Sumário: 1. Inovações tecnológicas e comunicação processual – 2. Iniciativas brasileiras de comunicação processual eletrônica – 2.1. Remessa de petições e recursos por fac-símile, Lei 9.800/1999 – 2.2. Legislação pré-projetada e projetada – 2.2.1. A prática de atos processuais e sua comunicação às partes mediante a utilização de meios eletrônicos – 2.2.2. O serviço de intimação das partes e de recepção de petições por meio eletrônico – 3. Intimação das partes e procuradores por meio eletrônico – 3.1. Endereço eletrônico e domicílio eletrônico – 4. Remessa e recepção de petições por meio eletrônico – 5. A nascente experiência da Espanha – 6. Princípios para a realização de atos de comunicação eletrônica no processo.
1. Inovações tecnológicas e comunicação processual
O século XX foi marcado por avanços notáveis nas técnicas, causando perplexidade a todos. Não escapou a isso o direito, sendo frontalmente desafiado e vendo se fragmentarem as áreas de concentração de sua atuação, que, reunidas em uma dezena de especialidades há 100 anos, somam hoje, pode-se arriscar, uma centena. Quem se atreveria a prever o despontar do Direito Informático ou Direito da Informática, Direito da Informação, Direito das Telecomunicações e da Telemática, Direito do Ciberespaço, por exemplo?
A comunicação processual ou, mais precisamente, a comunicação dos atos processuais não resiste a essa avalanche de novidades, marcada pela introdução ou pela paulatina absorção de novas tecnologias que se tendem a generalizar no meio jurídico e dos serviços judiciários.
Exemplo disso são os bancos de dados com decisões de tribunais, os bancos de dados de processos judiciais, os bancos de dados de leis e daí a um sem-número de serviços e "produtos" integrantes da informática judiciária hoje disponíveis aos advogados, juízes e outros profissionais do meio jurídico.
Com a publicação da Lei 10.259, de 12 de julho de 2001, com vacatio legis de seis meses, novas possibilidades se descortinam, porquanto traz previsão específica da possibilidade de intimação e de recepção de petições por meio eletrônico.
2. Iniciativas brasileiras de comunicação processual eletrônica
A iniciativa pioneira se deu pela introdução da Lei 9.800/1999, que dispôs sobre o uso de fac-símile, e, depois, pela legislação projetada que continha duas propostas assemelhadas, a primeira no Anteprojeto n. 14, de elaboração da Comissão Reformadora do CPC, e a segunda no Projeto de Lei dos Juizados Especiais Federais, agora transformado na Lei 10.259/2001.
2.1. Remessa de petições e recursos por fac-símile, Lei 9.800/1999
Os primeiros sinais de uso dos novos meios de comunicação [1] nos meios judiciários, para a realização de atos, deu-se com a popularização do fac-símile, no princípio da década de 1990. Tribunais Regionais Federais e Tribunais Estaduais, [2] na contramão da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, começaram a admitir a interposição de recursos por fac-símile, com posterior juntada de originais.
A previsão dessa possibilidade de prática de atos processuais que dependessem de petição escrita foi legalmente introduzida pela Lei 9.800/1999, que prevê:
Art. 2.º A utilização de sistema de transmissão de dados e imagens não prejudica o cumprimento dos prazos, devendo os originais ser entregues em juízo, necessariamente, até cinco dias da data de seu término.
Por exclusão, todos os atos processuais privativos das partes que não se refiram àqueles próprios da audiência se incluem nesta categoria, mas a juntada da petição original deve atender ao prazo de cinco dias após o término do prazo para interposição. É certo que a operação dessa "modalidade" de interposição depende, entretanto, da disponibilidade do equipamento receptor no órgão judiciário, art. 5.º da mesma lei. A efetiva implementação encontrou como obstáculo a natural limitação instrumental das serventias judiciárias.
Ainda assim essa inovação legal permitiu que Varas Judiciárias estaduais e mesmo os Tribunais regulamentassem a recepção de petições, como a 5.ª Vara Criminal da cidade de São Paulo e, recentemente, o Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo e o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Assim, não obstante o descompasso da informatização judiciária entre as várias Justiças, há setores com capacidade de suportar a introdução das novas tecnologias, auferindo disso vantagens com a redução de pessoal e de custos materiais.
2.2. Legislação pré-projetada e projetada
Nesse ambiente surgiu pioneiramente o Anteprojeto n. 14, elaborado pela Comissão Reformadora do CPC, e, após isso, o Projeto de Lei dos Juizados Especiais Federais, agora convertido na Lei 10.259, de 12.07.2001, que, com pequenas diferenças, permitiam a remessa e a recepção de manifestações escritas por meio eletrônico.
