual ou homossexual (Wikipédia, s/d).

 

4Zoofilia: Atração ou envolvimento sexual de humanos com animais (Wikipédia, s/d).

 

5Vegofilia: Atração ou envolvimento sexual de humanos com vegetais (Wikipédia, s/d).

 

6Auto-felação: Prática de sexo oral por um homem em si mesmo. Na mulher essa prática, hipotética, chama-se autocunilíngua (Wikipédia, s/d).

 

7Felação: Prática o sexo oral feito no genital masculino (Wikipédia, s/d).

 

8Sodomia: Palavra de origem bíblica usada para designar as relações de sexo anais, que podem ser entre homossexuais ou heterossexuais (Wikipédia, s/d).

 

9Travestismo: Era originalmente alguém que se vestia com roupas do sexo oposto para se apresentar em shows e espetáculos, mas essa prática passou a designar, principalmente, os transgêneros. (Wikipédia, s/d).

 

10Voyeurismo: Prática que consiste num indivíduo conseguir obter prazer sexual através da observação de outras pessoas. Essas pessoas podem estar envolvidas em atos sexuais, nuas, em roupa interior, ou com qualquer vestuário que seja apelativo para o indivíduo em questão, o voyeur (Wikipédia, s/d).

 

11Incontinência Urinária: Perda involuntária de urina da bexiga em situações impróprias, devendo ser objetivamente demonstrável (ABC da Saúde, s/d).

 

12Epistaxe: Perda de sangue pelo nariz ou através deste para a boca. Ocorre mais freqüentemente em crianças, devido ao traumatismo digital e fragilidade eventual da região (ABC da Saúde, s/d).

 

13Síncope: Perda breve e repentina da consciência, geralmente com rápida recuperação, pode ser devido a múltiplas causas, desde um simples susto: ansiedade, tensão emocional, até um quadro encefalítico (ABC da Saúde, s/d).

 

14Braquioproctosigmoidismo: Também conhecida como: fistfucking, gantização, handball ou fisting é a introdução da mão, punho ou antebraço no reto (Wikipédia, s/d).

 

           REFERÊNCIAS

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Sobre o autor
Felipe Adaid

Advogado e consultor jurídico em Direito Penal e Direito Penal Empresarial no Said & Said Advogados Associados. Foi Diretor de Gerenciamento Habitacional da Secretaria de Desenvolvimento Social e Habitação e Primeiro Secretário do Conselho de Habitação do Município da Valinhos, SP. Mestre em Educação e Políticas Públicas pela PUC Campinas. Ingressou em primeiro lugar no mestrado e foi contemplado com a bolsa CAPES durante os dois anos de curso. Cursou disciplinas de pós-graduação na Unicamp. É especializando em Direito Penal, Processo Penal e Criminologia, pela PUC Campinas. Na graduação, tem 5 semestres de créditos no cursos de Psicologia, também pela PUC Campinas. Durante a graduação de Direito também foi bolsista de iniciação científica, CNPq, e foi monitor em diversas disciplinas, tanto no curso de Direito como no curso de Psicologia. Foi membro do grupo de pesquisa Direito à Educação do Programa de Pós-Graduação da PUC Campinas. É corretor de revistas científicas pedagógicas e jurídicas. É autor de 11 livros, sendo 3 ainda em fase de pré-lançamento, e organizador de outros 10 livros, além da autoria de 44 capítulos de livros publicados no Brasil, no Chile e em Portugal. É autor de mais de 100 publicações científicas, entre artigos científicos, resenhas e anais, nacionais e internacionais. Ademais, também escreve periodicamente ensaios e artigos para jornais e blogs. No âmbito acadêmico, suas principais bases teóricas são: Foucault, Lacan, Freud, Dewey e Nietzsche. Por fim, tem interesse sobre os seguintes temas: Direito, Direito Penal, Criminologia, Psicologia, Psicologia Forense, Psicanálise, Sexualidade, Educação e Filosofia.

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Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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