CAPÍTULO V - NOME DE DOMÍNIO
1. CONCEITO
Com o avanço da informática e, especialmente, da internet, o comércio eletrônico vem ganhando mais importância no cotidiano das pessoas. Um correntista pode acessar seu banco virtual (home banking) e pagar contas, efetuar aplicações financeiras ou transferência de valores sem ter que sair do conforto de seu lar. Da mesma forma, é possível a aquisição de produtos e serviços em estabelecimentos virtuais.
Estabelecimento empresarial, no preciso conceito de Fábio Ulhoa Coelho (2002b:134), é o conjunto de bens reunidos pelo empresário para a exploração da atividade econômica. Antes do surgimento da internet, o consumidor somente poderia adquirir bens dirigindo-se ao estabelecimento físico do comerciante. Com o advento do comércio eletrônico, surge o estabelecimento virtual, fisicamente inacessível ao consumidor e onde as transações se dão por transmissão eletrônica de dados.
Da mesma forma que o estabelecimento físico situa-se num endereço igualmente físico, o seu sucedâneo virtual localiza-se em um “endereço virtual”. Este endereço chama-se nome de domínio e deve obedecer um protocolo de formação conhecido pela sigla DNS (Domain Name System).
Assim, por exemplo, ao digitarmos www.fiat.pt, estaremos entrando no estabelecimento virtual do fabricante de automóveis FIAT, em Portugal, e significa que fiat é seu nome de domínio. Por este exemplo, fica fácil perceber que o nome de domínio é o nome do estabelecimento virtual do comerciante, estando, da mesma forma que o nome do estabelecimento físico, sujeito a concorrência desleal.
2. PROTEÇÃO
Tanto no Brasil, como em Portugal, não existe legislação a cuidar especificamente da matéria. O que existem são regulamentos, estabelecidos pelos órgãos de registro dos nomes de domínio. No Brasil, o órgão competente é o CG – Comitê Gestor Internet do Brasil e, em Portugal, a FCCN – Fundação para a Computação Científica Nacional.
O regulamento português (FCCN 2003) é bastante específico, contendo regras semelhantes às disciplinadas no CPI(Pt), no tocante aos princípios das marcas, enquanto o modelo brasileiro é o da anterioridade, não havendo regras específicas para concessão, ficando a responsabilidade por violação de direitos alheios por conta do requerente.
CAPÍTULO VI - CONCORRÊNCIA DESLEAL
1. CONCEITO
Como já explanado, um dos fundamentos do capitalismo é a livre iniciativa, garantido pela livre concorrência. O empresário deve abster-se de condutas que coloquem em risco a liberdade do mercado, agindo dolosamente em relação aos demais empresários.
Assim, deve-se entender concorrência desleal como sendo a conduta ou conjunto de condutas do empresário, no intuito de angariar clientela alheia, de forma fraudulenta ou desonesta.
2. MODALIDADES
De acordo com Nelson Hungria (apud Fazzio 2003:137/138), existem seis modalidades delitivas genéricas: denigração do concorrente; desvio de clientela; confusão de estabelecimento ou produto; propaganda com falsa atribuição de mérito especialmente reconhecido; corrupção para obtenção de vantagem ilícita; e violação de segredo, com abuso de confiança.
Os sinais distintivos do empresário podem ser meio para concorrência desleal em três dessas modalidades. Poderá ocorrer o desvio de clientela ou, mesmo, confusão de estabelecimento ou produto, quando um empresário adotar qualquer dos sinais distintivos alheios. Ocorrerá, também, concorrência desleal, na modalidade propaganda com falsa atribuição de mérito especialmente reconhecido, se o empresário se utilizar de marca coletiva ou de certificação, sem autorização para tal.
3. CONFUSÃO ENTRE SINAIS DISTINTIVOS
Ocorrendo confusão entre dois sinais distintivos da mesma espécie – duas marcas, por exemplo –, dentro da mesma da mesma circunscrição territorial de proteção, a legislação mostra-se suficiente a reprimir preventivamente a concorrência desleal, uma vez que existe apenas um órgão de registro a proceder o controle.