2.2.1. A prática de atos processuais e sua comunicação às partes mediante a utilização de meios eletrônicos
Na Exposição de Motivos do Anteprojeto n. 14, que ao lado dos Anteprojetos n. 13 e 15 introduz novas alterações no Código de Processo Civil, está apontada a razão, segundo a Comissão, para a nova postura sugerida aos Tribunais: "Art. 154. A fim de que a atividade processual não permaneça anacrônica em relação aos novos estágios da tecnologia, ao art. 154, relativo à forma dos atos processuais, é aditado um parágrafo único, facultando-se aos tribunais disciplinar, no âmbito das respectivas jurisdições e atendidos os requisitos de segurança e autenticidade, a prática e a comunicação de atos processuais mediante a utilização de meios eletrônicos".
O que se deseja com a medida é evitar o anacronismo, permitindo-se a utilização de meios eletrônicos em âmbito local, nos tribunais dos Estados e nos Tribunais Regionais Federais, segundo a capacidade técnica regional e preservada a segurança, atualizando-se os meios de prática de alguns atos processuais, compatíveis com as novas tecnologias, assim como a remessas de comunicados do juízo às partes e de manifestações destas ao juízo. A previsão genérica respeita o incipiente ingresso das tecnologias nos meios forenses e a natural renitência de parte dos agentes processuais na absorção de novidades.
A redação do art. 154 do CPC – que consagra o princípio da instrumentalidade das formas – mantém-se como caput, com o acréscimo de um parágrafo único:
Art. 154. Os atos e termos processuais não dependem de forma determinada senão quando a lei expressamente a exigir, reputando-se válidos os que, realizados de outro modo, lhe preencham a finalidade essencial.
Parágrafo único. Atendidos os requisitos de segurança e autenticidade, poderão os tribunais disciplinar, no âmbito da sua jurisdição, a prática de atos processuais e sua comunicação às partes, mediante a utilização de meios eletrônicos.
Não alcançou o Anteprojeto o âmbito legislativo, ainda que acompanhado de outras tantas modificações processuais ansiadas no meio jurídico.
2.2.2. O serviço de intimação das partes e de recepção de petições por meio eletrônico
O projeto de Lei dos Juizados Especiais Federais, sistema especial que se articulará com a Lei dos Juizados Especiais Cíveis (e Criminais), Lei 9.099/1995, teve melhor sorte, tramitando em tempo recorde no congresso, auxiliado pelo esforço de autoridades judiciárias federais, tementes do congestionamento dessa justiça pelo volume de demandas. Previa, e assim foi aprovado o projeto, que fossem estendidas à parte das causas que envolvem Fazenda Pública a simplificação processual já experimentada nas demandas entre particulares desde a Lei 7.244/1984 (Juizado Especial de Pequenas Causas) e também proporcionada pela Lei 9.099/1995 (Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais).
Dentro dessa "ampliação de competência", ressurge a novidade prevista também no Anteprojeto n. 14 de intimação das partes e recepção de petições por meio eletrônico.
Art. 8.º A citação da União, autarquias, fundações e empresas públicas, e a sua intimação da sentença, quando não proferida na audiência em que esteve presente seu representante, serão feitas por ARMP (aviso de recebimento em mão própria). Os demais atos de cientificação serão levados ao conhecimento das partes pela publicação em jornal oficial ou autorizado.
Parágrafo único. Os tribunais poderão organizar serviço de intimação das partes e de recepção de petições por meio eletrônico.
A nova norma tem aplicação ampla, desbordando do espaço de competência e dos procedimentos dos juizados especiais federais, embora possa neles ter maior utilidade, diante dos seus princípios retores, nos quais se inclui a simplicidade. Assim, uma vez regulamentada pelos tribunais locais, com a essencial instrumentação das varas e seções judiciárias, poderá alcançar outros procedimentos, excluindo-se apenas os atos que tenham prescrita forma diversa e incompatível.
O serviço de intimação das partes por meio eletrônico realizar-se-á como previsto no caput, pela publicação em jornal oficial ou autorizado, ou poderá a partir da aprovação do anteprojeto ser realizado por meio eletrônico.
Outra inovação que poderá também ser implementada é a recepção de petições por meio eletrônico, ambas condicionadas à prévia organização pelos Tribunais Regionais Federais e previsão regimental.
Por certo, toda ordem de obstáculos interpor-se-á à implementação das medidas, mas de tudo se antevê, diante do espantoso progresso dos meios eletrônicos de comunicação e transmissão de textos, a aproximação de uma – não mais utópica – formação de autos (talvez suplementares) virtuais.
