O relacionamento das ciências jurídicas com as novas descobertas filosóficas-científicas do mundo contemporâneo.

Uso de células-tronco embrionárias

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Uma síntese sobre o uso de células-tronco embrionárias no entendimento da lei 11.105/2005 (lei de biossegurança). Atualizado em 08/09/2017.

RESUMO

O presente trabalho tem como objetivo demonstrar a evolução do Direito em nosso ordenamento, assim como a evolução da sociedade e a descoberta de novos fatos e tecnologias deve ser acompanhados pela Dogmática Jurídica visando resguardar garantias fundamentais.

 

PALAVRAS-CHAVE: Medicina. Direitos e Garantias Fundamentais. Direitos Humanos. Direito Constitucional. Dignidade da Pessoa Humana. Células-Tronco. Clonagem.

 

 

INTRODUÇÃO

 

 

As ciências jurídicas assim como a grande maioria das outras ciências, estão em constante adequação à realidade que as cerca. Algumas no que diz respeito às novas descobertas científicas, outras se adequando a fatores sociais, algumas outras, como no caso das jurídicas, a ambos.

 

Alguns temas atuais como os relacionados a: biossegurança, uso de células-tronco embrionárias, dentre outros, tendem a gerar bastante polêmica. Dessa forma, não deveria se estranhar que essas polêmicas venham a ser debatidas com fim de normatizar a questão, e assim, tranquilizar a sociedade.

 

Junto com os avanços na medicina surgem alguns dilemas éticos que no passado seriam improváveis de serem deliberados. Poderia até dizer, inimagináveis.

 

Diante desses dilemas impostos pelo avanço, se faz necessário que as ciências jurídicas estejam em constante adequação às novas descobertas, para que assim possam construir um melhor entendimento e resguardar garantias dos cidadãos.

 

CÉLULAS-TRONCO EMBRIONÁRIAS

 

Para que possamos adentrar no conceito jurídico do tema, é imprescindível que façamos uma breve introdução sobre o mesmo.

 

Não iremos aprofundar neste assunto, pois, não é o foco deste estudo. Todavia, uma síntese é importante para uma melhor compreensão.

 

O que é uma célula-tronco?

 

Existem basicamente dois tipos de células-tronco, as embrionárias e as adultas.

 

As adultas são encontradas no cordão umbilical, na medula óssea, e em mais alguns tecidos do corpo de todo adulto.

 

Já as embrionárias, como a própria nomenclatura sugere, são células de embriões. As células-tronco embrionárias têm maior capacidade de se transformarem nos mais diversos tipos de tecidos, ou seja, possuem uma plasticidade superior às células-tronco adultas, sendo, portanto, mais propícias às pesquisas científicas que as adultas.

 

Estas células têm uma característica única: podem formar qualquer tecido do corpo, encontram-se no seu estágio mais primitivo, sem diferenciação com relação ao tecido que constituem os diversos sistemas do organismo.

 

As aplicações deste tipo de célula na medicina são quase que ilimitadas.

 

Com o avanço da engenharia genética, das novas técnicas de clonagem, o uso, principalmente, das células-tronco embrionárias, podem, e, devem trazer benefícios para toda a humanidade. Este será o objeto maior de nosso estudo, o uso de células-tronco embrionárias no tratamento médico e o relacionamento da ciência jurídica com isso.

 

LEI DE BIOSSEGURANCA

 

 

A lei 11.105/2005 - lei de biosseguranca - veio regulamentar, em seu artigo , o uso de embriões em pesquisas científicas.

 

 

Os operadores do Direito hoje são pacíficos em relação ao tema, em sua larga maioria. Todavia, nem sempre foi assim.

 

 

Os dilemas éticos que envolvem este tema não são poucos. Longe disso, são inúmeros. Uma das funções do Direito é proporcionar equidade social e isto se dá através das normas. Conforme foi dito anteriormente, essas normas, e o próprio Direito, estão em constante adequação à realidade que os cerca.

 

EVOLUÇÃO DO DIREITO NO TEMPO

 

 

Na verdade, o Direito precede as normas, e estas são elaboradas para garantir que o Direito seja respeitado. O que queremos dizer com isso é que, novos fatos sociais surgirão ao longo do tempo e com isso novas situações. Destas situações surgem expectativas de Direito e dessas expectativas surge o Direito propriamente dito.

