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Estabelecimentos penais

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Comentam-se aspectos críticos sobre a realidade dos estabelecimentos penais, à luz de sua origem histórica: o que falta para que o sistema penitenciário brasileiro cumpra sua real função no Brasil?

RESUMO: O presente trabalho tem por desígnio demonstrar a realidade dos estabelecimentos penais atuais, os sistemas prisionais e o modelo de sistema adotado pelo Brasil, a inobservância de um de seus objetivos precípuos, que é a ressocialização do preso, bem como conceituando e explanando as principais características e peculiaridades de cada um destes estabelecimentos penais constantes na Lei de Execução Penal.

Sumário: 1. Introdução. 2. Da Prisão, segundo Cesare Beccaria. 3. Da prisão e da Pena, segundo Michel Foucault. 4. Histórico da Pena. 4.1. Modelo Clássico da Pena Castigo. 4.1.1. Modelo Conflituoso-punitivo. 5. Legislação Penal. 6. Crise do Atual Método Punitivo. 7. Sistemas Penitenciários. 7.1. Sistema Pensilvânico ou Celular. 7.2. O Sistema Auburniano. 7.3. O Sistema Progressivo. 7.3.1. Algumas Causas da Crise do Sistema Progressivo. 8. A Prisão. 9. Estabelecimentos Prisionais. 9.1. Penitenciária. 9.1.1. Regime Fechado. 9.2. Colônia Agrícola, Industrial ou similar. 9.2.1. Regime Semi-Aberto. 9.3. Casa do Albergado. 9.3.1. Regime Aberto. 9.4. Centro de Observação. 9.5. Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico. 9.6. Cadeia Pública. 9.6.1. Presos Provisórios. 9.6.2. Cadeia Pública. 10. Conclusões. 11. Notas. 12. Referências Bibliográficas.


1.    Introdução.

É inegável a inobservância, por parte do Estado, da falência do atual sistema prisional brasileiro que há muito tempo não cumpre de forma satisfatória a missão de ressocialização do indivíduo, tornando-o cada vez mais nocivo ao corpo social quando egressa do cárcere.

Este é um tema muito abrangente, polêmico e diariamente discutido nos meios de informação e no seio social, trazendo sempre à tona questões ainda mais polêmicas como a pena de morte e prisão perpétua, bem como, noutro extremo, a superlotação, as condições desumanas observadas e a incapacidade ressocializante dos estabelecimentos.  

Os estabelecimentos penais mostram-se insatisfatórios em seus resultados e caros para a sociedade, por não oferecerem contraprestação em termos de capacitação do preso ao retorno social, servindo, tão somente, de estabelecimento de cumprimento de pena, não sendo esta sua única razão de ser.

Tal asseveração ressalta a amplitude e importância do tema, por estar inserto em nossa sociedade, motivo pela qual assiste razão a apresentação do presente estudo.


2.     Da Prisão, segundo Cesare Beccaria.

Cesar Bonessana, Marquês de Baccaria (1738-1774), publica em 1764 seu famoso Dei Delitti e delle Pene, inspirado nas idéias defendidas por Montesquieu, Rousseau, Voltaire e Locke.  Alguns autores consideram Beccaria como um antecedente dos delineadores da Defesa Social, especialmente por sua recomendação de que “é melhor prevenir o crime do que castigar”.

Beccaria, de acordo com Cezar Roberto Bitencourt, tinha uma concepção utilitarista da pena. Procurava um exemplo para o futuro, mas não uma vingança pelo passado. Expôs algumas idéias sobre a prisão que colaboraram para o processo de humanização e racionalização da pena privativa de liberdade.  Entende que deve ter um sentido punitivo e sancionador, mas defende a busca de uma finalidade reformadora da pena privativa de liberdade. Prossegue ensinando que:

“Ainda que a prisão seja diferente de outras penalidades, pois que deve, necessariamente, proceder a declaração jurídica do delito, nem por isso deixa de ter, como todos os demais castigos, o caráter essencial de que apenas à lei cabe indicar o caso em que se há de empregá-la”[1]

O autor italiano continua sua análise sobre a subsidiariedade da lei como meio de prova para a pena de prisão:

“À proporção em que as penas forem mais suaves, quando as prisões deixarem de ser a horrível mansão do desespero e da fome, quando a piedade e a humanidade adentrarem as celas, quando, finalmente, os executores implacáveis dos rigores da justiça abrirem os corações à compaixão, as leis poderão satisfazer-se como provas mais fracas para pedir a prisão.”[2] 


  3.  Da prisão e da Pena, segundo Michel Foucault.

Para Foucault, a pena não deve ser mais nada além da privação da liberdade, e a lei deve seguir o culpado à prisão onde o levou.[3]

A prisão, local de execução da pena, é também, ao mesmo tempo, observatório dos reclusos. Também é ponto de conhecimento de cada detento, de seu comportamento, de suas disposições profundas, de sua progressiva melhora.