Mas o que dizer quando sinais distintivos de espécies diferentes – como uma marca e um nome de estabelecimento –, de empresários diversos, com órgãos de registro distintos e protegidos em âmbitos territoriais diversos? A anterioridade do registro é suficiente para a solução de todos os problemas?
Vejamos alguns casos reais.
Discoteca Kadoc, situada no Algarve ingressa com pedido de registro de marca, na classe 41ª – serviços de discoteca –, tendo a sociedade Kodak Portuguesa, Ltd., representante da multinacional Kodak Ventures Group, titular da marca internacional Kodak, que se insurge contra a concessão da marca baseada na semelhança fonética entre as mesmas, bem como requer reconhecimento de notoriedade ou, ainda, do grande prestígio de sua marca. Como solucionar tal conflito?
Por outro lado, imaginemos um comerciante brasileiro, tendo sua sede no Estado no Estado de São Paulo, com nome empresarial registrado como Raçaforte – Distribuidora de Produtos Agropecuários Ltda., que venha a requerer junto ao INPI o registro de marca Raçaforte. No Estado de Mato Grosso, coincidentemente, existe um outro comerciante denominado Raça Forte - Agrícola e Pecuária Ltda., com o mesmo objeto social. Lembremos que a proteção dada ao nome empresarial no Brasil está circunscrita à unidade da federação de seu registro e que a marca tem proteção em todo o território nacional. Como solucionar o conflito entre nomes empresais e marca?
3.1. Conflito entre marcas
No caso Kadoc X Kodak, o Supremo Tribunal de Justiça de Portugal, nos autos do Processo nº 03A713, decidiu que, mesmo reconhecendo a notoriedade e o grande prestígio de sua marca Kodak, o recurso interposto pela segunda parte não poderia proceder, assim fundamentando:
Ora, concluímos há pouco que entre as expressões "Z" e "X" não existe, no seu conjunto, semelhança gráfica e fonética susceptível de induzir em erro o consumidor, mesmo o mais distraído; e que, para além das diferenças gráficas, o posicionamento distinto das vogais abertas e mais acentuadas (o a em "Z" e o o em "X") nessas expressões confere a cada uma das palavras um som diferente, constituindo dissemelhança fonética capaz de afastar, em definitivo, quaisquer laivos de semelhança gráfica.
3.2. Conflito entre marca e nome empresarial
Os dois bens são igualmente protegidos pelo Direito Industrial. Enquanto a marca refere-se a produtos e serviços, enquanto o nome identifica o sujeito do direito – empresário.
No Brasil, a jurisprudência, erroneamente, no nosso entender, vem tutelando a marca, por ter proteção nacional, mesmo quando o registro do nome é anterior. Nos parece que a melhor solução está na verificação, prévia, da possibilidade de confusão entre os sinais, ante o princípio da especialidade. Sendo os mercados colidentes e sendo o registro da marca anterior, é de se ver alterado o nome empresarial; sendo o nome anteriormente registrado, o empresário dele titular não poderá fazer uso da expressão de fantasia, isoladamente, sob pena de cometer delito de concorrência desleal.
3.3. Conflitos entre marca e nome de estabelecimento
Basicamente, devem ser aplicadas as mesmas regras do conflito com nome empresarial. O agravante, no modelo brasileiro, está em fazer prova da anterioridade do nome ou insígnia do estabelecimento, uma vez que os mesmos não são passíveis de registro.
3.4. Conflitos envolvendo nome de domínio
A regra da anterioridade do registro dever prevalecer, desde que seu titular o seja, também, de algum dos outros sinais, não havendo prevalência de marca, nome empresarial ou outro sinal distintivo. Contudo, se algum empresário fizer uso do nome de outrem, não tendo direito a ele, cometerá o delito de concorrência desleal.
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