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A administração pública e o terceiro setor

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18/05/2017 às 14:50
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3. O TERCEIRO SETOR E AS LICITAÇÕES

3.1 AS LICITAÇÕES

O tema referente às licitações é dos mais importantes e essenciais no Direito Administrativo.

Com efeito, a licitação é um procedimento[172] que, observada a igualdade de condições entre todos os licitantes, objetiva selecionar a proposta mais vantajosa.[173]

Conforme leciona Marcos Juruena Villela Souto:

A todos deve ser assegurada igualdade de oportunidade em oferecer seus bens e serviços para a Administração; por outro lado, o Administrador, por força do citado dever de eficiência, deve escolher a proposta que melhor atenda ao interesse público. A esse processo de escolha da proposta mais vantajosa para a contratação com a Administração se dá o nome de licitação.[174]

Há que se ressaltar que a exigência de licitação permite o respeito a princípios nucleares do Direito Administrativo, tais como: impessoalidade, moralidade, eficiência, publicidade, isonomia, dentre outros.

A licitação é a regra para a Administração Pública direta e indireta, conforme se extrai do artigo 37, XXI, da CRFB.

A Lei nº 8.666/93 traz as normas gerais sobre licitações e contratos administrativos. O referido diploma é fruto do exercício da competência legislativa conferida à União pelo artigo 22, XXVII, da CRFB.

Entretanto, no que tange às entidades da Administração Indireta exercentes de atividade econômica – sociedades de economia mista e empresas públicas – o artigo 173, 1º, III, da CRFB prevê que estarão submetidos a um estatuto jurídico próprio de licitações e contratação. Ocorre que o aludido estatuto ainda não fora editado, razão pela qual a matéria continua sob a disciplina da Lei nº 8.666/93.[175]

De acordo com o magistério de Marçal Justen Filho,

no futuro, haverá dois regimes básicos, um destinado à Administração direta e autárquica e outro para as entidades de direito privado organizadas segundo padrões empresariais. O regime especial para essas últimas não consistirá na liberação pura e simples para a realização de contratações, sem observância de limites ou procedimentos determinados.[176]

Em linhas gerais, o presente capítulo visa, principalmente, a analisar se as entidades do Terceiro Setor, por fazerem, muitas vezes, uso de recursos públicos, devem ou não se utilizar do procedimento licitatório, e, em havendo necessidade de licitação, a discriminar qual o procedimento a ser adotado: o da Lei nº 8.666/93 ou outro.

Deve-se ter em consideração o fato de que as entidades do Terceiro Setor são privadas, não integram a Administração Pública, mas exercem atividades de interesse público. Desta feita, essas entidades não podem se submeter integralmente ao regime de direito privado, tampouco integralmente ao regime de direito público. Deve-se buscar o consenso.[177]

Passa-se agora à análise do tema.

3.2 SERVIÇO SOCIAL AUTÔNOMO E LICITAÇÃO

Desde logo, há que se ressaltar que o assunto não é pacífico.

Um primeiro posicionamento que merece anotação é o do professor Diogo de Figueiredo Moreira Neto, para quem o serviço social autônomo não tem que fazer licitação.[178]

Leciona o autor que os serviços sociais autônomos são associações civis e por isto se lhes aplicam as garantias insertas no artigo 5º, XVIII[179], da CRFB – que impedem ingerências estatais nas associações civis. Com base neste raciocínio, o jurista chega à conclusão de que “só serão admitidas as interferências estatais previstas constitucionalmente como necessárias para a garantia da prossecução de suas respectivas finalidades sociais.”[180] Continua dizendo que “há, portanto, condicionamentos constitucionais a serem observados, não podendo ser criados nem ampliados por leis infraconstitucionais, já que o legislador constitucional as estabeleceu numerus clausus.”[181]

Segundo Diogo de Figueiredo Moreira Neto, há apenas quatro ordens de interferências constitucionais sobre o Sistema S: (i) o controle a posteriori de contas – previsto no artigo 70, parágrafo único c/c artigo 71, II, da CRFB; (ii) a responsabilidade pessoal dos dirigentes, que podem responder por improbidade administrativa – prevista no artigo 37, § 4º, da CRFB; (iii) o controle pelo mandado de segurança contra ato de seus agentes – artigo 5º, LXIX, da CEFB; (iv) a responsabilidade patrimonial objetiva – com base no artigo 37, § 6º, da CRFB, vez que, para o autor, o serviço social autônomo presta serviço público.[182]

