Resumo: O princípio da proporcionalidade será respeitado pelos Ministros do Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF 54, somente se eles conseguirem atingir o fim almejado, obtendo o menor prejuízo possível para proteger os direitos fundamentais da gestante em conflito com os direitos fundamentais do feto anencéfalo. E no fim, somarem mais vantagens do que desvantagens através da utilização da técnica da ponderação.
Palavras-Chave: Supremo Tribunal Federal. Proporcionalidade. Técnica da Ponderação.
1 INTRODUÇÃO
Quando ocorrem conflitos entre princípios constitucionais, existem situações em que é impossível a harmonização ou conciliação dos interesses em jogo, pois a proteção de um determinado direito ou princípio fundamental fatalmente acarretará a violação parcial ou total de outro bem jurídico protegido pela Constituição.
Dessa forma, surge a necessidade de utilização da técnica da ponderação ou sopesamento de valores constitucionais, atividade intelectual ou valoração jurídica, que necessita ser aplicada pelos Ministros do Supremo Tribunal Federal no caso de aborto de Fetos Anencefálicos, ADPF 54/2004, pois diante dos valores colidentes da gestante e do feto anencefálico, eles devem escolher qual direito deve prevalecer e qual deve ceder, observando sempre se o ganho do benefício alcançado com a proteção de determinado direito ou princípio constitucional é superior ao sacrifício do outro.
Nessa perspectiva, o presente artigo científico, objetiva analisar a importância da proporcionalidade no julgamento da ADPF 54/2004, através dos seguintes princípios de interpretação da hermenêutica constitucional: princípio da concordância prática, princípio da proporcionalidade e influências do Tribunal Constitucional Federal Alemão ao Supremo Tribunal Federal brasileiro (adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito), princípio da proteção ao núcleo essencial e princípio da proibição de abuso dos direitos fundamentais. Examinando o julgado Roe vs. Wade da Suprema Corte dos Estados Unidos da América como possível parâmetro aos Ministros do Supremo Tribunal Federal no julgamento ADPF 54/2004 e avaliando o caso “Gabriela” sobre Aborto de Fetos Anencefálicos que originou a ADPF 54/2004, através da técnica da ponderação, solucionando a colisão entre os princípios fundamentais em conflito: vida, saúde, dignidade da pessoa humana, autonomia da vontade e liberdade da gestante; versus a vida intrauterina do feto anencefálico.
2 PRINCÍPIOS DE INTERPRETAÇÃO DA HERMENÊUTICA CONSTITUCIONAL
O fenômeno da colisão dos direitos fundamentais decorre da sua própria natureza, pois eles são enunciados por meio de princípios. Ao contrário das regras, que emitem comandos definitivos, na base do “tudo ou nada”, os princípios servem de proteção, respeito e promoção ao sistema constitucional. Princípios não são absolutos, são passíveis de restrições recíprocas, pois o seu grau de aplicabilidade dependerá das possibilidades fáticas e jurídicas que se oferecem concretamente ao intérprete constitucional (ALEXY apud MARMELSTEIN, 2011, p. 403).
Os princípios possuem duas funções básicas: uma positiva, que serve para direcionar e fundamentar o conteúdo mínimo das demais normas do ordenamento jurídico; e outra negativa, pela qual expurgam do sistema as normas que com ele são incompatíveis, exceto na hipótese de colisões com outros princípios, que deverão ser balanceados e não apenas invalidados. Dessa forma, os princípios asseguram a unidade do ordenamento jurídico.
Nesse contexto, os princípios de interpretação da hermenêutica constitucional são instrumentos necessários à legitimação da argumentação e do discurso jurídico dos operadores do direito, exercendo importante papel na manutenção da unidade valorativa do ordenamento. Ao interpretar as normas positivadas no ordenamento jurídico, o intérprete busca solucionar conflitos de interesses ou valores apresentados.