A prisão não tem somente que conhecer a decisão dos juízes e aplicá-la em função dos regulamentos estabelecidos: ela tem que coletar permanentemente do recluso um saber que permitirá transformar a medida penal em operação penitenciária, que fará da medida punitiva, tornada necessária pela infração, uma modificação do detento, útil para a sociedade.  


4.    Histórico da Pena.

4.1. Modelo Clássico da Pena Castigo.

4.1.1. Modelo Conflituoso-punitivo.

O modelo conflituoso-punitivo da pena castigo tem por fundamento a teoria da coação psicológica, bem como a do tratamento ressocializador. Para a primeira teoria, o medo da pena castigo inibe a opção pela conduta criminosa. Já a segunda entende que a pena tem por objetivo propiciar condições para a harmônica integração social do condenado.

Na busca de se conciliar as duas teorias, generalizou-se a idéia da prevenção geral e especial. Para Damásio de Jesus, “a pena é uma sanção aflitiva, cujo fim é evitar novos delitos”[4].

Como prevenção geral, o fim intimidador da pena dirige-se a todos, visando impedir que os membros da sociedade pratiquem infrações penais. Como prevenção especial, a pena-castigo visa ao condenado, retirando-o do convívio social, impedindo de delinqüir e corrigindo-o, se possível. A teoria predominante em nosso sistema é a da coação psicológica, em que se previne o crime pela ameaça de um mal e, ocorrendo um delito, é necessário castigar o autor, sob pena de desacreditar o poder intimidante da sanção.


5.    Legislação Penal.

Com base neste presente modelo punitivo, nosso legislador, face ao aumento da criminalidade, responde à sociedade elaborando leis penais cada vez mais severas e ameaçadoras.  Assim, quanto mais crimes, maior a justificativa para novas leis prevendo sanções mais brutais para intimidar os que escolhem o caminho do crime.

Essa tendência da legislação penal encontra azo nos meios de comunicação que se utilizam da notícia do fato criminoso em busca de audiência. Por meio de uma abordagem escandalosa e emotiva, a mídia reduz a violência social aos tipos penais, suprimindo a importância do combate à fome, o desemprego, melhorias na segurança, saúde e educação públicas. 

Assim, a população, alarmada pelas ondas de crimes, cobra do Estado as devidas providências; este, por sua vez, reage editando novas leis penais mais ameaçadoras, mas inócuas, por não evitar as práticas criminosas.


6.    Crise do Atual Método Punitivo.

O método conflituoso-punitivo está em crise. Mas não pelo aumento da criminalidade que o alimenta. Ao contrário, está em crise porque é caro, ineficaz e injusto.

Na parte mais visível dessa crise, até porque amplamente divulgada pela mídia, estão a superlotação e a precariedade dos estabelecimentos prisionais, as rebeliões e o alto custo econômico e social dos presídios, que apresentam alta taxa de reincidência, desmitificando o tratamento ressocializador da pena-castigo.[5]

Ao se aprofundar no estudo dessa crise do método punitivo do sistema prisional, percebe-se que o comportamento criminoso não é simplesmente uma opção do sujeito, mas um problema social de causas variadas que a ameaça do castigo pouco inibe.  

Francisco de Assis Toledo[6] adverte que em grave equívoco incorrem a opinião pública, os responsáveis pela Administração, e o próprio legislador, quando supõem que, com a edição de novas leis penais, mais abrangentes ou severas, será possível resolver o problema da criminalidade crescente.


7.   Sistemas Penitenciários.

De acordo com Cezar Roberto Bitencourt[7], os primeiros sistemas penitenciários surgiram nos Estados Unidos, embora não se possa afirmar, “que a prisão constitui um invento norte-americano”. Esses sistemas penitenciários tiveram, além dos antecedentes inspirados em concepções mais ou menos religiosas, já referidas, um antecedente importantíssimo nos estabelecimentos de Amsterdam, nos Bridwells ingleses, e em outras experiências similares realizadas na Alemanha e na Suíça.

Estes estabelecimentos não são apenas um antecedente importante dos primeiros sistemas penitenciários, como também marcam o nascimento da pena privativa de liberdade, superando a utilização da prisão como simples meio de custódia.

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Dentre os sistemas penitenciários existentes, quais sejam, pensilvânico, auburniano e progressivo, o Brasil adota este último, o qual será objeto de nosso estudo. Ademais, procederemos a breves comentários sobre os primeiros:

7.1. Sistema Pensilvânico ou Celular.

 Em 1790 as autoridades norte-americanas iniciaram a organização de uma instituição na qual o isolamento do preso em uma cela, a oração e a abstinência total de bebidas alcoólicas deveriam criar os meios para salvar tantas criaturas infelizes. Ordenou-se, por meio de uma lei, a construção de um edifício celular nos jardins da prisão de Walnut Street, com o fim de aplicar o solitary confinement aos condenados.[8]

7.2. O Sistema Auburniano.

 Ainda segundo Bitencourt, uma das razões que levaram ao surgimento do sistema auburniano foi a necessidade e o desejo de superar as limitações e os defeitos do regime celular.