No que tange à sujeição do Sistema S às normas de licitações, sustenta o administrativista que é uma interferência inconstitucional.[183] Isto porque, a Constituição da República, ao falar da licitação (artigos 22,XVII; 37, XXI; 173, § 1º, III) não se referiu a nenhuma outra entidade que não fosse da Administração Direta ou Indireta; e, como restou claro, o serviço social autônomo não integra a Administração Pública.[184]

Destarte, o legislador infraconstitucional não poderia ampliar o rol dos destinatários da regra de licitação. Nas palavras do autor:

A inclusão no rol das pessoas sujeitas à Lei nº 8.666/93, encontrada no seu artigo 119, é, pois, inconstitucional, ainda porque o legislador ordinário ampliou a expressão constitucional ‘empresas sob seu controle’ (artigo 37, XXI, CF) para ‘entidades controladas direta ou indiretamente pela União (art. 119, Lei nº 8.666/93).

Mas mesmo assim, os serviços sociais autônomos não estão sob controle da União, nem direta nem indiretamente, pois seus órgãos diretivos se compõem, em sua maioria, de representantes de entidades privadas não só não-governamentais como apolíticas.[185]-[186]

A posição de Diogo de Figueiredo Moreira Neto, entretanto, não é consagrada na prática e não é adotada pela maioria da doutrina.

Para José dos Santos Carvalho Filho, os serviços sociais autônomos devem observar as regras da Lei nº 8.666/93. Entende que não há qualquer vício no fato de o legislador infraconstitucional ter ampliado o rol dos destinatários da licitação, vez que a regra da licitação consagra princípios fundamentais. Pouco importa quem gasta o dinheiro público; ao se gastar dinheiro público deve haver licitação. O autor traz o parágrafo único do artigo 1º da Lei nº 8.666/93 para, partindo da premissa de que o Sistema S seria controlado indiretamente pela Administração Pública, exigir a obrigatoriedade da observância do referido diploma legal.[187]

Esse entendimento, a par de minoritário em sede doutrinária, foi parcialmente consagrado no Decreto nº 5.504/05 (artigo 1º, § 5º[188]), que exige licitação formal, preferencialmente pregão eletrônico, para o gasto de recursos públicos.

Finalmente, há um terceiro entendimento, que é majoritário entre os juristas e que conta com a nossa adesão. A licitação consagra, dentre outros princípios, o da moralidade e o da impessoalidade. Assim, por meio de uma interpretação teleológica, a regra que a Constituição da República pretendeu ao exigir a licitação para a Administração Pública é no sentido de que quando houver gasto de dinheiro público, ele deve ser feito de maneira impessoal. Como as entidades do Sistema S são privadas, não integram a Administração Pública, a exigência de observância à Lei nº 8.666/93 retiraria a eficiência dessas entidades, criando uma burocracia desnecessária.

O Supremo Tribunal Federal, na ADIn nº 1.864-PR, que trata de entidade do serviço social autônomo do Estado do Paraná – o PARANAEDUCAÇÃO –, assim se manifestou:

A Constituição Federal, no art. 37, XXI, determina a obrigatoriedade de obediência aos procedimentos licitatórios para a Administração Pública Direta e Indireta de qualquer um dos Poderes da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios. A mesma regra não existe para as entidades privadas que atuam em colaboração com a Administração Pública.

Neste contexto, o que se exige das entidades do serviço social autônomo ao gastar recursos públicos é a observância dos princípios constitucionais relacionados com a licitação[189], e isto pode ser feito com a “adoção de um regulamento próprio de licitações e contratações administrativas com regras próprias simplificadas, previamente aprovadas pelo TCU.”[190]

O Tribunal de Contas da União, por sua vez, na Decisão Plenária nº 907/97, entendeu que as entidades do Sistema S não estão sujeitas à Lei nº 8.666/93, mas devem criar regulamentos próprios que incorporem princípios gerais do processo licitatório.[191]

Segundo Marçal Justen Filho, “ditos regulamentos, no entanto, têm de ser compatíveis com a Lei nº 8.666.”[192]

Com relação ao gasto de dinheiro privado pelas entidades do Sistema S, não é necessário processo seletivo algum.

3.3 ORGANIZAÇÕES SOCIAIS, ORGANIZAÇÕES DA SOCIEDADE CIVIL DE INTERESSE PÚBLICO E LICITAÇÃO

Nas organizações sociais e nas organizações da sociedade civil de interesse público, para facilitar a compreensão, o estudo acerca da necessidade ou não de realização de licitação será subdividido.

3.3.1 A escolha das entidades para receberem a qualificação de OS e de OSCIP

De um modo geral, a doutrina sequer cogita a necessidade de licitação ou algum outro processo seletivo para que se conceda a qualificação de OS ou de OSCIP.

