Cadeia não recupera serial killer e coloca sociedade em perigo

21/12/2016 às 15:00
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Segundo especialistas, o transtorno não tem cura. É ingênuo colocar criminoso em série na cadeia, para fazer justiça. O tempo máximo de detenção são 30 anos, já em hospital psiquiátrico, a prisão pode ser perpétua.

João Acácio Pereira da Costa foi preso em 1967, acusado de assaltos e latrocínios a mansões da capital paulista. Francisco Costa Rocha foi preso em 1966 por homicídio e esquartejamento de uma mulher. Em 1976, foi detido por reincidência. Francisco de Assis Pereira foi preso em 1998, condenado pelo estupro seguido de homicídio e ocultação  de cadáver de nove mulheres.

Os três criminosos confessaram todos os crimes pelos quais foram acusados. Os laudos psiquiátricos apontaram a presença de distúrbio de personalidade e classificaram os presos como semi-imputáveis – tem capacidade de entender o caráter ilícito do ato, mas é incapaz agir de acordo com este entendimento.

O julgamento de crimes contra a vida é encaminhado ao Tribunal do Júri e com eles não foi diferente. Foram condenados pelos jurados como criminosos comuns; imputáveis – com plena capacidade de entender o caráter ilícito do ato e agir de acordo com este entendimento –. O “Bandido da Luz Vermelha”, “Chico Picadinho” e o “Maníaco do Parque” estão entre os nomes dos psicopatas mais perigosos da história do país.

Crimes em série

João Acácio Pereira da Costa ou Bandido da Luz Vermelha foi preso após seis anos de investigação policial. Seus atos seguiam sempre o mesmo “script”; ele entrava na residência durante a madrugada portando uma lanterna, desligava o sistema de luz e cometia o crime. Tal peculiaridade rendeu o apelido ao criminoso. Foi condenado pelo Júri a mais de 350 anos de prisão, porém, o Código de Processo Penal brasileiro determina 30  anos como o tempo máximo de detenção para um indivíduo. Ele foi solto em 1997, voltou à Joinville, sua cidade natal, onde meses depois foi assassinado pelo pescador Nelson Pinzegher; quem alegou legítima defesa.

Francisco Costa Rocha ou Chico Picadinho conheceu sua primeira vítima, a bailarina austríaca Margareth Suida, em 1966. Após ter relações sexuais com Margareth, ele a estrangulou. Para se livrar das evidências, ele esquartejou, retalhou todo corpo da vítima e o colocou na banheira. Foi preso dias depois e condenado a 18 anos de reclusão. Conseguiu liberdade condicional após oito anos por bom comportamento.  Em 1976, Chico cometeu o mesmo crime contra uma prostituta. Desta vez, colocou as partes da vítima em uma mala de viagem. Foi preso dias depois. A defesa apresentou laudo que o classificava como psicopata. No entanto, ele foi julgado como criminoso comum pelo Júri e condenado a 22 anos de reclusão. Sua pena terminaria em 1998, porém, o Ministério Público entrou com uma interdição civil para que o assassino não fosse colocado em liberdade. A alegação foi de que ele apresentava risco à sociedade. Chico Picadinhofoi encaminhado a um hospital de custódia e tratamento psiquiátrico.

O motoboy Francisco de Assis Pereira ou Maníaco do Parque atraía mulheres jovens e morenas para um local reservado do Parque do Estado, em São Paulo. Ao todo estuprou e matou nove mulheres entre 1996 e 1998. Depois do crime, ele escondia os cadáveres.  O laudo psiquiátrico apontou personalidade psicopática, mas os jurados desconsideraram o exame e o condenaram como imputável a cumprir 147 anos de prisão. Sendo assim, como rege o CPP, ele ficará detido por, no máximo, mais 18 anos.

“Minha tese para defesa era baseada no laudo, que dizia que o Franciso era semi-imputável, era isso que eu queria que os jurados avaliassem”, afirma a advogada do caso, Maria Elisa Munhol. Segundo ela, o Maníaco do Parque foi o primeiro criminoso a ter o teste de Rorschach –  técnica suiça que utiliza placas com manchas de tinta para a avaliação psicológica – e o laudo acusou sociopatia. Por isso, ela insistiu no reconhecimento do documento, pois, apesar de a psiquiatria não ser a sua área de estudo, ela tem consciência de que o portador desta patologia não tem recuperação. “Nada bloqueia isso, é uma pessoa que precisa ficar segregada para sempre”, diz. A advogada explica que o psicopata entende o que está fazendo, mas não consegue se controlar. “É um impulso, uma voz dentro da mente deles que os obriga a cometer os crimes”.