 

Essa correlação entre Direito, Fato e Valor é sintetizada de forma brilhante por Reale em sua obra Teoria Tridimensional do Direito[1].

 

A necessidade de evolução do Direito também é tratada por Perez Luño quando ele conceitua o que são Direitos Fundamentais:

 

“un conjunto de facultades y instituciones que, en cada momento histórico, concretan las exigencias de la dignidad, la libertad y la igualdad humanas, las cuales deben ser reconocidas positivamente por los ordenamientos jurídicos a nivel nacional y internacional”[2].

 

 

Não diverso é o entendimento de Bobbio:

 

 

“[...] Em segundo lugar, os direitos do homem constituem uma classe variável, como a história destes últimos séculos demonstra suficientemente. O elenco dos direitos do homem se modificou, e continua a se modificar, com a mudança das condições históricas, ou seja, dos carecimentos e dos interesses, das classes no poder, dos meios disponíveis para a realização dos mesmos, das transformações técnicas, etc. Direitos que foram declarados absolutos no final do século XVIII, como a propriedade sacre et inviolable, foram submetidos a radicais limitações nas declarações contemporâneas; direitos que as declarações do século XVIII nem sequer mencionavam, como os direitos sociais, são agora proclamados com grande ostentação nas recentes declarações. Não é difícil prever que, no futuro, poderão emergir novas pretensões que no momento nem sequer podemos imaginar, como o direito a não portar armas contra a própria vontade, ou o direito de respeitar a vida também dos animais e não só dos homens. O que prova que não existem direitos fundamentais por natureza. O que parece fundamental numa época histórica e numa determinada civilização não é fundamental em outras épocas e em outras culturas. [...][3]”

 

Fica clara a necessidade dessa adequação quando analisamos a ADI 3510, julgada improcedente pelo STF.

 

Esta ação direta de inconstitucionalidade vem propor que o artigo 5º e seus parágrafos da lei supracitada tem conteúdo materialmente inconstitucional.

 

Vejamos o que diz a lei[4] :

Art. 5o É permitida, para fins de pesquisa e terapia, a utilização de células-tronco embrionárias obtidas de embriões humanos produzidos por fertilização in vitro e não utilizados no respectivo procedimento, atendidas as seguintes condições:

 

 

I – sejam embriões inviáveis; ou

 

II – sejam embriões congelados há 3 (três) anos ou mais, na data da publicação desta Lei, ou que, já congelados na data da publicação desta Lei, depois de completarem 3 (três) anos, contados a partir da data de congelamento.

 

 

§ 1o Em qualquer caso, é necessário o consentimento dos genitores.

 

§ 2o Instituições de pesquisa e serviços de saúde que realizem pesquisa ou terapia com células-tronco embrionárias humanas deverão submeter seus projetos à apreciação e aprovação dos respectivos comitês de ética em pesquisa.

 

 

§ 3o É vedada a comercialização do material biológico a que se refere este artigo e sua prática implica o crime tipificado no

art. 15 da Lei no 9.434, de 4 de fevereiro de 1997.

 

 

CONCEITO DE VIDA PARA O DIREITO

 

 

 

O tema mais polêmico, e amplo, relacionado com a proposta deste estudo é como contextualizar vida. Pois bem, defenderemos três conceitos acerca da ideia.

 

O primeiro seria o social-axiológico. É o que a sociedade entende como sendo vida. As definições são das mais variadas. Algumas encontram amparo até na metafísica, transcendendo o mundo do ser. Estar vivo seria para algumas culturas, ser dotado de um espírito, de uma alma, a vida seria o seu CHI (sua força vital). Não há como definir de forma singular neste aspecto.

 

O segundo seria o aspecto biológico. Vida é tudo aquilo que tem metabolismo próprio. Pode-se classificar como ser vivo desde um simples ser unicelular, como uma bactéria, ou até mesmo um vegetal. Não deixando de fora os organismos pluricelulares com complexidade sistêmica, como o ser humano.

 

A filosofia relacionada ao tema é de uma densidade infinita. As definições poderiam ser alvo de um estudo exclusivo sobre o tema, o que foge do objeto em tela.

 

O terceiro aspecto se trata do aspecto jurídico, este é o que nos interessa. Quando começa a vida? Quando esta termina?

