Da possibilidade constitucional de falência das empresas públicas e de economia mista.

A suposta inconstitucionalidade do art. 2°, i, da Lei de falências e aplicação de legislação específica aos institutos

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Discute-se, doutrinaria e jurisprudencialmente, a (im)possibilidade jurídica do decreto de falência das empresas públicas e sociedades de economia mista.

Sumário: 1 Nota Introdutória; 2 Noção do instituto falimentar e o instituto das empresas públicas; 2.1 Conceito e características do instituto falimentar em relação aos conceitos técnicos e jurídicos das empresas estatais e de economia mista; 3 Da constitucionalidade do instituto falimentar; 3.1 A inconstitucionalidade do art. 2°, inciso I, da Lei de falências; 4 A possibilidade de aplicação do instituto da falência segundo a doutrina e jurisprudência; 5 Conclusão. 

RESUMO: De acordo com a própria Lei de Falências (Lei n°. 11.101/05), em seu art. 2°, inciso I, afirma-se que o instituto da falência não se aplica às empresas públicas e sociedades de economia mista. Por conta dessa impossibilidade infraconstitucional das empresas públicas e de economia mista falirem, parte da doutrina diverge quanto a constitucionalidade do que dispõe a Lei de Falências alegando que na Constituição Federal (CF/88) permite a formulação de lei ou decreto capaz de possibilitar a regulação do instituto da falência à tais empresas. Porém, uma parte da doutrina acredita que a possibilidade de criação de lei específica apenas confere ao Estado maior autonomia para intervir na economia, podendo dissolver a sociedade de economia mista quando bem entender, o que proporciona desigualdade no tratamento das empresas públicas e privadas no meio comercial, havendo maior prejuízo às ultimas. Nesse sentido, questiona-se a constitucionalidade da Lei de Falências e na interpretação da CF, conjeturando uma possível forma de se aplicar a falência às empresas públicas e de economia mista.

Palavras-chave: Lei de Falências. Empresas públicas e de economia mista. Princípio da isonomia. Inconstitucionalidade.


1-NOTA INTRODUTÓRIA

Partindo do que dispõe a Lei n. 11.101 (Lei de Falências) de 2005, art. 2°, inciso I, afirma-se que, tal Lei, não se aplica às empresas públicas e de economia mista, ou seja, dando o pressuposto que existe uma impossibilidade legal de ocorrer o instituto da falência com estas empresas. Esse entendimento traz na doutrina jurídica uma grande discussão concernente quanto à interpretação do art. 173, §1° da Constituição Federal (CF/88), o qual, estabelece a aplicação de legislação específica às empresas estatais que explorassem atividades econômicas.

Todavia, parte da doutrina, interpreta o artigo 173 da CF como sendo apenas uma medida para criação de lei que possibilite a intervenção do Estado na economia, e que, apenas por meio de criação de uma outra lei, tais empresas públicas e de economia mista, poderiam ser dissolvidas. Isso significa que as empresa públicas poderiam intervir na economia de forma diferenciada, recebendo tratamento privilegiado em comparação às empresas privadas, as quais, estão sujeitas ao instituto falimentar, enquanto as públicas e de economia mista não, havendo o ferimento do princípio constitucional da isonomia nas citadas relações jurídicas (MUNIZ; CASTRO, 2007).

Dessa forma, questiona-se a constitucionalidade do art. 2°, inciso I, da Lei Falimentar, em que, para alguns doutrinadores, entra em choque com o disposto na CF, art. 173, §1°. A Constituição, no citado artigo, faz uma diferenciação entre empresas públicas destinadas apenas a serviços públicos e empresas públicas e de economia mista destinadas a exploração econômica stricto sensu (ZAGO, 2010). Por meio desta diferenciação, mostra-se necessário os seguinte questionamentos: Por conta deste conflito na interpretação de Lei infraconstitucional em relação à Carta Magna, existe inconstitucionalidade em tal norma jurídica? E, respeitando o princípio da isonomia, seria possível a criação de legislação específica fomentando a possibilidade de tais empresas falirem?    