No intuito de oferecer critérios mais objetivos na solução de casos concretos envolvendo direitos fundamentais, doutrina e jurisprudência desenvolveram alguns princípios de interpretação, que permitem que sejam encontradas soluções ao mesmo tempo justas e constitucionais adequadas. Segundo Marmelstein (2011, p. 400) os princípios de interpretação da hermenêutica constitucional são:
a) Supremacia da Constituição (as normas constitucionais possuem supremacia formal e material); b) unidade da Constituição (todas as normas constitucionais possuem igual hierarquia); c) presunção de constitucionalidade das leis (as leis presumem-se constitucionais); d) interpretação conforme a constituição (as leis devem ser interpretadas de acordo com os valores constitucionais); e) máxima efetividade (toda interpretação jurídica deverá tentar proporcionar a máxima efetividade); f) concordância prática (havendo colisão de valores constitucionais, deve-se tentar harmonizá-los, sacrificando-os o mínimo possível); g) proporcionalidade (as restrições aos direitos fundamentais devem ser adequadas, necessárias e proporcionais em sentido estrito); h) proteção ao núcleo essencial (as restrições aos direitos fundamentais não podem afastar o núcleo essencial da norma); i) proibição de abuso de direitos fundamentais (os direitos fundamentais não podem servir para justificar a violação de outros direitos igualmente importantes).
Portanto, o objetivo dos princípios de interpretação da hermenêutica constitucional consiste em ajudar o intérprete a encontrar respostas racionalmente fundamentadas, com base em parâmetros constitucionalmente aceitos, além de possibilitar maior transparência e objetividade na argumentação jurídica e no processo decisório, conferindo maior legitimidade à argumentação judicial.
2.1 Princípio da Concordância Prática
O princípio da concordância prática surge para solucionar a colisão entre valores constitucionais. Deve-se primeiro tentar harmonizá-los, sacrificando-os o mínimo possível. Seu objetivo é fazer com que nenhuma das posições jurídicas conflitantes seja favorecida ou afirmada em sua plenitude, na verdade, todas devem ser reciprocamente poupadas e compensadas. O papel do julgador é solucionar conflitos normativos através da integração harmoniosa dos valores contraditórios.
Dessa forma, considerar os direitos fundamentais como princípios significa aceitar que não há direitos com caráter absoluto, já que eles são passíveis de restrições recíprocas. A jurisprudência majoritária do Supremo Tribunal Federal[3] entende que não há no sistema constitucional brasileiro, direitos ou garantias que se revistam de caráter absoluto. Razões de relevante interesse público ou exigências derivadas do princípio da conveniência das liberdades legitimam, ainda que excepcionalmente, a adoção, por parte dos órgãos estatais, de medidas restritivas das prerrogativas individuais ou coletivas, desde que respeitados os termos estabelecidos pela própria Constituição Federal de 1988 que traça limites aos seguintes direitos fundamentais, por exemplo:
a) reconhece o direito à vida, mas autoriza a adoção da pena de morte em caso de guerra declarada, artigos 5º, caput, XLVII, “a” e 84, XIX;
b) prevê o direito de liberdade, mas permite a prisão em caso de flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, artigo 5º, caput, LXI;
c) garante o direito de propriedade, mas exige que ela exerça a sua função social, artigo 5º, XXII e XXIII;
d) garante o direito de liberdade de expressão, mas veda o anonimato e garante o direito de resposta, artigos 5º, IV e V;
e) garante a todos o direito de petição, mas proíbe a concessão de habeas corpus no caso de punição de militares, artigos 5º, XXXV e 142, § 2º;
f) prevê restrições a vários direitos fundamentais durante o estado de defesa e o estado de sítio, artigos 136, I, “a” a “c” e 139, I a VII.