Destarte, no caso das OS, preenchidos os requisitos legais, o Poder Público analisará a conveniência e oportunidade em qualificar certa entidade como OS (ato discricionário). A qualificação de OSCIP, por sua vez, será conferida ao ente que preencher os requisitos legais (ato vinculado).

Com efeito, a licitação não se faz realmente necessária porque a mera qualificação não dá direito a qualquer benefício proveniente do Poder Público. Isto é, com a qualificação não há nenhum repasse de recursos públicos, cessão de servidores ou de bens; os benefícios só passam a ser concedidos após a formalização de contrato de gestão ou de termo de parceria.

3.3.2 A escolha das OS e das OSCIPs para celebrarem contrato de gestão ou termo de parceria com o Poder Público

Uma vez qualificadas as entidades como organização social ou como organização da sociedade civil de interesse público, elas estão, em tese, aptas a formalizarem vínculos com a Administração Pública, conforme visto no capítulo anterior. A questão a ser analisada, então, é quanto à exigência ou não de licitação para que a Administração Pública escolha a OS ou a OSCIP com quem celebrará contrato de gestão ou termo de parceria, respectivamente.

Poder-se-ia aventar uma primeira solução no sentido de que, como a natureza jurídica dos contratos de gestão e termos de parceria é de convênio administrativo, não seria exigida a licitação. Isto porque o artigo 2º, da Lei nº 8.666/93 impõe a regra da licitação quando houver contratação com o Poder Público. Então, como convênio não é contrato, não seria aplicado o referido dispositivo. Aplicar-se-ia, ao revés, o artigo 116, da Lei nº 8.666/93, que não fala expressamente em licitação.

O Superior Tribunal de Justiça, especificamente quanto aos contratos de gestão firmados com as organizações sociais, já se manifestou no sentido de que não se exige licitação para a sua celebração.[193]-[194]

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Por outro lado, parte numerosa da doutrina defende a necessidade de realização de licitação para a escolha das OS e das OSCIP’s que firmarão contrato de gestão e termo de parceria com o Poder Público, salvo hipóteses de dispensa ou inexigibilidade.[195]

Isto se dá, conforme salienta Marçal Justen Filho, em respeito a dois princípios fundamentais da licitação: (i) a indisponibilidade do interesse público – que impede a Administração de ceder bens, pessoal e recursos a terceiros por mera liberalidade, e impõe que se escolha a melhor alternativa[196]; (ii) o princípio da isonomia – que impõe que todas as organizações sociais e organizações da sociedade civil de interesse público têm o direito de ser tratadas de maneira isonômica.[197]

Desta forma, havendo a possibilidade de competição, deverá ser realizado o procedimento licitatório.[198]

Pela precisão, merece ser transcrita a lição de Marçal Justen Filho:

Será imperioso que o Estado divulgue sua intenção de promover contratos de gestão com determinado objeto. Não é possível que as contratações de gestão façam-se às ocultas, sem cumprimento do requisito da publicidade. Para tanto, o Estado terá o dever de estabelecer as condições básicas previstas para o contrato de gestão. Em última análise, a existência de um único interessado somente poderá ser apurada mediante a realização de procedimento de natureza seletiva, ao qual tenham acesso todos os possíveis interessados. A inexigibilidade poderá decorrer, porém, de peculiaridade da atividade objeto do contrato de gestão, em que a competição não possa ser selecionada por critérios objetivos.[199]

Ressalte-se que, tanto nos contratos de gestão como nos termos de parceria, a entidade privada assume a obrigação de prestar atividades em benefício da comunidade.[200] Por conta disso, Marçal Justen Filho defende a similitude com os contratos de concessão de serviço público, sugerindo, inclusive, que, sendo o caso de licitar (ou seja, não sendo hipótese de dispensa ou de inexigibilidade), deve ser obedecido o modelo da Lei nº 8.987/95.[201]

Registre-se, desde logo, que discordamos do eminente jurista, tendo-se em conta que, ao nosso sentir, organizações sociais e organizações da sociedade civil de interesse público não prestam, em regra, serviço público.

No que se refere especificamente às OSCIP’s, o artigo 23 do Decreto nº 3.100/99 faculta que a escolha da entidade com quem se celebrará o termo de parceria seja feita através de publicação de edital de concurso de projetos. José Anacleto Abduch Santos defende que o dispositivo não produz qualquer inovação, apenas tratou de ressaltar a modalidade de concurso já contemplada na Lei nº 8.666/93.[202] O Tribunal de Contas da União, por sua vez, já afirmou que não é nulo termo de parceria firmado sem concurso de projetos.