 

 

MARCO INICIAL DA VIDA

 

 

Na petição inicial da ADI 3510, o autor toma como fundamento os art. 5º, Caput, que versa: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, (...)” e art. 1º, inciso III, que diz: “A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: III – a dignidade da pessoa humana;”.

 

 

O STF julgou improcedente a referida ação, na sua totalidade, tendo como base alguns pontos que são importantes tratar.

 

1 – No que diz respeito à inviolabilidade da vida. Não é possível violar uma vida que ainda não existe sob a ótica jurídica.

 

Podemos fundamentar este raciocínio da seguinte forma: tirando como exemplo a lei 9.434/1997[5], que regulamenta a doação de órgãos. O artigo 3º, desta lei, determina que o marco temporal exato a fim de caracterizar o término da vida humana é o diagnóstico de morte encefálica. Portanto, se o embrião não tem iniciado o desenvolvimento de seu SNC, o que ocorre no 14º dia após a fecundação, é certo afirmar que a vida só se inicia com o surgimento dos primeiros indícios do SNC, que podemos chamar de neurulação.

2 – Com relação à dignidade da pessoa humana descrita no Art. 1º, inciso III, o entendimento foi claro. A dignidade da pessoa surge com a personalidade civil, e esta surge unicamente após o nascimento do indivíduo humano com vida. Antes disso, o nascituro tem apenas uma expectativa de Direito, não o Direito em si.

 

 

A CONSTITUCIONALIDADE DA LEI DE BIOSSEGURANCA

 

Seria impensável para o constituinte originário prever a necessidade de regulamentar um assunto desta natureza.

 

Todavia, fica evidente que o Direito atua, e se atualiza quase como um ser orgânico. Adaptando-se ao meio que o cerca, e proporcionando a equidade necessária para a sociedade. Sem essa constante atualização de cunho hermenêutico seria impossível a estabilidade de uma constituição analítica como a nossa.

 

É preciso trabalhar arduamente para se preservar os Direitos e Garantias Fundamentais arraigados na Carta da Republica, esse é o que defende Bobbio acerca do meio para se dar máxima efetividade à essas garantias. Contudo se faz salutar ponderar com inteligência onde se deve aplicar tamanho esforço.

 

Como dito anteriormente, o Direito precede a norma, e esta vem para garantir o Direito que surge ao longo do tempo. O que temos hoje difere do que tínhamos ontem, e, nem de longe, será o que teremos amanhã.

 

Assim, o Direito que temos hoje é estritamente relacionado com nossa realidade temporal e social.

Ou seja, as ciências jurídicas se relacionam com os interesses da sociedade na proporção que estes surgem. Elas se adequam conforme o necessário. É claro que estamos nos referindo à ótica juspositivista.

 

As ciências jurídicas devem, e, precisam estar em constante sintonia com as novas descobertas científicas. Se não fosse assim a sociedade estaria fadada a uma imensidão de questionamentos éticos e morais. Sem mencionar a lacuna normativa que traria efeitos nefastos para a sociedade.

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Quando se analisa as possibilidades que estas pesquisas trarão a medicina vê-se a importância de uma regulamentação rígida e atualizada. Não seria prudente deixar à mera vontade dos pesquisadores os limites de tais pesquisas.

 

Esse tipo de regulamentação seria inviável caso não houvesse uma adequação das normas em vigor, ou, até mesmo, como é o caso, a normatização de nova realidade (novas descobertas).

 

Quando falamos novas descobertas, estamos falando em termos científicos. Tendo em vista que as pesquisas com células-tronco embrionárias começaram em 1998, nos EUA. Isso no que diz respeito à área da genética, especificamente, é algo extremamente contemporâneo.

 

 

ENTENDIMENTO NO DIREITO ALIENÍGENA

 

 

Diversos países já tratam do tema, alguns há mais tempo. Outros não. Abaixo uma síntese de como cada Nação aborda o tema:

 

 

  • África do Sul - permite todas as pesquisas com embriões, inclusive a clonagem terapêutica. É o único país africano com legislação a respeito.

  • Alemanha - permite a pesquisa com linhagens de células-tronco existentes e sua importação, mas proíbe a destruição de embriões.

  • China - permite todas as pesquisas com embriões, inclusive a clonagem terapêutica.

  • Coreia do Sul - permite todas as pesquisas com embriões, inclusive a clonagem terapêutica.