Mas antes disso, a só possibilidade de comunicação de atos processuais e mesmo a recepção de petições, antecedida da regulamentação e das reservas de segurança, serão capazes de causar economia de tempo e de custos hoje envolvidos com transporte de papéis e pessoas.
3. Intimação das partes e dos procuradores por meio eletrônico
Com a previsão legal agora introduzida, poderão os Estados e os Tribunais Federais regulamentar a intimação das partes e dos advogados por esse meio de comunicação. Duas formas são previsivelmente possíveis: a) a publicação de "jornais" em ambiente eletrônico, com as intimações, para livre acesso e acompanhamento dos advogados; b) o envio de mensagem eletrônica direcionada à caixa postal eletrônica (endereço eletrônico) dos advogados e ou das partes.
A intimação (arts. 234 e seg.) é ato que se reveste de certa formalidade, no qual está contido conteúdo de suma importância para o desenvolvimento processual. Já se previa, de muito, a intimação postal (art. 168, § 2.º, do CPC de 1939), que pode servir de paradigma ante os novos meios de comunicação, embora a intimação postal contivesse uma certa reserva de ato interpessoal (humano), integrado pela presença do carteiro.
Tais características, agora imprevistas, devem ser substituídas por outras que permitam a certeza da remessa e a certeza da recepção da mensagem de intimação. Os meios técnicos disponíveis atualmente possibilitam essa confirmação, mas tais meios devem estar à disposição dos serviços judiciários, de forma a não impedir a plenitude de defesa das partes, garantia constitucional consagrada na Constituição Federal de 1988.
Das inovações introduzidas, estas despontam como as mais complexas, conquanto envolvem a criação e o gerenciamento de publicações eletrônicas e, no caso do envio ao endereço eletrônico, a criação de setores destinados e equipados para a emissão da comunicação por parte da unidade judiciária, dependente para tanto de equipamentos inicialmente onerosos e complexos.
3.1. Endereço eletrônico e domicílio eletrônico
De regra, incumbe às partes, na fase postulatória, indicar endereços para o processamento dos atos de comunicação processual, seja a citação, sejam as intimações subseqüentes. Os procuradores devem indicar na petição inicial e na contestação o endereço profissional para o recebimento das intimações (art. 39, I, do CPC), sob pena de indeferimento da peça inicial, bem como informar as alterações posteriores (art. 39, II, do CPC), pena de considerarem-se intimados caso não atualizem o endereço. Também o nome da parte demandada deve ser indicado na inicial, pelo autor, para que se efetive a angularização processual, com a citação.
Com a introdução de norma que prevê a comunicação eletrônica, ficam pendentes outras regulamentações que acrescentem também a possibilidade de remessa das intimações por esse meio e a conseqüente imposição às partes de que declinem esses endereços eletrônicos ao juízo. Somente o conhecimento desses endereços permitirá a comunicação por esse econômico meio.
Não se previu a possibilidade de citação por meio de mensagem eletrônica, embora a citação postal seja prevista no CPC (art. 222) como alternativa em alguns casos e procedimentos. É verdade que a citação postal tem pouco prestígio no processo civil, em que pesem as alterações introduzidas pela Lei 8.710/1993. Contudo, não é remota a possibilidade de citação por meio eletrônico.
Resta para definição da lei local a forma de informação do endereço eletrônico e para a doutrina a configuração da existência de domicílio eletrônico.
4. Remessa e recepção de petições por meio eletrônico
O processo civil brasileiro, em uma tendência que se acentua, privilegia as manifestações escritas, em detrimento das manifestações orais. Significativas fases dos procedimentos progridem com a troca exclusiva de escritos, apontando para a utilidade da inovação.
De outro lado, a recepção de petições enviadas por correio eletrônico apresenta outra sorte de obstáculos que desafiarão também a regulamentação por parte dos tribunais. Sabe-se que os cartórios e seções judiciárias, ou os setores especializados de recepção e protocolo, estão equipados para a recepção de manifestações escritas entregues por portadores.
Pela regra em vigor, as petições devem ser apresentadas no protocolo (art. 172, § 3.º, do CPC), conforme horário estabelecido pelas normas locais. Com a possibilidade que se abre agora, nova postura se requer, com vistas à adaptação das regras e reconceituação de institutos como o da preclusão, porquanto o protocolo eletrônico poderá receber petições em qualquer horário e prazo.
As experiências em execução, como na 5.ª Vara Criminal de São Paulo e no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, são úteis à concepção de formas aperfeiçoadas, práticas e isonômicas, que recepcionem inovações sem agredir princípios e regras constitucionais ou processuais.