Observe-se, ainda, que a entidade que deseja firmar contrato de gestão ou termo de parceria deverá atender os requisitos de capacidade técnica reputados necessários em vista do objeto, as exigências referentes à qualificação jurídica e à regularidade fiscal.[203]

Há também um terceiro posicionamento no sentido de que não é necessária a observância da Lei n 8.666/93, mas “a objetividade precisa ser assegurada, pelo que tem de ser oferecida oportunidade a que os parceiros privados interessados concorram.”[204] Ou seja, algum procedimento objetivo de escolha deve ser realizado. É o que nos parece mais correto.

3.3.3 A contratação realizada por OS e OSCIP’s com utilização de recursos públicos

Formalizado o contrato de gestão ou o termo de parceria, as organizações sociais ou as organizações da sociedade civil de interesse público necessitam realizar contratações para o cumprimento das metas fixadas com o Poder Público. Não raras vezes, essas contratações com terceiros são concretizadas mediante a utilização de recursos públicos repassados pelo Poder Público.

Tendo-se em conta que há o gasto de dinheiro público, há que se defender a observância dos princípios que inspiram a regra da licitação.[205] A exigência de observância da Lei nº 8.666/93 implicaria uma burocratização excessiva e dissonante com o ideário da reforma administrativa, que inspirou o surgimento de entidades como as OS e as OSCIP. Entretanto, permitir que essas entidades contratem terceiros, utilizando recursos públicos, sem qualquer procedimento objetivo de seleção poderia dar azo a fraudes e favorecimentos. Assim, em nome da eficiência, da moralidade, da impessoalidade, o ideal é a utilização de procedimentos objetivos simplificados.

As Leis nº 9.637/98[206] e nº 9.790/99[207] exigem que as OS e as OSCIP’s elaborem um regulamento próprio que contenha os procedimentos a serem adotados para a contratação de obras, serviços, compras e alienações.

Note-se que há um aparente conflito entre as Leis nº 9.37/98 e nº 9.790/99 – que pedem a elaboração de um regulamento próprio – e o Decreto nº 5.504/05 – que diz que as OS e OSCIP’s deverão realizar pregão eletrônico. Com efeito, tendo-se em conta que o decreto viola frontalmente o disposto nos diplomas legais, tem-se que o artigo 1º, § 5º do Decreto nº 5.5.4/05 é ilegal, não merecendo aplicação. O Tribunal de Contas da União vem afirmando que os regulamentos prevalecerão.

3.3.4 A contratação pela Administração Pública de OS e OSCIP’s (sem ser para celebração de contratos de gestão e termos de parceria) –

Além do contrato de gestão e do termo de parceria, a Administração firma contratos instrumentais com as OS e as OSCIP’s relacionados com os contratos de gestão e termos de parceria anteriormente firmados.

No caso das OS, o artigo 24, XXIV, da Lei nº 8.666/93, previu dispensa de licitação para a hipótese de “celebração de contratos de prestação de serviços com as organizações sociais, qualificadas no âmbito das respectivas esferas de governo, para atividades contempladas no contrato de gestão.”[208]

Valter Shuenquener Araújo critica o dispositivo, porque, segundo ele, impede a competitividade entre organizações sociais que atuem na mesma área.[209] Sustenta o autor que

a despeito de a Lei nº 8.666 não fazer restrições, o seu art. 24, XXIV, deve apenas ser empregado, por conta dos princípios da competitividade, da isonomia e da moralidade, quando não existirem motivos que justifiquem uma competição entre as organizações sociais da área que se pretende contratar. Fora dessa circunstância, a licitação merece ser promovida.[210]

Marçal Justen Filho, por sua vez, ao tratar do tema não invoca a existência de qualquer vício no disposto pelo artigo 24, XXIV, da Lei nº 8.666/93.[211] Em suas palavras:

Uma vez firmado o contrato de gestão, as futuras contratações de prestação de serviço – já previamente identificadas – serão pactuadas sem necessidade de nova licitação. O requisito da objetividade da atuação administrativa estará satisfeito através da disputa para obtenção do contrato de gestão. As regras constitucionais acerca da atividade administrativa disciplinam a conduta dos agentes públicos quando selecionam organização social para o contrato de gestão.[212]

Em abril de 2015, a sessão plenária do STF julgou parcialmente procedente a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.923, por maioria, entendeu que a Lei nº 9.637/98 e o artigo 24, XXIV da Lei nº 8.666/93 são constitucionais, conferindo interpretação conforme a Constituição no tocante às regras que dispensam licitação em celebração de contrato de gestão firmado entre o Poder Público e as organizações sociais para prestação de serviços públicos de ensino, pesquisa científica, desenvolvimento tecnológico, proteção e preservação do meio ambiente cultura e saúde (considerados serviços não privativos do Estado).