 O sistema de Auburn adota, além do trabalho em comum, a regra do silêncio absoluto. Os detentos não podiam falar entre si, somente com os guardas, com prévia licença e em voz baixa.[9] Para Foucault, esse silêncio, ininterrupto, mais que propiciar a meditação e a correção, é um instrumento essencial de poder, permitindo que uns poucos controlem uma multidão.  O pensador francês cita que:

 “a prisão deve ser um microcosmo de uma sociedade perfeita onde os indivíduos estão isolados em sua existência moral, mas onde sua reunião se efetua num enquadramento hierárquico estrito, sem relacionamento lateral, só se podendo fazer comunicação no sentido vertical.” [10]

7.3. O Sistema Progressivo

No decurso do século XIX impõe-se, definitivamente, a pena privativa de liberdade, que continua sendo a espinha dorsal do sistema penal atual. O predomínio da pena privativa de liberdade coincide com o progressivo abandono da pena de morte[11].

Para Bitencourt, o apogeu da pena privativa de liberdade coincide igualmente com o abandono dos regimes celular e auburniano e a adoção do regime progressivo.  A essência deste regime consiste em distribuir o tempo de duração da condenação em períodos, ampliando-se em cada um os privilégios que o recluso pode desfrutar de acordo com sua boa conduta e o aproveitamento demonstrado do tratamento reformador. Outro aspecto importante é o fato de possibilitar ao detento reincorporar-se à sociedade antes do término da condenação[12].

Constituiu avanço considerável no sistema penitenciário a adoção do regime progressivo, que, ao contrário dos demais regimes, deu atenção à própria vontade do detento, além de minorar o rigor na aplicação da pena privativa de liberdade.

7.3.1. Algumas Causas da Crise do Sistema Progressivo.

O sistema progressivo encontra-se, atualmente, em crise. Pode-se, dentre outras, assinalar as seguintes limitações ao sistema progressivo:

a)    Efetividade do regime é uma ilusão, face às esperanças nos resultados advindos de um regime iniciado de forma rigorosa sobre toda a atividade do recluso, especialmente no regime fechado;

b)    O sistema alimenta a ilusão de favorecer mudanças que sejam progressivamente automáticas;

c)    Não é provável - e muito menos em uma prisão - que o recluso esteja disposto a acatar voluntariamente a disciplina imposta pela instituição penitenciária;

d)    O sistema progressivo parte de um conceito retributivo. Através da aniquilação inicial da pessoa e da personalidade humana pretende que o recluso alcance sua readaptação progressiva, por meio do gradual afrouxamento do regime, condicionado à prévia manifestação de “boa conduta”, que muitas vezes só é aparente.[13]

A atual crise do sistema progressivo levou a uma profunda transformação dos regimes carcerários. Por um lado, a individualização carcerária, ou científica e, de outro, a busca de que o regime penitenciário permita a vida em comum mais racional e humana, como a estimulação do regime aberto de cumprimento de pena.

A crescente conscientização acerca destes fatos tem levado a um questionamento mais rigoroso do sentido teórico e prático da pena privativa de liberdade, contribuindo ainda mais para o debate sobre a crise dessa espécie de pena.


8.    A Prisão.

Para Heleusa Figueira Câmara[14], a prisão é o depósito do indesejável, do que se deseja descartar, atirar ao longe. É um excesso.

Para Foucault, a prisão moderna se fundamenta num duplo: formado pelo campo jurídico-econômico e pelo técnico-disciplinar, a forma imediata e civilizada de todas as penas, tendo como finalidade modificar indivíduos, dando-lhes respaldo e solidez.

Para o autor, a prisão, essa região mais sombria do aparelho de justiça, é o local onde o poder de punir, que não ousa mais se exercer com o rosto descoberto, organiza silenciosamente um campo de objetividade em que o castigo poderá funcionar em plena luz como terapêutica e a sentença se inscrever entre os discursos do saber. Compreende-se que a justiça tenha adotado tão facilmente uma prisão que não fora, entretanto, filha de seus pensamentos. Ela lhe era agradecida por isso.[15]

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Sobre o autor
Daniel Charles Ferreira de Almeida

Bacharel em Direito pela Faculdade Independente do Nordeste (FAINOR). Vitória da Conquista, Bahia. Pós-graduado Lato Sensu/Especialização em Direito Econômico e Empresarial, pela Universidade Estadual de Montes Claros (UNIMONTES), Montes Claros, Minas Gerais. Pós-graduado Lato Sensu/Especialização em Direito Material e Processual do Trabalho, pela Faculdade Independente do Nordeste (FAINOR). Vitória da Conquista, Bahia. Pós-graduação Lato Sensu/Especialização, em curso, em Direito e Prática Trabalhista e Previdenciária, pela UNIGRAD, Vitória da Conquista, Bahia.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALMEIDA, Daniel Charles Ferreira. Estabelecimentos penais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 4965, 3 fev. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/55478. Acesso em: 25 dez. 2024.

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