Regra geral os direitos fundamentais devem ser harmonizados, excepcionalmente poderão ser restringidos. Primeiramente, o intérprete constitucional deve buscar concretizar ao máximo a norma constitucional, sem sacrificar outros direitos fundamentais igualmente protegidos, de modo a preservá-los pelo menos em alguma medida na solução adotada. Apenas em um segundo momento, se não for possível conciliar os interesses em conflito será possível utilizar a técnica da ponderação.
2.2 Princípio da Proporcionalidade e Influências do Tribunal Constitucional Federal alemão ao Supremo Tribunal Federal brasileiro
Nos séculos XVIII e XIX, a dimensão material do princípio da proporcionalidade está presente na ideia britânica de reasonableness e no conceito alemão de verhältnismässigkeit. O alcance do princípio era mais revelação de sintomas de patologias administrativas como arbitrariedade e exorbitância de atos discricionários da administração, do que um princípio material de controle das atividades dos poderes públicos. No pós-guerra, as potencialidades expansivas do instituto são cada vez mais sentidas pelos cidadãos e juristas comprometidos na radicação de um direito materialmente justo. A doutrina alemã ergue o princípio da proibição de excesso a princípio constitucional e começa a controlar os atos do poder público sob o ponto de vista do princípio da proporcionalidade. (CANOTILHO, 2003, p. 268).
O Tribunal Constitucional alemão entende o princípio da proporcionalidade como um direito público fundamental, emanado do próprio Estado Democrático de Direito alemão. A proporcionalidade é expressão da pretensão jurídica geral de liberdade do cidadão frente ao Estado, seu direito só pode ser limitado pelo poder público quando isso for imprescindível para a proteção do interesse público primário.
No Brasil, o princípio da proporcionalidade como limite da atividade jurisdicional está implícito na Constituição Federal de 1988, com o objetivo de fazer com que nenhuma restrição aos direitos ou princípios constitucionais fundamentais seja desproporcional. Parte da doutrina entende que ele deriva do Estado Democrático de Direito, outra parte o fundamenta do próprio conteúdo dos direitos fundamentais, outra parte acredita que ele deriva do princípio da legalidade, e outra parte dos doutrinadores acredita derivar do devido processo legal (para eles proporcionalidade e razoabilidade são conceitos fungíveis). (BRAGA, 2008, p. 104).
A doutrina tradicional brasileira liderada por Virgílio Afonso da Silva, ao analisar decisões da Corte Constitucional alemã que influenciaram na construção do princípio da proporcionalidade utilizado pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal brasileiro, aponta três dimensões do princípio da proporcionalidade: a) adequação; b) a necessidade ou vedação de excesso e de insuficiência; c) proporcionalidade em sentido estrito. Esses elementos devem ser analisados sucessivamente. Somente será possível limitar um direito fundamental se estiverem presentes na medida limitadora todos esses aspectos. (DA SILVA apud MARMELSTEIN, 2011, p. 410).
A necessidade e a adequação são verificadas diante das possibilidades fáticas, ao passo que a proporcionalidade em sentido estrito é verificada com base nas possibilidades jurídicas. Mencionados requisitos devem ser atendidos concomitantemente, somente através da trifásica aplicação, pode ser concretizado determinado direito fundamental, caso seja insatisfeito qualquer um deles, a medida judicial será desproporcional, somente se passa à análise do requisito seguinte, se o anterior tiver sido atendido.
Ressalte-se que o princípio da proporcionalidade em sentido amplo significa limitação de poder, ao passo que em sentido estrito identifica-se com a ponderação, como técnica de decisão que determina que se coloquem em equação os ônus e as vantagens que defluem da tutela total ou parcial de cada um dos bens jurídicos em conflito.
A doutrina majoritária moderna brasileira criou critérios mentais que devem ser feitos para se analisar a validade de determinada medida limitadora de direito fundamental: a) o meio escolhido é adequado para atingir a sua finalidade? (adequação); b) o meio escolhido é o mais suave e ao mesmo tempo suficiente para proteger a norma constitucional? (necessidade); c) numa relação de “peso e importância”, a medida trará mais benefícios do que prejuízos? (proporcionalidade em sentido estrito). (MARMELSTEIN, 2011, p. 410).
