A função ressocializadora da pena de prisão e seus reflexos na teoria da co-culpabilidade

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15/02/2017 às 15:38
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A incredibilidade da população no que tange a função ressocializadora da pena privativa de liberdade tem reflexos na Teoria da Co-Culpabilidade e, consequentemente, na reincidência.

RESUMO: Este trabalho teve como proposta o estudo dos reflexos da finalidade ressocializadora da pena privativa de liberdade (ou de prisão) e parte do raciocínio de que a pena não pode servir como simples instrumento de retribuição do delito praticado, mas que se destine a promover a reabilitação do indivíduo, para que não volte a delinquir quando retornar ao meio social. Ocorre que, devido a inúmeros problemas, a pena privativa de liberdade não vem alcançando esta finalidade, tornando incrédula a sociedade ante a eficiência do sistema penitenciário na recuperação do individuo, gerando a estigmatização ou morte social do indivíduo que cumpre sua pena no sistema penitenciário e retorna ao convívio social. 

Tal premissa vem corroborar o Princípio da Co-Culpabilidade asseverando o reconhecimento da parcela de responsabilidade atribuída ao Estado-Sociedade quando da prática de crimes por determinados cidadãos com menor âmbito de autodeterminação. Destarte, o princípio da co-culpabilidade ao ser aplicado no caso concreto, atua como atenuante genérica prevista no artigo 66 do Código Penal. Para tanto, realizou-se uma pesquisa bibliográfica considerando as contribuições de autores como BITENCOURT (2011), GRECO (2008), MOURA, (2006), TÁVORA, (2010) e ZAFFARONl; PIERANGELI, (2001), além de uma pesquisa com 40 (quarenta) empresários da Cidade de Muriaé/MG.

Palavras-chave: Co-culpabilidade. Ressocialização. Atenuante genérica.

RESUMEN:Este trabajo dirigido a estudiar las reflexiones de fin ressocializadora de privación de libertad (o prisión) y parte del razonamiento de que la sentencia no puede servir como un mero instrumento de delito cometido retribución, sino que se pretende promover la rehabilitación el individuo, por lo que no vuelve a ofender cuando regresan a su entorno social. Sucede que, debido a numerosos problemas, la privación de la libertad no está llegando a tal fin, por lo que la sociedad no creyente en la eficiencia del sistema penitenciario en la recuperación individual, que conduce a la estigmatización o la muerte social de la persona que está cumpliendo su condena en el sistema penitenciario y devuelve a la vida social. Este supuesto corrobora el Principio de Co-Culpabilidad afirmando el reconocimiento de parte de la responsabilidad asignada a la Sociedad Estatal cuando los crímenes por parte de algunos ciudadanos con menos margen para la libre determinación. Por lo tanto, el principio de co-culpabilidad que debe aplicarse en este caso actúa como atenuante genérica prevista en el artículo 66 del Código Penal. Por lo tanto, se realizó una revisión bibliográfica considerando los aportes de autores como BITENCOURT (2011), el GRECO (2008), Moura (2006), Távora, (2010) y ZAFFARONl; Pierangeli, (2001), y un estudio de cuarenta (40) de negocios Ciudad Muriaé / MG.

Palabras clave: Co-culpabilidad. Resocialización. Mitigar genérico.


Introdução

A pena privativa de liberdade ou pena de prisão é entendida como uma sanção consistente na privação da liberdade, imposta em desfavor de uma pessoa física que tenha cometido ou participado de um fato típico, ilícito e culpável (crime), a fim de retribuir o delito praticado e prevenir futuros crimes, tem como uma de suas finalidades a Ressocialização (artigo 59 do Decreto-Lei 2848/1940). Ressocializar significa recuperar, corrigir, regenerar o segregado, para que pense em seus atos e não volte a delinquir quando retornar ao meio social.

Todavia, essa finalidade, não vem sido concretizada pelo Estado, que se revelou verdadeiramente incapaz de alcançar com eficiência a finalidade ressocializadora da pena privativa de liberdade.

Vários são os fatores responsáveis por essa ineficiência Estatal, ressaltando-se, entre outros, a superlotação carcerária, o próprio convívio com os demais condenados, o tratamento degradante pelos agentes carcerários, a total ausência de infra-estrutura somada à carência de ambientes higienizados e saudáveis, funcionando como verdadeiros focos de doenças como a tuberculose, doença contagiosa que acomete os pulmões, muito comum em ambientes carcerários, devido à umidade e a conspurcação do ambiente.

