Escrevi dois artigos os quais podem muito bem contribuir para este novo artigo. São eles:
- Quem você salvaria primeiro: policial ou traficante. A enquete de Fátima Bernardes e a revolta dos conservadores;
- Delinquentes e bons cidadãos. A seletividade penal.
A criminalidade não está mais circunscrita nas metrópoles, mas transladou para os centros rurais. Nas áreas rurais, geralmente, o furto de galinha era comum, mas combatido. Contemporaneamente, os moradores dessas áreas ficam perplexos com os assaltos dentro de suas residências cujos algozes estão muito bem armados.
A violência brasileira é assunto para os criminologistas, os psicólogos, sociólogos e políticos. A sociedade, em si, não aguenta mais ver e sentir, na alma e no corpo, os crimes nas vias públicas. O trabalhador já sai de sua residência pensando em bala perdida, assalto em transporte público.
Pior é pensar que o assalto dar-se-á por inimputável (criança ou adolescente). Imagine, o trabalhador acorda, em geral, às 4h/5h para poder tomar café, quando dá, ir ao ponto de ônibus e esperar pela "eficiência" da concessionária de transporte público. Quando já dentro da "lata de sardinha" — superlotação —, o trabalhador ainda tem que enfrentar o caos do trânsito brasileiro graças aos não proficientes administradores públicos. A mobilidade urbana brasileira é um verdadeiro laboratório vivo para os especialistas em comportamento humano, já que as pressões psicológicas pelo péssimo trânsito acarretam vários distúrbios psíquicos e emocionais aos usuários. Quando se pensa na LEI Nº 8.987, DE 13 DE FEVEREIRO DE 1995 (concessão e permissão da prestação de serviços públicos) e na LEI Nº 12.587, DE 3 DE JANEIRO DE 2012 (Política Nacional de Mobilidade Urbana), o pensar causa gastrite nervosa ao avaliarmos com o cotidiano em todo o Brasil.
Diante do caos nas vias públicas, ainda há os assaltos. É um verdadeiro campo de guerra. O direito deambulatório (art. 5º, XV, da CF) é mais um direito esculpido na Lei de Papel, assim como a (in)segurança pública (art. 144, da CF). Porém, por que os crimes no Brasil aumentam? O que se deve fazer para diminui-los? A própria CF dá diretrizes. Colocarei algumas:
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
III - a dignidade da pessoa humana;
Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;
II - garantir o desenvolvimento nacional;
III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;
IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
VII - e assegurada, nos termos da lei, a prestação de assistência religiosa nas entidades civis e militares de internação coletiva;XLIX - é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral;
§ 1º As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata.
Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 90, de 2015)
Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
IV - salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim;Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:
I - zelar pela guarda da Constituição, das leis e das instituições democráticas e conservar o patrimônio público;
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
Art. 197. São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado.
Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998) (Vide Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
IV - salário-família e auxílio-reclusão para os dependentes dos segurados de baixa renda; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:
I - a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice;
II - o amparo às crianças e adolescentes carentes;
III - a promoção da integração ao mercado de trabalho;
IV - a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária;
V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.
Para os descontentes com as diretrizes as quais coloquei, já que esperavam algo como "bandido bom é bandido morto", a frustração é certa. Importante observar que, no corpo da CF, logo nas primeiras normas, os Constituintes Originários deram supraimportância à dignidade humana (art. 1º, III, da CF) e construção de uma sociedade humanitária (art. 3º, da CF).
São alicerce para o Estado Democrático de Direito. Além disso, os Constituintes Originários perceberam que a administração pública também deveria atender ao Estado Democrático de Direito:
Art. 37. A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e, também, ao seguinte: (redação original)
Destarte, como se pode construir uma sociedade justa (equidade) se há antigas práticas discriminatórias (racismo) e absolutistas (o Terceiro Estado sustentado as mordomias do Primeiro Estado, agentes políticos, e do Segundo Estado, servidores)? Existem pessoas que sentem prazer em tirar dos outros pelo simples fato de ser "malandro", "esperto", "sagaz". E isso acontece desde o assalto à mão armada até a "canetada" do crime de colarinho branco. Não há diferença. Felizmente, a sociedade começou a acordar, a partir de 2013, constatando que os crimes de colarinho branco são os causadores dos inúmeros problemas sociais no Brasil.
Porém, retornando o caso do crime na via pública. Por ser mais presente, muito diferente da "canetada", o crime na via pública é mais violento. E qual crime é mais violento na via pública? O crime com arma de fogo ou o crime praticado com automotor? A percepção do que seja "pior" depende do senso crítico cultural. Por exemplo, na Holanda, um acidente de trânsito é incomum — conforme comparações entre acidentes de trânsito no Brasil e na Holanda —, e, quando acontece, assusta. E comparando o Brasil com outros países da América do Sul? O Brasil teve 41 mil mortes no trânsito em 2013, segundo informações da ONU, em 2015. O problema está na "normose", a sensação do que seja "normal" e "anormal".
