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Breve análise das empresas de pequeno porte na ordem econômica constitucional brasileira

24/12/2016 às 11:25
Leia nesta página:

Analisamos como o princípio do tratamento favorecido às empresas de pequeno porte está sendo concretizado e se está sendo suficiente para garantir melhores condições de concorrência no mercado.

1. Introdução

O Brasil é conhecido pelas dificuldades que os micros e pequenos empresários encontram para empreender. Toda essa dificuldade fica mais evidente quando as empresas passam a concorrer com empresas grandes presentes no mercado brasileiro.

Esse quadro pode levar a consequências sérias tanto na esfera econômica como na esfera social, se não tratado da forma adequada, visto que as empresas de pequeno porte são grandes geradoras de renda e emprego.

A forma como a Constituição de 1988 tratou do tema foi através do princípio que institui o tratamento favorecido às empresas de pequeno porte.

O presente trabalho visa, diante disso, analisar se este tratamento favorecido que consta no princípio constitucional está se efetivando e realmente facilitando a atividade empresarial das empresas de pequeno porte, passando por uma rápida análise da ordem econômica e trazendo, se existentes, exemplos do tratamento favorecido.

2. A ORDEM ECONÔMICA NA CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA

Para analisarmos as empresas de pequeno porte na ordem econômica da Constituição Federal brasileira, é essencial fazer considerações acerca do que consta na Lei Maior sobre o tema.

A Constituição Brasileira de 1988 não se detém em apenas limitar os poderes estatais, constando nela variada gama de direito positivos, bem como diretrizes as quais devem ser seguidas para que se alcancem os objetivos programados constitucionalmente, sendo classificada como dirigente ou programática.

A ordem econômica não fugiu a regra e foi mais um ponto sobre o qual a Constituição Brasileira delineou seu programa, reservando o título VII inteiro para tratar sobre o tema e implantar uma nova ordem econômica, como bem atesta Grau (1990, p. 199):

Que a nossa Constituição de 1988 é uma constituição dirigente, isso é inquestionável. O conjunto de diretrizes, programas e fins que enuncia, a serem pelo Estado e pela sociedade realizados, a ela confere o caráter de plano global normativo, do Estado e da sociedade. O seu art. 170 prospera, evidentemente, no sentido de implantar uma nova ordem econômica.

Apesar de ter a Constituição de 1988 implantado nova ordem econômica, esta seguiu um modelo já conhecido e testado no mundo, não revolucionando, sendo claramente associada ao capitalismo, como lembra Silva (2005, p. 786):

Não, aqui, como no mundo ocidental em geral, a ordem econômica consubstanciada na constituição não é senão uma forma econômica capitalista, porque ela se apoia inteiramente na apropriação privada dos meios de produção e na iniciativa privada (art. 170). Isso caracteriza o modo de produção capitalista, que não deixa de ser tal por eventual ingerência do Estado na economia nem por circunstancial exploração direta de atividade econômica pelo Estado e possível monopolização de alguma área econômica[...]

A Constituição em seu artigo 170 positivou que “a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social”. É uma positivação bem objetiva que delineia os principais traços da ordem econômica.

Diante disso, Figueiredo (2011, p. 54) analisa que podemos concluir que quando a Constituição valoriza o trabalho humano, ela quer dizer que o Poder Público tem o dever de garantir proteção aos trabalhadores para que não sejam adotadas nos meios de produção formas de trabalho degradante, garantindo assim condições de trabalho e remunerações que garantam acesso a todos os bens de consumo e serviços essenciais.

Ainda em sua obra, Figueiredo (2011, p. 55) comenta que a valorização da livre iniciativa significa que o Estado não deve restringir o exercício da atividade econômica, salvo quando necessário para a proteção da sociedade. Lembra ainda que é um corolário do liberalismo econômico, ainda que mitigado, e significa a liberdade de entrar, permanecer e sair do mercado, sem interferências externas.