Todos estes fatores corroboram o pensamento de falência da pena privativa de liberdade no que concerne a sua finalidade ressocializadora. Não há como regenerar um ser humano abandonando-o em um ambiente mísero e degradante. Só aparta ainda mais sua humanidade, conduzindo-o para um universo de revolta e rancor pela sociedade.

Como conseqüência, esta situação reflete diretamente na sociedade que se encontra incrédula, desacreditada, sobre a eficiência Estatal em promover a regeneração do indivíduo. Isto se torna nítido quando da análise da pesquisa realizada que será apresentada no decorrer deste estudo.

Surge neste momento o Princípio da Co-Culpabilidade representado pela parcela de responsabilidade do Estado-Sociedade pela prática de crimes por determinados indivíduos esquecidos pelo Estado e marginalizados pela sociedade.

Assim, o presente trabalho tem como objetivo primordial o estudo da incidência e necessidade de aplicação do Princípio da Co-Culpabilidade em todos os seus aspectos, mas focando principalmente na sua ocorrência na reincidência do indivíduo ex-segregado. Ou seja, quando há o cometimento de um novo crime pelo individuo já condenado, evidenciando a total descrença da sociedade ante a finalidade ressocializadora da pena privativa de liberdade e as conseqüências deste cepticismo na vida dos ex-segregados.


Desenvolvimento

A finalidade ressocializadora da pena privativa de liberdade consiste na busca pela reabilitação ou regeneração do indivíduo que infringiu as determinações legais, através de sua segregação, a fim de que reflita sobre os danos que causou, no grau de reprovabilidade de sua conduta criminosa e entenda a importância do respeito às leis para um convívio saudável e serene em sociedade. Em suma, busca-se que o reeducando aprenda que o ingresso ao mundo do crime é extremamente prejudicial à sua vida e de toda a sociedade, e que, diante do encarceramento, possa aprimorar-se, tornar-se apto e seguro para o retorno a comunidade.

Contudo, na maior parte dos estabelecimentos prisionais as condições materiais e humanas fazem com que o objetivo reabilitador seja inalcançável. Trata-se de estabelecimentos com infra-estrutura precária, deficiente em todos os seus aspectos, em que se predominam os maus tratos verbais, a insalubridade decorrente da umidade, falta de circulação de ar, higiene e superlotação.

A carência de alojamentos adequados e a alimentação suficiente podem exercer efeitos nefastos sobre a saúde dos internos. Entretanto, as consequências da segregação não atingem somente o físico do recluso, alcançando diretamente o seu psicológico, funcionando como um fator criminógeno em que se estimula a delinquência através da prisionização ou aculturação do detento, promovendo o fenômeno do contágio, ou seja, o próprio convívio no ambiente carcerário com os demais segregados, por si só já estimula a delinquência. Arrimando este pensamento, Bitencourt afirma “considera-se que a prisão, em vez de frear de delinquência parece estimulá-la, convertendo-se em instrumento que oportuniza toda espécie de desumanidade” (BITENCOURT, 2011, p. 165).

Ressalte-se, que não há como o segregado fugir das influências da prisionização, vez que está preso aquele ambiente até o cumprimento de sua pena. Nas palavras de Bitencourt, “não há como fugir do sistema. O recluso encontra-se não só fisicamente encerrado, impedido de sair, como também se encontra preso a um contexto de comportamento e usos sociais dos quais não pode fugir”. (BITENCOURT, 201, p. 175).

Noutro enfoque, urge destacar que, a própria retirada de um indivíduo do seu meio social ocasiona sua total desadaptação ao mundo exterior. Enquanto o recluso está isolado do mundo exterior, a sociedade evolui a passos largos. A cada dia surge uma nova tecnologia, e para cada invenção surge à necessidade de adaptação da população para atender as exigências do mercado de trabalho que se renovam.

O indivíduo que está preso é limitado desta adequação, deixando de acompanhar os avanços sociais. Por isto, ao cumprir sua pena e retornar a sociedade percebe que seu conhecimento está defasado face ao progresso, tornando improvável sua readaptação. Assim, “é impossível pretender que a pena privativa de liberdade ressocialize por meio da exclusão e do isolamento” do indivíduo. (BITENCOURT, 2011, p. 167).