A sensação de "normalidade" de corpos estirados nas vias públicas, em decorrência de acidente de trânsito, não é considerada "anormal" — se fosse, manifestações seriam feitas na mesma intensidade contra os crimes provocados por armas de fogo. Anormal é ver corpos cravados de projéteis nas vias. Ou seja, o automotor não é visto como uma arma, pois não é uma arma. Todavia, o que é uma arma? Se pensarmos que arma é tudo que foi criado para matar, o revólver é uma arma. Lápis, caneta, automotor, porém, não são armas, mas objetos para outros fins. Essa percepção do que seja "arma" e o que ela possa fazer acaba distorcendo o que seja crime. E o carro, em acidente de trânsito, principalmente quando sob efeito de álcool, não deixa de ser uma arma furiosa.
E quanto ao "Roubou, mas fez!"? Esse adágio popular consagrou o crime de colarinho branco. E sua consequência é sentida contemporaneamente, na saúde, na educação, no saneamento básico. Enfim, nos serviços públicos em geral. A percepção de crime também varia. Não há nada demais em furtar energia elétrica, já que todos fazem. E, além disso, não mata ninguém. Já arma de fogo mata, e deve ser combatida. Entretanto, quanto ao assalto por arma branca (faca, canivete etc.)? Faca e canivete foram criados para matar? Depende do tipo de uso, ou seja, da intenção do agente. Aí veremos que arma de fogo pode ser usada para uso esportivo. Sim, a intenção. É aqui que eu queria chegar.
Tudo depende da intenção. E a intenção vem do entendimento do usuário. Eis o que escrevi no artigo Manifestações de 4 de dezembro. O sucesso depende do civismo. Civismo, a sua prática, não pode ser ensinada (determinismo), todavia, é absorvida e compreendida conforme o comprometimento com o conjunto (grupo). Se eu estou comprometido (utilitarismo) com o meu grupo social, e acho que os demais grupos sociais não merecem o meu apresso, qual o meu valor cívico perante o Estado Democrático de Direito com fulcro nos arts. 1º, § 1º, e 3º, da CF? Nenhum. Da mesma forma ocorre quando alguém, mesmo que de uma classe social desprezada, age com a máxima violência para tirar "o que a sociedade hipócrita roubou" — ainda é muito usado pelos criminosos (furto ou roubo) de classes sociais desprivilegiadas e esquecidas pelo Estado.
Nos porões dos quartéis, os presos políticos ensinaram aos presos comuns, na época estes eram os "indesejados" negros e mestiços, que os seus direitos humanos (civis, políticos, sociais, econômicos e culturais) estavam sendo violados; e deveriam obtê-los pela força. Assim disseram os comunistas mais radicais. Já a ala comunista mais light, preferia o diálogo e outros meios, sem ser pela violência física. É preciso falar nisso, pois as lutas de classes começaram pelos comunistas, os quais queriam igualdade material — como exemplo, a Revolução Russa de 1917. Não se pode esquecer de que os direitos humanos são direitos que começaram com o surgimento de utilitarismos escravocratas, diferenciadores (condição sexual) entre homens e mulheres etc.
Neste caudaloso conflito humano, guerras. E o Brasil vive uma guerra entre policiais e narcotraficantes. O que fazer com os narcotraficantes, e seus soldados, quando reincidem? As universidades do crime —penitenciárias — servem como laboratório. Ressocialização não é possível. O que fazer? A ausência do Estado nas comunidades carentes favorece o crescimento das organizações criminosas. A UPP, no Rio de Janeiro, já se demonstrou ineficaz. Não basta a presença dos policiais. Muito menos prisões. É preciso presença policial e melhorias nas condições de vida dessas populações, como saneamento, escolas, hospitais etc. Ainda é necessário, quase provar, que a sociedade "privilegiada" (moradores dos asfaltos, como dizem os moradores de comunidades) não mais discrimina pela cor, mas pela condição socioeconômica.
Quanto aos criminosos que usam dessa justificativa — roubarei a classe soberba —, não há justificativa alguma. Que se mobilize, graças ao Estado Democrático de Direito atual, e exija, sem furtar ou roubar, os seus direitos humanos. Tal justificativa — roubarei a classe soberba — servia para os períodos históricos antes de 1988, os quais não garantiam liberdade de expressão e, consequentemente, exigências ao Estado. Todavia, insistindo, e se esses oportunistas quiserem reincidir? O que fazer? E quanto aos criminosos de colarinho branco, caso eles insistam em suas práticas transgressoras ao Estado Democrático de Direito, o que fazer?
Quero dizer que há pessoas que sempre agiram pela simples intenção de lesar o próximo. Não me refiro somente aos sociopatas, mas pessoas que se aproveitam de certas situações, e não são sociopatas, para manter a Lei de Gerson em vigor. A Teoria do Vidro Quebrado provou que há pessoas, indiferentemente de sua condição socioeconômica, oportunistas, sem qualquer senso de comunidade. O que fazer com essas pessoas? E a lista de delitos é enorme, desde furto de energia elétrica até o sofisticado crime de fraudar o processo de licitação.
Já que o povo brasileiro discute sobre corrupção, o momento é propício para se refletir sobre os diversos crimes praticados — repito, desde furto de energia elétrica até o sofisticado crime de fraudar o processo de licitação — cotidianamente. Também é importante refletir sobre os ideais dos Constitucionalistas Originários para o Brasil, e se estes ideais estão sendo buscados, concretizados por todas as classes sociais.