O voto condutor foi de Luiz Fux, com a ressalva da necessidade de controle da aplicação das verbas públicas pelo Ministério Público e pelo Tribunal de Contas. Salientou que não obstante a dispensa da licitação, ainda assim a seleção de pessoal deve ser feita de forma pública, objetiva e impessoal, nos termos do regramento próprio editado pela entidade.

Embora a matéria de fundo contida na ADI diga respeito tão somente às Organizações Sociais, o tema está inserido num contexto de maior abrangência e de suma importância para o alcance dos objetivos do Estado brasileiro. Qual seja, no contexto dos limites da atividade administrativa de fomento às organizações da sociedade civil com base na Constituição da República.

Merece ser transcrito trecho do voto do Ministro condutor, Luiz Fux:

(...)“Em outros termos, a Constituição não exige que o Poder Público atue, nesses campos, exclusivamente de forma direta. Pelo contrário, o texto constitucional é expresso em afirmar que será válida a atuação indireta, através do fomento, como o faz com setores particularmente sensíveis como saúde (CF, artigo 199, parágrafo2º, interpretado a contrario sensu – “é vedada a destinação de recursos públicos para auxílios ou subvenções às instituições privadas com fins lucrativos”) e educação (CF, artigo 213 – “Os recursos públicos serão destinados às escolas públicas, podendo ser dirigidos a escolas comunitárias, confessionais ou filantrópicas, definidas em lei, que: I - comprovem finalidade não-lucrativa e apliquem seus excedentes financeiros em educação; II - assegurem a destinação de seu patrimônio a outra escola comunitária, filantrópica ou confessional, ou ao Poder Público, no caso de encerramento de suas atividades”), mas que se estende por identidade de razões a todos os serviços sociais”.

(...)

“Disso se extrai que cabe aos agentes democraticamente eleitos a definição da proporção entre a atuação direta e a indireta, desde que, por qualquer modo, o resultado constitucionalmente fixado – a prestação dos serviços sociais – seja alcançado. Daí porque não há inconstitucionalidade na opção, manifestada pela Lei das OS’s, publicada em março de 1998, e posteriormente reiterada com a edição, em maio de 1999, da Lei nº 9.790/99, que trata das Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público, pelo foco no fomento para o atingimento de determinados deveres estatais”.[213]

Note-se que, após a leitura do artigo 24, XXIV, da Lei nº 8.666/93, a doutrina parece concordar que a referida dispensa de licitação somente ocorre se o contrato tiver por objeto atividade contemplada no contrato de gestão. Ademais, somente há a dispensa de licitação se o contrato do artigo 24, XXIV, da Lei nº 8.666/93 for firmado entre a OS e a entidade federativa que lhe deu a respectiva qualificação.[214]

Finalmente, tem-se que o artigo 24, XXIV, da Lei nº 8.666/93 refere-se expressamente somente às OS, não fazendo qualquer menção às OSCIP’s. Todavia, a referida dispensa de licitação merece ser estendida às OSCIP’s. Isto porque os contornos jurídicos das OS e das OSCIP’s são similares.[215]

3.4 ENTIDADES DE APOIO E LICITAÇÃO

Valter Shuenquener de Araújo sustenta que a contratação das entidades de apoio pode ser feita com dispensa de licitação, nos termos do artigo 24, XXIV, da Lei nº 8.666/93.[216] No que tange às instituições federais de ensino, o artigo 1º da Lei nº 8.958/94 prevê expressamente a dispensa nos moldes da Lei nº 8.666/93, devendo o contrato ser celebrado por prazo determinado.

No que se refere às compras e alienações realizadas pelas entidades de apoio, tem-se que, como são entidades privadas, não precisam observar o procedimento da Lei nº 8.666/93.[217] As instituições federais de ensino, por sua vez, tiveram sua liberdade limitada pela Lei nº 8.958/94. Prevê o artigo 3º, I, que as referidas entidades de apoio deverão observar a Lei nº 8.666/93 na execução de contratações que envolvam a aplicação de recursos públicos.

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Sobre a autora
Juliana Viera Bernat de Souza

Advogada Pública na Agência Nacional de Saúde Suplementar, formada pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOUZA, Juliana Viera Bernat. A administração pública e o terceiro setor. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5069, 18 mai. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/54696. Acesso em: 5 nov. 2024.

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