Quando menciona que a finalidade da ordem econômica é a existência digna, a Constituição volta a lembrar do princípio da dignidade da pessoa humana que preexiste ao próprio direito e é um dos fundamentos da República, sendo dessa vez utilizado nas relações de direito privado. Não se pode olvidar que este princípio deve ser alcançado conforme os ditames da justiça social, nesse sentido explica Silva (2005, p. 789):

Um regime de justiça social será aquele em que cada um deve poder dispor dos meios materiais para viver confortavelmente segundo as exigências de sua natureza física, espiritual e política. Não aceita as profundas desigualdades, a pobreza absoluta e a miséria.

Por fim, para bem funcionar a ordem econômica, a Constituição previu que devem ser observados os princípios explícitos no texto constitucional, quais sejam a soberania nacional, propriedade privada, função social da propriedade, livre concorrência, defesa do consumidor, defesa do meio ambiente, redução das desigualdades regionais e sociais, busca do pleno emprego, e tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no país.

Ademais vale ressaltar que são princípios da ordem econômica não apenas os explícitos no artigo 170 da Constituição, mas também existem outros espalhados pelo texto constitucional, como lembra Cervo (2014):

Os princípios da ordem econômica não se limitam apenas aos expressamente enumerados no art. 170 da Constituição Federal, outros existem espalhados por todo o texto constitucional valendo fazer menção ao princípio da livre iniciativa (fundamento da República Federativa do Brasil no art. 1º, IV), ao princípio do desenvolvimento social (art. 3º, II), ao princípio da erradicação da pobreza e da marginalização (art. 3º, III), os dois últimos, muito embora de nítida implicação com a ordem social, guardam relação com a ordem econômica.

Estes princípios explícitos e implícitos são de grande importância para entendermos a ordem econômica constitucional. Como afirma Reale (2002, p. 304) “princípios gerais do direito são enunciações normativas de valor genérico, que condicionam e orientam a compreensão do ordenamento jurídico, quer para a sua aplicação e integração, quer para a elaboração de novas normas”.

Apesar da importância de todos os princípios da ordem econômica, para fins deste trabalho vamos nos ater apenas no princípio do inciso IX do artigo 170 da Constituição que será analisado de forma mais detida.

3. O TRATAMENTO ÀS EMPRESAS DE PEQUENO PORTE

A ordem econômica da Constituição foi explícita ao definir como princípio o “tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no país”. Isso serviu para garantir proteção às empresas de pequeno porte contra as dificuldades de competição que estas encontram diante da crescente globalização, e representou uma tentativa de modernizar o país adotando medidas de desburocratização para este meio empresarial .

A intromissão do Estado na economia se dá por causa do reconhecimento da importância das empresas de pequeno porte no mercado, como fatores de geração de renda e empregos. A conservação da geração de renda e empregos através das empresas de pequeno porte obviamente ajuda a concretizar outros princípios de grande importância na ordem econômica, tais quais o princípio da soberania nacional, o princípio da redução das desigualdades regionais e sociais e o princípio da busca do pleno emprego, além de ajudar no alcance da finalidade da ordem econômica.

É valido tomar por oportuno que o artigo 179 da Constituição reforça o princípio em analise afirmando que:

A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios dispensarão às microempresas e às empresas de pequeno porte, assim definidas em lei, tratamento jurídico diferenciado, visando a incentivá-las pela simplificação de suas obrigações administrativas, tributárias, previdenciárias e creditícias, ou pela eliminação ou redução destas por meio de lei.

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Tudo isso é válido para nivelar a concorrência que seria desigual caso não existissem tais normas privilegiadoras das empresas de pequeno porte como lembra Figueiredo (2011, p. 62):

Observe-se que, sem um conjunto específico de normas que garantam, às mesmas, proteção em termos concorrenciais, dificilmente poderiam competir com os agente econômicos detentores de poder de mercado, fato que conduziria ao encerramento forçado de suas atividades. Assim, protege-se o pequeno produtor, outorgando-lhe tratamento legal diferenciado em face do grande.