Outro ponto que merece destaque é a estigmatização e reincidência do ex-segregado. Ante um sistema penitenciário falido que fomenta a barbárie do indivíduo, acreditar que a sociedade acolherá o ex-condenado de braços abertos seria mergulhar em terrenos dogmáticos. É necessário se ater a realidade. Aquele que cumpre uma pena privativa de liberdade será, inelutavelmente, tratado de forma preconceituosa. A sociedade não se interessa pelos motivos que os levaram a delinquir, contenta-se exclusivamente em saber se já esteve lá. Há uma verdadeira morte social do indivíduo ex-segregado, que precede a própria reincidência, ou seja, precede ao próprio retorno a delinqüência.

Assim, resta inelutável que a pena privativa de liberdade não vem conseguindo cumprir fielmente a sua finalidade ressocializadora. Em um sistema penitenciário aviltante e perverso, distante em milhas de garantir condições mínimas para uma sobrevivência digna, é necessário que se admita o fracasso da pena de prisão e a falácia do sistema prisional vigente.

Esta realidade desumana influi diretamente na credibilidade da sociedade ante a pena privativa de liberdade, levando ao questionamento de sua eficácia como instrumento eficiente a ressocialização do delinquente, contribuindo por via reflexa para a estigmatização do ex-detento e a concretização do Princípio da Co-Culpabilidade.

Em pesquisa realizada com empresários da Cidade de Muriaé/MG (CEP 36880-000), entre os meses de outubro a dezembro de 2016, um universo amostral de 40 (quarenta) entrevistados responderam a um questionário com 03 (três) perguntas objetivas, sendo informados, mediante termo de consentimento sobre o procedimento do estudo.

Dos 40 (quarenta) entrevistados, 70% afirmaram não acreditar que a pena privativa de liberdade tem o condão de ressocializar um sentenciado, ao passo que 80% disseram que não contratariam um ex-detento para ser seu empregado; 65% disseram, ainda, que um sentenciado, ao cumprir sua pena irá retornar ao mundo do crime.

Percebe-se pelos resultados obtidos que a sociedade empresária está incrédula ante a finalidade ressocializadora da pena privativa de liberdade. E por não acreditarem na sua capacidade regeneradora, deixam de acolher os ex-detentos, não lhes confiando cargos em suas empresas após sua reinserção a vivência social.

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O problema, ainda maior, está na influência da sociedade empresária na regeneração do ex-segregado. Isto porque as empresas são, evidentemente, a principal fonte de emprego da sociedade atual. Logo, agindo assim, ela impulsiona, obriga o “recuperado” a reingressar ao mundo do crime, contribuindo, portanto, para uma provável reincidência do mesmo, que diante das limitações impostas, se vê sem alternativas plausíveis, e procura meios ilícitos para garantir seu próprio sustento e de suas famílias.

É neste momento que surge a Teoria da Co-Culpabilidade, como a parcela de responsabilidade do Estado-sociedade quando da reincidência de seus “ressocializados”. O Estado na medida em que não oferece mecanismos confiáveis a transmitir credibilidade à sociedade sobre a finalidade ressocializadora da pena privativa de liberdade, e, completando o círculo, a responsabilidade da sociedade, representada principalmente pelos empresários, que não contratam mão de obra ex-segregada.

Neste sentido, Grégore Moura, conceitua este Princípio:

[...] Um princípio constitucional implícito que reconhece a co-culpabilidade do Estado no cometimento de determinados delitos, praticados por cidadãos que possuem menor âmbito de autodeterminação diante das circunstancias do caso concreto, principalmente no que se refere às condições sociais e econômicas do agente, o que enseja menor reprovação social, gerando consequências práticas não só na aplicação e execução da pena, mas também no processo penal. (MOURA, 2006, p. 36/37).

Em similitude, a conceituação de Zaffaroni e Pierangeli:

[...] Todo sujeito age numa circunstancia determinada e com um âmbito de autodeterminação também dado. Em sua própria personalidade há uma contribuição para esse âmbito de autodeterminação, posto que a sociedade- por melhor organizada que seja- nunca tem a possibilidade de brindar a todos os homens com as mesmas oportunidades. Em consequência, há sujeitos que tem um menor âmbito de autodeterminação, condicionado desta maneira por causas sociais. Não será possível atribuir estas causas sociais ao sujeito e sobrecarregá-lo com elas no momento de reprovação de culpabilidade. Costuma-se dizer que há, aqui, uma co-culpabilidade, com a qual a própria sociedade deve arcar. (ZAFFARONl; PIERANGELI, 2001, p. 610/611).

