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A administração pública e o terceiro setor

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18/05/2017 às 14:50
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4 CONCLUSÃO

Em função da crise do Estado brasileiro, que se tornou incapaz de, sozinho, satisfazer as necessidades coletivas da população, iniciou-se a reforma administrativa, que objetiva a transformação do Estado burocrático para o Estado gerencial. A administração gerencial, preocupada com o resultado e com o atendimento dos interesses da sociedade, é norteada pelos princípios da subsidiariedade, participação, autonomia, profissionalização, transparência e consensualidade.

Neste cenário, prosperam as entidades do Terceiro Setor, que, atuando em parceria com o Estado, passam a assumir a execução de atividades de interesse público. O Estado fomenta a atuação da sociedade civil e somente atua, subsidiariamente, quando a sociedade não puder fazê-lo.

O Terceiro Setor não faz parte da Administração Pública; é formado por entidades privadas, sem fins lucrativos e com finalidade pública, alicerçado na subsidiariedade estatal e no fomento público.

Dentre as entidades do Terceiro Setor, podem ser destacadas o serviços sociais autônomos, as organizações sociais, as organizações da sociedade civil de interesse público e os entes de apoio.

Os serviços sociais autônomos, também denominados de Sistema S, não contam com uma legislação uniforme que trate de sua disciplina. Ao revés, o que há, eventualmente, são diplomas legais específicos que vão estabelecer uma autorização legal para a criação de uma entidade do Sistema S.

A Constituição da República refere-se aos serviços sociais autônomos, em seu artigo 240, explicitando que serão remunerados por contribuição social. Por conta disto, submetem-se ao controle efetivado pelo Tribunal de Contas, além de uma supervisão ministerial.

Os trabalhadores do Sistema S são regidos pela Consolidação das Leis Trabalhistas, sendo certo que não são escolhidos mediante concurso público e não se submetem ao teto remuneratório previsto na Carta Federal para os servidores públicos.

As organizações sociais são disciplinadas pela Lei nº 9.637/98, enquanto as organizações da sociedade civil de interesse público têm seu tratamento na Lei nº 9.790/99. Elas não representam novos formatos de pessoas jurídicas de direito privado, mas, ao revés, são qualificações jurídicas especiais conferidas a pessoas jurídicas privadas já existentes (fundações privadas ou associações civis).

O critério para a concessão do título de OS é discricionário, ao passo que a concessão do título de OSCIP é um ato vinculado.

Uma vez qualificadas, as OS podem celebrar contrato de gestão com o Poder Público, e as OSCIP’s, termo de parceria. Ambos os instrumentos possuem a mesma natureza jurídica, qual seja, a de convênio administrativo, vez que veiculam interesses comuns e não contrapostos (como ocorre nos contratos).

Através do contrato de gestão e do termo de parceria serão fixadas metas a serem cumpridas pela entidade privada e, em troca, o Poder Público concede benefícios de diversos tipos, submetendo as entidades a um controle de resultados.

Os trabalhadores das OS e das OSCIP’s não são selecionados mediante concurso público e são regidos pela CLT.

As referidas entidades são controladas pelo Tribunal de Contas, na medida em que administrem bens e/ou valores de natureza pública.

As entidades de apoio, por sua vez, não contam com uma legislação uniforme de regência. Há, entretanto, a Lei nº 8.958/94, que trata das relações entre as instituições federais de ensino superior e de pesquisa científica e tecnológica e as fundações de apoio.

Assim como as demais entidades do Terceiro Setor, as entidades de apoio são controladas pelo Tribunal de Contas.

Tema de relevo refere-se à necessidade ou não de as entidades do Terceiro Setor se submeterem à regra da licitação. O assunto não é pacífico, tendo a jurisprudência agora trazido um norte, mantendo o sentido da desnecessidade do procedimento licitatório, contudo, sendo todo o procedimento guiado de forma pública, objetiva e pessoal.

Com efeito, no que tange aos serviços sociais autônomos, o professor Diogo de Figueiredo Moreira Neto sustenta a desnecessidade de realização de licitação. Em posição diametralmente oposta, José dos Santos Carvalho Filho defende a necessidade de observância do procedimento licitatório da Lei nº 8.666/93.

Deve prevalecer, entretanto, o entendimento no sentido de que o serviço social autônomo, ao gastar recursos públicos, deve observar os princípios constitucionais relacionados com a licitação, mas não precisa – ou melhor, não deve – seguir o regramento da Lei nº 8.666/93. Destarte, o ideal é a adoção de um regulamento próprio simplificado de licitações e contratações.

Com relação às organizações sociais e às organizações da sociedade civil de interesse público, para que as entidades privadas recebam as referidas qualificações, não se faz necessário licitar, afinal a mera qualificação não implica em repasse de recursos públicos, cessão de servidores ou de bens; os benefícios só passam a ser concedidos após a formalização de contrato de gestão ou de termo de parceria.

Para a celebração de contrato de gestão ou termo de parceria, há posição no sentido de que não é exigida a observância do procedimento licitatório. Mas há, todavia, em divergência, quem defenda a necessidade de realização do procedimento formal de licitação.

Parece mais acertado defender que se realize algum procedimento simplificado e objetivo de escolha da entidade que firmará o contrato de gestão ou o termo de parceria.

No que se refere especificamente à contratação de obras, serviços, compras e alienações, pelas organizações sociais e pelas organizações da sociedade civil de interesse público, as Leis nº 9.637/98 e nº 9.790/99 exigem que as OS e as OSCIP’s elaborem um regulamento próprio que contenha os procedimentos a serem adotados.

Finalmente, quando as organizações sociais e organizações da sociedade civil de interesse público celebram contratos com a Administração Pública, cujo objeto seja atividade contemplada no contrato de gestão ou no termo de parceria, há dispensa de licitação.

As entidades de apoio, por sua vez, em regra não precisam observar o procedimento licitatório da Lei nº 8.666/93. No que tange às instituições federais de ensino, todavia, por expressa previsão da Lei nº 8.958/94, deverão observar a Lei nº 8.666/93 na execução de contratações que envolvam a aplicação de recursos públicos.

Enfim, em linhas gerais, as entidades do Terceiro Setor não precisam, em regra, observar o procedimento licitatório da Lei nº 8.666/93, vez que isto macularia o propósito de imprimir maior eficiência, criando uma burocracia desnecessária. Entretanto, como, muitas vezes, há recursos públicos envolvidos, faz-se prudente a realização de procedimentos simplificados de escolha, em preservação aos princípios da isonomia, impessoalidade e moralidade.


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Sobre a autora
Juliana Viera Bernat de Souza

Advogada Pública na Agência Nacional de Saúde Suplementar, formada pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOUZA, Juliana Viera Bernat. A administração pública e o terceiro setor. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5069, 18 mai. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/54696. Acesso em: 26 abr. 2024.

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