5. A nascente experiência da Espanha
Pela nova LEC (Ley de Enjuiciamiento Civil), Ley 1/2000, em vigor desde janeiro de 2001, a Espanha substituiu sua centenária lei processual civil, introduzindo significativas alterações no processo, entre as quais a que permite a comunicação de atos processuais por meio eletrônico. Presente no art. 162, a redação da norma espanhola desceu a minudências esclarecedoras. [3]
Dispôs que somente quando os juizados e tribunais, as partes e os destinatários disponha de meios eletrônicos, telemáticos e de infocomunicação, ou similares, quando exista garantia da autenticidade da comunicação e do conteúdo, desde que seja possível confirmar a remessa e a recepção, assim como o momento de cada uma, podem os atos realizar-se por esses meios.
Partes e procuradores devem indicar os endereços eletrônicos, assim como as alterações dos referidos endereços.
Nos casos em que os meios eletrônicos não permitam o pleno conhecimento dos documentos, das decisões ou das manifestações escritas, devem estas ser transmitidas pelos demais meios previstos na mesma lei.
6. Princípios para a realização de atos de comunicação eletrônica no processo
A norma presente no Anteprojeto n. 14 consagra, no par. ún. do art. 154, os dois princípios basilares da comunicação processual eletrônica, quando impõe que "atendidos os requisitos de segurança e autenticidade, poderão os tribunais disciplinar, no âmbito da sua jurisdição, a prática de atos processuais e sua comunicação às partes, mediante a utilização de meios eletrônicos".
O princípio da segurança e o princípio da autenticidade, mais que matrizes da comunicação processual eletrônica, surgem como pressupostos para a sua existência, sem o que não se cogita do aproveitamento das novas tecnologias no meio jurídico processual.
O Princípio da segurança se destaca pela confiabilidade dos sistemas de remessa e de recepção e da viabilidade de confirmação dos momentos de concretização de um de outro ato. Para tanto os sistemas de comunicação se devem revestir de garantias que preservem registros, acessíveis aos órgãos jurisdicionais.
Pelo Princípio da autenticidade se compreende, em seu âmbito objetivo, a correspondência entre a forma e o conteúdo da mensagem que se pretende comunicar e o encontro dessas características na mensagem efetivamente comunicada, ou seja, recebida pelo destinatário. No âmbito subjetivo, respeita à certeza de que os sujeitos processuais que remetem e recebem as mensagens são aqueles que deveriam, em qualquer circunstância, participar do procedimento.
Numa visão finalística, encontrar-se-á o princípio da economia prestigiado pela inovação que se consagra com a prática de atos processuais com redução de tempo, de custos e de esforço estatal. Esse princípio inclui-se entre os considerados informativos, do que decorre o princípio da celeridade ou da brevidade, o princípio da simplificação e mesmo o princípio da concentração.
Notas
1 Com base no art. 374 e 375 do CPC, a jurisprudência admitia a interposição de recursos: "Art. 374. O telegrama, o radiograma ou qualquer outro meio de transmissão tem a mesma força probatória do documento particular, se o original constante da estação expedidora foi assinado pelo remetente.; Parágrafo único. A firma do remetente poderá ser reconhecida pelo tabelião, declarando-se essa circunstância no original depositado na estação expedidora; Art. 375. O telegrama ou o radiograma presume-se conforme com o original, provando a data de sua expedição e do recebimento pelo destinatário."
2 TRF-3.ª Região, Resolução n. 6, de 18.04.1991; TACivSP, Portaria n. 23, de 12.04.1993
3De los actos de comunicación judicial
Artículo 162. Actos de comunicación por medios electrónicos, informáticos y similares.
1. Cuando los juzgados y tribunales y las partes o los destinatarios de los actos de comunicación dispusieren de medios electrónicos, telemáticos, infotelecomunicaciones, o de otra clase semejante, que permitan el envío y la recepción de escritos y documentos, de forma tal que esté garantizada la autenticidad de la comunicación y de su contenido y quede constancia fehaciente de la remisión y recepción íntegras y del momento en que se hicieron, los actos de comunicación podrán efectuarse por aquellos medios, con el acuse de recibo que proceda.
Las partes y los profesionales que intervengan en el proceso deberán comunicar al tribunal el hecho de disponer de los medios antes indicados y su dirección.
Asimismo se constituirá en el Ministerio de Justicia un Registro accesible electrónicamente de los medios indicados y las direcciones correspondientes a los organismos públicos.
2. Cuando la autenticidad de resoluciones, documentos, dictámenes o informes presentados o transmitidos por los medios a que se refiere el apartado anterior sólo pudiera ser reconocida o verificada mediante su examen directo o por otros procedimientos, aquéllos habrán de aportarse o transmitirse a las partes e interesados de modo adecuado a dichos procedimientos o en la forma prevista en los artículos anteriores, con observancia de los requisitos de tiempo y lugar que la ley señale para cada caso.