  • Estados Unidos - proíbe a aplicação de verbas do governo federal a qualquer pesquisa envolvendo embriões humanos (a exceção é feita para 19 linhagens de células-tronco derivadas antes da aprovação da lei norte-americana). Entretanto, estados como a Califórnia permite e patrocina esse tipo de pesquisa (inclusive a clonagem terapêutica).

  • França - não tem legislação específica, mas permite a pesquisa com linhagens existentes de células-tronco embrionárias e com embriões de descarte.

  • Índia - proíbe a clonagem terapêutica, mas permite as outras pesquisas.

  • Israel - permite todas as pesquisas com embriões, inclusive a clonagem terapêutica.

  • Itália - proíbe totalmente qualquer tipo de pesquisa com células-tronco embrionárias humanas e sua importação.

  • Japão - permite todas as pesquisas com embriões, inclusive a clonagem terapêutica.

  • Reino Unido - tem uma das legislações mais liberais do mundo e permite a clonagem terapêutica.

  • Rússia - permite todas as pesquisas com embriões, inclusive a clonagem terapêutica.

  • Singapura - permite todas as pesquisas com embriões, inclusive a clonagem terapêutica.

  • Turquia - permite pesquisas e uso de embriões de descarte, todavia, proíbe a clonagem terapêutica das células tronco.

 

Conforme podemos ver, é vasto o entendimento dentre os diversos países que regulamentaram o assunto.

 

 

CONCLUSÃO

 

 

Podemos concluir com um exemplo prático do que ocorreria na falta de um relacionamento das ciências jurídicas com tais avanços tratados neste estudo.

 

Imaginem que, supostamente, a ADIN 3510 tivesse declarada inconstitucional a lei 11.105/2005. Num primeiro momento podemos afirmar que o Direito não acompanhou a evolução da ciência na velocidade necessária para tratar do assunto.

 

Destarte, teríamos uma perigosa e incerta realidade no está relacionado ao assunto abordado neste estudo. Uma lacuna legislativa que sem sombra de dúvidas traria consequências perigosas para a sociedade.

 

Sem uma regulamentação específica, as pesquisas seriam feitas sob a égide da clandestinidade, na ilegalidade.. Não teríamos sanções legais previstas como temos no artigo § 3º da lei 11.105/2005.

 

Dessa forma podemos dizer que os desvios éticos e morais na falta de uma regulamentação que imponha determinada sanção, inevitavelmente teríamos uma reificação dos seres humanos que seriam tratados como simples objetos de pesquisa. Visto que a lei tem como uma de suas finalidades precípuas delimitar como as pesquisas serão realizadas e onde serão. Portanto, estabelece os limites necessários para que os estudos regulamentados pela norma não excedam a barreira axiológica definida pelo legislador.

 

Então, é seguro afirmar que as ciências jurídicas devem, e precisam, se adequar aos novos fatos sociais e científicos que surgem com a evolução da sociedade, se contrário fosse o Direito perderia seu principal objeto, proporcionar equidade social.

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

 

PÉREZ LUÑO, Antonio Enrique. Derechos humanos, Estado de derecho y constitucion. 5ª ed. Madri: Tecnos, 1995.

 

BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos, 1909 - A era dos direitos / Norberto Bobbio; tradução de Carlos Nelson; apresentação de Celso Lafer – Nova ed. – Rio de Janeiro: Elsevier 2004 – 3ª reimpressão.

 

Reale, Miguel. Teoria Tridimensional do Direito. 5ª ed., Editora Saraiva - São Paulo, 2003.

[1] Reale, Miguel. Teoria Tridimensional do Direito. 5ª ed., Editora Saraiva - São Paulo, 2003.

[2] PÉREZ LUÑO, Antonio Enrique. Derechos humanos, Estado de derecho y constitucion. 5ª ed. Madri: Tecnos, 1995, p. 48

[3] BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos, 1909 - A era dos direitos / Norberto Bobbio; tradução de Carlos Nelson; apresentação de Celso Lafer – Nova ed. – Rio de Janeiro: Elsevier 2004 – 3ª reimpressão, p.38

[4]BRASIL. Lei 11.105/2005. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/lei/l11105.htm>. Acesso em: setembro, 2017.

[5]BRASIL. Lei9434/1997. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9434.htm>. Acesso em: setembro, 2017.

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Sobre o autor
Anderson Ayres Bello de Albuquerque

Acadêmico de Direito.

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