O princípio constitucional, apesar de fácil interpretação, é generalista e não esgota o tema, assim é necessária uma lei que realize está função. Atualmente o diploma legal que regulamenta de forma detida a matéria é a Lei Complementar 123/2006 conhecida também como Estatuto Nacional da Microempresa e Empresa de pequeno porte. Nela está regulamentado as principais diferenças de tratamento que a Constituição programa para as microempresas e empresas de pequeno porte.

O primeiro tratamento diferenciado que MEs e EPPs receberam foi a simplificação do procedimento necessário para abertura e fechamento das empresas, sendo todo o capítulo III voltado para isso. Ramos (2012, p. 778) lembra que:

Uma das preocupações específicas da nova legislação foi simplificar o procedimento de abertura e fechamento das microempresas e das empresas de pequeno porte, já que no Brasil, reconhecidamente, “abrir” e “fechar” uma  empresa representava – e ainda representa, em muitos casos – uma verdadeira via crucis para aqueles que resolvem se aventurar num empreendimento qualquer.

Outro ponto que beneficia as MEs e as EPPs diz respeito aos contratos com o Estado. Essas empresas tem uma série de vantagens que as possibilitam concorrer em pé de igualdade com as grandes concorrentes. Melo (2013, p. 545) lembra um exemplo de uma das vantagens recebidas pelas MEs e EPPs:

Quando a oferta de empresa assim qualificada for igual ou até 10% superior (5%, no caso de pregão) a mais bem-classificada, será considerada empatada com ela, sendo-lhe permitido reduzir seu preço abaixo do que havia sido proposto pelo melhor ofertante.

Um tratamento diferenciado de grande importância para MEs e EPPs é o que está disposto no capítulo IV da Lei Complementar 123/2006, que toca no tema dos tributos e contribuições. Neste o capítulo fica instituído o simples nacional, que é a simplificação do recolhimento de tributos e contribuições em um único recolhimento mensal.

Estes são exemplos do tratamento diferenciado que as EPPs receberam a partir da nova ordem econômica instituída pela Constituição brasileira de 1988, que foi regulamentada pela Lei Complementar 123/2006.

considerações finais

Conclui-se que, na nova ordem econômica da Constituição de 1988, as empresas de pequeno porte receberam grande atenção devido ao reconhecimento de sua importância para o aspecto econômico e social do país, visto que estas são geradoras de emprego e renda para a população local. Entretanto, estas empresas não têm condições de concorrer no mercado de igual para igual com grandes empresas e é por isso que recebem tratamento diferenciado por parte do Estado.

Tal tratamento foi instituído como princípio constitucional e foi regulamentado pela Lei Complementar 123/06, trazendo grandes e importantes vantagens para empresas de pequeno porte, que por conta disso têm uma melhor chance de concorrer no mercado.


bibliografia

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988.

CERVO, FERNANDO ANTONIO SACCHETIM. Ordem Econômica na Constituição Federal - análise dos fundamentos, fins e princípios. Em: http://www.conteudojuridico.com.br/artigo,ordem-economica-na-constituicao-federal-analise-dos-fundamentos-fins-e-principios,46924.html. Acesso em: 11 de novembro de 2016.

FIGUEIREDO, Leonardo Vizeu. Lições de Direito Econômico. 4. ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2011.

GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na constituição de 1988: interpretação e crítica. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1990.

MELO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 31. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2013.

RAMOS, André Luiz Santa Cruz. Direito empresarial esquematizado. 2. ed. São Paulo: Método, 2012.

REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 27. ed. São Paulo: Saraiva, 2002.

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 26. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2005.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

TABOSA, Diego Mariano Moura. Breve análise das empresas de pequeno porte na ordem econômica constitucional brasileira. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4924, 24 dez. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/54719. Acesso em: 25 abr. 2024.

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