Ao passo que a doutrina minoritária tradicional entende que para se analisar a validade de determinada medida limitadora de direitos fundamentais não é necessário analisar os critérios supracitados do princípio da proporcionalidae; acompanho o entendimento doutrinário majoritário, pois o princípio da proporcionalidade serve para verificar a validade material de atos dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, bem como, limitar o exercício dos direitos fundamentais, servindo de proteção ao indivíduo dos abusos do poder público, especialmente quando o Estado intervém desnecessariamente no interesse da coletividade.
2.2.1 Dimensão da Adequação
Para aferir a adequação é necessário saber se o meio escolhido foi adequado e pertinente para atingir o resultado desejado, devendo haver relação entre a medida adotada e finalidade da norma. Caso não seja possível demonstrar que o meio escolhido não é apto a obter o resultado pretendido, o Judiciário poderá declarar a nulidade desse ato manifestamente ilegal, com base no princípio da proporcionalidade.
Vale ressaltar que a adequação exige também que uma medida restritiva de direitos fundamentais para ser válida, precisa ser compatível com uma finalidade constitucionalmente legítima. Entretanto, se o objetivo visado pela medida buscar uma finalidade incompatível com a Constituição, será inconstitucional. (MARMELSTEIN, 2011, p. 413).
O primeiro passo dos Ministros do Supremo Tribunal Federal no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental - ADPF 54 é observar a adequação em relação ao meio escolhido atendendo a finalidade pública da norma constitucional. É indispensável proteger o bem jurídico mais importante que está em jogo (autonomia da vontade da gestante versus vida do feto anencefálico), do contrário não será possível alcançar o correto fim almejado para implementar determinado direito fundamental.
2.2.2 Dimensão da Necessidade (Vedação de Excesso e Vedação de Insuficiência)
O princípio da proporcionalidade compreende também a ideia de vedação de excesso, ou seja, a medida deve ser necessária, o meio escolhido pelo intérprete deve ser o mais suave e ao mesmo tempo suficiente para proteger a norma constitucional entre as opções existentes. Do contrário, o Poder Judiciário anulará a medida judicial prejudicial. (MARMELSTEIN, 2011, p. 414).
Outro ponto digno de nota é que a proporcionalidade abrange também a ideia de vedação de proteção insuficiente. O Estado deve agir eficazmente para proteger os direitos fundamentais, impedindo e reprimindo violações. Excepcionalmente, quando estritamente comprovado que a proteção ao direito fundamental foi insuficiente, é cabível controle jurisdicional, a fim de corrigir a situação ilegal ou inconstitucional. São exemplos de necessidade de proteção suficiente, os mandados constitucionais de criminalização de condutas, previstos no artigo 5º, XLI a XLIV da Carta Magna de 1988:
XLI - a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais;
XLII - a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei;
XLIII - a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem;
XLIV - constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático.
Assim, os mandados constitucionais de criminalização impõem ao legislador o dever de observância do princípio da proporcionalidade como proibição de excesso e como proibição de proteção insuficiente. A Constituição ao conferir ao legislador o dever de respeito à proporcionalidade e margem discricionária para avaliação, valoração e conformação quanto às medidas eficazes e suficientes para a proteção do bem jurídico penal, torna possível a fiscalização judicial para aferir a constitucionalidade da atividade legislativa. O Supremo Tribunal Federal[4] possui a responsabilidade de examinar se o legislador constituinte ordinário considerou suficientemente as possibilidades fáticas e jurídicas existentes, bem como, se ele utilizou a margem de ação de forma adequada para a proteção suficiente dos bens jurídicos fundamentais em conflito.