Para ela, é um erro desconsiderar a avaliação de um profissional em um julgamento deste tipo. É o caso do Chico Picadinho, que cumpriu a pena, foi solto e reincidiu no crime. Ele foi julgado como criminoso comum e, segundo a advogada, quando chegou o fim dos 30 anos de detenção, ele deveria ser solto. Mas não foi. Isso porque, pouco tempo antes do encerramento de sua pena, O Bandido da Luz Vermelha havia sido solto e assassinado. “Então, o Ministério Público saiu que nem louco para manter o Chico preso”, afirma. O MP entrou com uma interdição civil, pela qual Chico Picadinho é mantido em cárcere até hoje.

No limite entre a loucura e a normalidade

Para o psiquiatra forense Guido Palomba, com mais de 30 anos de experiência, a grande verdade é que esses indivíduos da “zona fronteiriça”, como ele chama, são o grande problema do sistema penitenciário. “Você mostrar a loucura para o leigo é simples, o difícil é você mostrar que aquele indivíduo que parece normal, não é”, explica.

Palomba se refere aos classificados no Código Penal como semi-imputáveis; psicopatas, condutopatas, sociopatas e portadores de transtorno de personalidade. Eles não são doentes mentais, mas possuem um defeito moral ou comportamental. “É uma questão entre a capacidade de entender o caráter criminoso e a capacidade de se determinar de acordo com esse entendimento, do querer e do fazer”, diz.

O psiquiatra explica que depois da reforma do Código Penal nos anos 80, quem se enquadra na semi-imputabilidade é equiparado ao criminoso comum ou ao doente mental, não há uma determinação específica para sua condição. Se nivelado ao criminoso comum, ele é enviado à cadeia e pode ter a redução de um a dois terços da pena. Do contrário é enviado para tratamentos psiquiátricos em um manicômio ou casa de custódia e tratamento. “Você pode recuperar um criminoso comum com a reclusão ou um doente mental com remédios, mas o fronteiriço é praticamente irrecuperável”, explica. Para ele, portanto, a pena para os semi-imputáveis deveria ser agravada, não reduzida.

O problema é que a Justiça tem um entendimento que não condiz com a realidade, segundo Palomba. “Muitas vezes, o Ministério Público quer jogar para a platéia”, diz. Para o psiquiatra foi isso que ocorreu no julgamento do caso de Mateus da Costa Meira, que atirou em oito pessoas dentro do cinema do shopping Morumbi. Segundo ele, o estudante tem vários gêneros de loucura em uma só pessoa, mas foi condenado como criminoso comum. “O Ministério Público saiu de lá cantando vitória pela pena de 136 anos, mas isso é tudo balela porque ninguém cumpre mais do que 30 anos”, diz. Se o preso cumpre um sexto, cinco anos, em bom comportamento, ele vai para as ruas no regime semiaberto, afirma Palomba. Ou seja, 136 anos se transformaram em cinco.

Se o Maníaco do Parque fosse julgado como semi-imputável e igualado ao inimputável – que não tem condições de entender o caráter criminoso do ato – ele  pegaria, inicialmente, o máximo de três anos de medida de segurança. Terminado esse período, ele não vai para a rua e é submetido a exames psiquiátricos. “O criminoso só é liberado quando não apresenta periculosidade, só que sua periculosidade não cessaria nunca, então, ele ficara fora da sociedade por muito mais do que 30 anos”, conclui. De acordo com uma decisão recente do Supremo Tribunal Federal, a medida de segurança também deve acabar em 30 anos, no entanto, o réu que apresenta periculosidade é encaminhado a um hospital psiquiátrico para receber tratamentos. Ao contrário da pena que determina o máximo de 30 anos de detenção.

Porém, ao passo que ele pegasse o inicial de três anos, o Ministério Público ou o promotor sairia do julgamento como derrotado perante a opinião pública, de acordo com Palomba.

Apesar de estes três anos poderem equivaler a cem, a população entende que não se está fazendo justiça. “Jogar para o Tribunal do Júri é jogar para a platéia”, explica Palomba no que se refere a casos de semi-imputabilidade. Se para os psiquiatras a psicopatia já é um tanto quanto complexa, colocar pessoas leigas para julgar crimes desta categoria está totalmente errado, protesta o médico.