Não basta que a pena privativa de liberdade ofereça aprendizado de um ofício ou profissão para o detento, é preciso fornecer meios para fortalecer a credibilidade da sociedade quanto ao sistema penitenciário, já que é ela quem irá receber o indivíduo após o cumprimento de sua reprimenda. Afinal, conforme preceitua Rogerio Greco, “de que adianta, por exemplo, fazer com que o detento aprenda uma profissão ou ofício dentro da penitenciária se, ao sair, ao tentar se reintegrar na sociedade, não conseguirá trabalhar?”. (GRECO, 2008, p. 493).

Ademais, em um Estado Democrático de Direito em que o índice de desemprego alcança 7,9% da população ativa, acreditar que um ex-recluso conseguirá facilmente um emprego, concorrendo com inúmeros candidatos sem antecedentes criminais, seria irracional. PASSARINHO, Sandra. “Taxa de desemprego no Brasil foi a mais alta em dois anos, diz IBGE” Disponível em: <http://g1.globo.com/jornal-da-globo/noticia/2015/05/taxa-de-desemprego-no-brasil-foi-mais-alta-em-dois-anos-diz-ibge.html> Acesso em: 15 fev. 2017.

Ressalte-se que a pesquisa de campo comprovou esta teoria. É preciso despertar para essa triste realidade que aflige a sociedade contemporânea sobre a finalidade ressocializadora da pena privativa de liberdade. O problema existe, é real, e não pode ser acobertado. Os números obtidos são incontentáveis. Revelam que a sociedade não confia no poder reformador da prisão e, por isto, não contratam ex-detentos para comporem o quadro de funcionários de suas empresas, contribuindo para reincidência criminal e alimentando o Princípio da Co-Culpabilidade.

Malgrado não haja positivação do Princípio da Co-Culpabilidade no Código Penal vigente (Decreto-Lei 2.848/1940), devido a sua indiscutível importância como mecanismo de redução das desigualdades sociais e reconhecimento da inadimplência Estatal, a doutrina admite sua aplicabilidade como atenuante genérica com fulcro no artigo 66 do Código Penal (Decreto-Lei 2.848/1940). Assim, uma vez evidenciada sua incidência no caso concreto, servirá como atenuante inominado, abrandando o quantum de pena cominado ao delinquente, hipossuficiente da relação, face à ineficiência Estatal em promover o bem comum.

Nos casos em que a inadimplência Estatal é extrema, deixando de oferecer ao indivíduo condições mínimas de sobrevivência digna, impulsionando-o a prática delituosa, o doutrinador Nestor Távora, prega a tese de aplicação do princípio da co-culpabilidade para absolver o réu pelo afastamento da culpabilidade por inexigibilidade de conduta diversa:

[...] A falta de oportunidade de emprego, moradia, educação, saúde, que contribuem para que o agente se envolva na atividade delitiva, pode funcionar como atenuante genérica, ou nas situações de maior evidencia, pode implicar na absolvição do réu, afastando-se a culpabilidade pela inexigibilidade de conduta diversa [...]. (TÁVORA, 2010, p. 395).

Por todo o exposto, não restam dúvidas de que o Estado e a sociedade possuem sua parcela de responsabilidade sobre a reincidência de seus cidadãos, esquecidos num estabelecimento penitenciário perverso e censurados pela sociedade mesmo após o cumprimento integral de sua pena. Assim, nada mais justo do que a distribuição dessa culpa entre todos os envolvidos, como mecanismo idôneo de equilíbrio dessa tríade, formada pela ineficiência estatal, preconceitos sociais e reincidência do ex-presidiário que, infelizmente, acometem cotidianamente a sociedade brasileira, corroendo fatalmente a Dignidade da Pessoa Humana prevista no artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal de 1.988, como um dos fundamentos basilares da República Federativa do Brasil, consubstanciada na idéia humanitária de que o homem para ser digno deve estar plenamente incluído no seio social. O que, notadamente, não ocorre com os indivíduos ex-segregados que, conforme a pesquisa apresentada demonstrou, apenas gravitam as margens da sociedade, infinitamente distantes de uma inclusão social.

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Sobre a autora
Daiana Arêdes Pimentel

Bacharel em Direito pela Faminas - Faculdade de Minas, Pós-Graduada em Direito Penal e Processual Penal pela Universidade Cândido Mendes e Advogada.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Para conclusão desse artigo foi realizada uma pesquisa de campo entre os comerciantes de Muriaé/MG. Trata-se de uma pesquisa de opinião, em que os empresários se posicionam sobre a eficiência da finalidade ressocializadora da pena privativa de liberdade e a contratação de mão de obra ex-segregada.

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