2.2.3 Dimensão da Proporcionalidade em Sentido Estrito
Robert Alexy[5] desenvolveu a técnica da ponderação. Para ele, o julgador deve buscar uma decisão “racional” diante conflitos entre princípios constitucionais que asseguram direitos e garantias fundamentais, tendo como parâmetro a análise do princípio da proporcionalidade, que se subdivide em adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito. O magistrado deve fazer a opção pelo princípio que contenha o mandamento que proporcione a satisfação de um dever ideal, já que princípios são comandos de otimização, e pressupõe que algo seja realizado na maior medida possível. (BAPTISTA, 2012, p. 02).
Mencionado jurista alemão, entende que em havendo colisão de direitos fundamentais é necessário observar a “lei da ponderação” que consagra que quanto mais alto for o grau de descumprimento de um princípio, maior deve ser a importância do cumprimento do outro princípio que está em conflito (proporcionalidade em sentido estrito). Para mensurar tal situação é necessária a incidência de uma forte carga argumentativa.
A técnica da ponderação tem sido utilizada no ordenamento jurídico brasileiro como referencial teórico para os vários casos jurídicos (“hard cases”) em que o pano de fundo é a discussão e apreciação de causas que envolvam conflitos de princípios. Entretanto, o Brasil não vem adotando fielmente os critérios da proporcionalidade propostos por Robert Alexy, e uma das críticas travada nesse artigo é o descaso do julgador brasileiro em não preocupar-se com a proporcionalidade em sentido estrito ou técnica da ponderação, portanto, observa-se que essa teoria nem sempre é observada e contextualizada no ordenamento jurídico pátrio.
A construção teórica de Robert Alexy possui grande relevância para a afirmação e consolidação de uma cultura jurídica pautada na valoração de elementos negligenciados pelo positivismo jurídico como a moral, os valores e os princípios constitucionais. Todavia, o julgador ao implementar a tarefa da ponderação entre princípios constitucionais conflitantes pode estar exercendo um legítimo ato de violência se sua atuação não se pautar nos valores emanados pela Constituição, sem nenhuma carga argumentativa.
Além disso, o caso que ensejou a construção da proporcionalidade em sentido estrito consiste na premissa de que os seguintes métodos hermenêuticos tradicionais de solução de antinomia: cronológico em que a norma posterior revoga a anterior; hierárquico em que as normas de hierarquia superior prevalecem sobre a inferior; e especialidade onde a norma específica deve predominar sobre a mais geral; não são suficientes para solucionar colisões de normas constitucionais, pois elas estão em igual patamar no ordenamento jurídico. (BRAGA, 2008, p. 35).
Quando ocorre um “choque” entre direitos fundamentais, o primeiro passo do julgador é tentar conciliar ou harmonizar os interesses em jogo, através do princípio da concordância prática. O segundo passo apenas será realizado se não for possível conciliação de interesses, tornando-se necessário utilizar a técnica da ponderação. Não existe direito fundamental absoluto, mesmo em conflito, eles devem conviver harmonicamente, e excepcionalmente, poderão ser limitados.
Portanto, a dimensão da proporcionalidade em sentido estrito significa a utilização da técnica da ponderação, ou seja, análise das vantagens e desvantagens que a medida trará. A técnica da ponderação implica o máximo benefício com o mínimo de sacrifício. É um juízo crítico pelo qual interprete, diante das circunstâncias jurídicas envolvidas no caso, avalia o equilíbrio global entre os custos e os benefícios das medidas e restrições impostas, estabelecendo uma relação ponderada entre o grau de restrição de um princípio e o grau de realização do princípio contraposto. A procedência de um direito, em relação a outro, apenas se justifica pelo seu maior benefício.
2.3 Princípio da Proteção ao Núcleo Essencial.
O princípio da proteção ao núcleo essencial é uma construção doutrinária e jurisprudencial brasileira, sua função dentro do ordenamento jurídico é fazer com que nenhuma lei restrinja um direito fundamental de modo que afete o seu conteúdo mínimo ou essencial. Mencionado princípio está diretamente ligado à dimensão da necessidade do princípio da proporcionalidade, eles possuem objetivos em comum: obtenção do menor prejuízo possível para proteger os direitos fundamentais em conflito.