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Jurados: culpados pela inocência

Para a defensora pública Carmen Silva de Morais Barros, há uma questão jurídica versus o clamor social. Casos em que a pessoa comete um crime muito grave, como fez o Maníaco do Parque, existe um discurso influente na imprensa. “A defesa está dizendo que ele é louco, para ele ser absolvido e não ir para a cadeira, ir para um hospital”, cita.  Essas informações são passadas às pessoas com um clamor social enorme pela condenação do criminoso. Segundo Carmen, é por isso que em casos muito divulgados pela mídia dificilmente é reconhecida a inimputabilidade e imposta a medida de segurança, por mais psicóticos que sejam os crimes. É criada a imagem de que quem vai para o hospital para tratamento não é punido. “Como se ir para um manicômio judiciário fosse uma coisa maravilhosa”, diz.

O hospital de custódia e tratamento não deveria ser como a cadeia, mas é uma espécie de presídio. Segundo a defensora, ainda não se descobriu uma forma eficaz para o tratamento dos criminosos com transtorno de personalidade, os semi-imputáveis. “É o caso do Maníaco do Parque, a cidade inteira estava atrás dele, ele ia ser preso, se tivesse controle do impulso não ia continuar fazendo a mesma coisa no mesmo lugar”, diz.

Carmen acredita que os jurados são apenas bonecos que não entendem da ciência psiquiátrica e têm que julgar criminosos que ainda são incógnitos até para a medicina. Como leigos, julgam de acordo com a interpretação que têm sobre o que foi cometido. “O Código Penal não leva em consideração a doença, o tratamento tem relação com o crime, não tem relação com a doença, o que é um absurdo”.

2028: o destino do Maníaco do Parque

A advogada Maria Elisa Munhol acredita que o Ministério Público vai agir com o Maníaco do Parque da mesma forma como fez com Chico Picadinho .  “É um problema que pertence ao MP”, diz. Para a advogada, os psicopatas podem ficar presos por 30 anos, mas, quando saírem, cometerão o mesmo crime.

O que esclarece o secretário da promotoria de execuções criminais do Ministério Público, Marcelo Orlando Mendes, é que o MP é escravo da lei. Portanto, se o Maníaco do Parque foi condenado com imputável, quando terminarem os 30 anos ele tem que ser solto. “A lei não me permite aplicar uma pena privativa de liberdade e uma medida de segurança, não posso fazer a aplicação dessas duas, ou eu aplico uma ou outra”, esclarece.

O que existe é a conversão de pena. Segundo ele, se no decorrer do cumprimento da pena o preso adquirir uma doença mental, ele é encaminhado a uma medida de segurança. Os carcereiros e companheiros de cela que podem dizer isso, aí o MP age.

No caso do Chico Picadinho, a atuação saiu da esfera penal. Segundo o secretário, o Ministério Público agiu pelo Código Civil.  “Se a perícia diz que a periculosidade é reduzida a ponto de ser considerado um semi-imputável, eu tenho que aplicar a lei e reduzir a pena. Porém, se ele causa risco à sociedade,  mas não gera periculosidade a ponto de necessitar de internação penal, daí a gente vai fazer o pedido de interdição civil”, explica.

Mendes revela que gostaria de poder aplicar a medida de segurança em situações de estupro reincidente e crimes contra crianças, no entanto, a lei pede condenação e pena privativa de liberdade. Ele não se conforma com essa aplicação para, por exemplo, um criminoso que estuprou um menor. Ele cumpre a pena e depois é solto, mesmo sendo um temor para a sociedade. “Qualquer coisa que o MP fizer contra essa liberação será contra a lei”, declara.

Justiça e Psiquiatria como aliadas

O psiquiatra forense, Guido Palomba, aposta na criação de uma “casa cadeia” que ofereça um tratamento psicopedagógico aos criminosos. Dar afazeres e responsabilidades aos presos. A liberdade seria baseada na periculosidade, se ela cessasse, o criminoso poderia ser solto. “É prisão perpétua? É. Você vai por a sociedade em risco? Não”, argumenta.

Outro ponto importante, de acordo com o psiquiatra, é a necessidade da mudança da mentalidade dos juízes, promotores e advogados. Eles precisam agir para que o indivíduo semi-imputável ou psicopata seja encaminhado à medida de segurança, pois a patologia não tem cura. A análise do laudo médico deve vir antes da avaliação da “leiga” opinião pública.

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Sobre a autora
Tamara Arianne

Formada em Psicologia. Pós Graduada em Saúde Mental. Mestranda em Ciências Criminológico- Forenses pela UDE de Uruguai. Estudo por conta própria a área criminal desde pequena. Pretendo trabalhar com criminosos e contribuir de alguma forma para a prevenção dos seus delitos.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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