O Ministro Gilmar Mendes[6] do Supremo Tribunal Federal entende que o princípio da proteção ao núcleo essencial destina-se a evitar o esvaziamento do conteúdo do direito fundamental decorrente de restrições descabidas, desmesuradas ou desproporcionais. Para ele, mencionado princípio está implícito na Constituição e decorre do modelo de Estado Democrático de Direito brasileiro. (MARMELSTEIN, 2011, p. 438).
A Lei Fundamental, excepcionalmente, atinge totalmente o núcleo essencial do direito fundamental à vida, quando, por exemplo, prevê pena de morte em caso de guerra declarada, nos termos do artigo 5º, XLVII, “a” e 84, XIX. Outro exemplo é a restrição total ao direito fundamental à vida do feto, que autoriza a gestante realizar aborto em caso de risco para sua própria vida (aborto necessário ou terapêutico) e gravidez resultante de estupro (aborto sentimental), nos termos do artigo 128, I e II do Código Penal.
Por todo o exposto, percebe-se que a proteção ao núcleo essencial é um instrumento argumentativo contra leis que restringem direitos fundamentais, nenhuma lei em abstrato pode restringir um direito fundamental de modo que lhe descaracterize. Entretanto, excepcionalmente, o Poder Judiciário ao sopesar valores em conflito poderá restringir completamente um direito fundamental, consequentemente, atingindo seu núcleo essencial, desde que sejam respeitados os critérios do princípio da proporcionalidade (adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito). Desse modo, se uma lei que restringe determinado direito fundamental é proporcional, é válida, mesmo que atinja o núcleo essencial.
2.4 Princípio da proibição de abuso dos direitos fundamentais.
A missão do Estado brasileiro é proteger os direitos fundamentais impedindo a violação deles. Nesse contexto, é essencial que a lei possa punir qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais, conforme estabelece o artigo 5º, XLI, da República Federativa da Brasil.
Marmelstein (2011, p. 459) defende que o princípio da proibição de abuso de direitos fundamentais estabelece que: “nenhum direito fundamental deve ser interpretado no sentido de autorizar a prática de atividades que visem à destruição de outros direitos ou liberdades”. Percebe-se que o exercício de direitos fundamentais não pode ser abusivo de forma a justificar práticas ilícitas cometidas em detrimento de outros direitos fundamentais ou de valores constitucionais relevantes.
Vale ressaltar que a própria Constituição Federal de 1988 possibilita a limitação ou a restrição de direitos fundamentais quando há abuso no seu exercício. Por exemplo, o domicílio é inviolável, mas pode ser invadido em caso de flagrante delito ou desastre (art. 5º, XI, da CF/88); é inviolável o sigilo das comunicações, mas é possível a interceptação telefônica para fins de investigação criminal (5º, XII, da CF/88); regra geral ninguém pode ser privado da liberdade ou de seus bens, mas desde que observado o devido processo legal poderá haver restrições (art. 5º, LIV, da CF/88).
A jurisprudência pátria defende que a Carta Magna é composta por um substrato ético capaz de limitar a ordem jurídica das liberdades constitucionais, protegendo, de um lado, a integridade do interesse social e, do outro, assegurando a coexistência harmoniosa das liberdades, pois nenhum direito pode ser exercido em detrimento da ordem pública ou com desrespeito aos direitos e garantias de terceiros[7].
Os direitos fundamentais não podem ser utilizados para fins arbitrários ou ilegais. A finalidade deles é promover o bem-estar, a dignidade da pessoa humana e a justiça. Do contrário, os valores constitucionais estarão ameaçados e contaminados por vícios de inconstitucionalidades.