Diante de um escasso conteúdo jurídico-dogmático envolvendo o tema proposto, busca-se, por meio deste trabalho, a elaboração de uma discussão doutrinária envolvendo as relações jurídicas dos institutos da falência, do Direito Empresarial e Administrativo para melhor interpretar e entender as relações no âmbito jurídico das empresas públicas e de economia mista fazendo, é claro, uma conexão tanto do direto infraconstitucional quanto constitucional.

À luz de um paradigma acadêmico, a efetivação da pesquisa se fundamenta pela aproximação do tema a demais pesquisadores interessados, além de um estudo mais aprofundado dos institutos jurídicos relacionados a este tema, buscando, também, fazer uma aproximação de temas de natureza atual e frequentes em especial, envolvendo o instituto falimentar e empresarial.

Partindo de uma perspectiva profissional a produção do artigo pode garantir uma base sólida de conhecimento a respeito da temática, sanando obscuridades, omissões ou dúvidas que advenham de quem esteja na busca por informações.

Quanto aos objetivos, a pesquisa é classificada como exploratória, uma vez que tentará dissecar o tema em prol dos objetivos listados. Em relação a seus procedimentos, abrange a natureza bibliográfica, recorrendo a teóricos e suas respectivas obras a respeito da temática.

E por fim, não inoportuno ressaltar, o vínculo particular dos autores com objeto de pesquisa também justifica a sua concretização.


2 NOÇÃO DO INSTITUTO FALIMENTAR E O INSTITUTO DAS EMPRESAS PÚBLICAS. 

Partindo do que dispõe Samyr Cruz, o instituto da falência tem como finalidade a realização da par “condicio creditorum”, ou seja, significa “fazer com que todos os credores fiquem em uma situação igual, de forma a que todos sejam satisfeitos proporcionalmente aos seus créditos” (CRUZ, 2004). Segundo essa linha de pensamento, um empresa falida gera prejuízo para todo o meio social econômico, causando um atraso à circulação de riquezas. Dessa forma, o instituto falimentar tem a função de proteger o crédito individual dos credores e todos os sujeitos direto e indiretamente prejudicados pela empresa falida, sendo que, é possível abranger a proteção do “crédito público, e assim, auxiliar e possibilitar o desenvolvimento e a proteção da economia nacional” (CRUZ, 2004). Ao citar Luiz Tzirulnik, ainda afirma que:

O instituto da falência vem funcionar como uma defesa para o comércio e, conseqüentemente, para o crédito, privando do comércio aquele que, não fazendo bom uso de suas prerrogativas creditícias, ferem os direitos de seus credores, inadimplindo obrigações assumidas quer através de contratos ou através de títulos de crédito retromencionados. (TZIRULNIK apud CRUZ, 2004).

Nesse sentido, entende-se que, sendo o instituto falimentar aplicável à empresa que prejudicar financeira e economicamente o mercado, poderia ser possível sua influência jurídica às sociedades de economia mista e empresas públicas. Segundo Wellington Magalhães, o tema pertinente em relação as sociedades de economia mista e empresas públicas estão previstas na própria Constituição, mais precisamente no Título III, do Capítulo VII, que trata da Organização do Estado e da Administração Pública (MAGALHÃES, 2013).

2.1-Conceito e características do instituto falimentar em relação aos conceitos técnicos e jurídicos das empresas estatais e de economia mista. 

Segundo a própria Constituição Federal de 1988, no inciso XIX do art. 37 da Carta Magna dispõe que somente por lei poderá ser criada autarquia e autorizada a instituição de empresa pública e de sociedade de economia mista. Ou seja, a Constituição prevê que apenas por lei específica e administrativa as empresas públicas e de economia mista poderão interferir nas relações jurídicas e sociais, inclusive nas relações econômicas (MAGALHÃES, 2013). Conceituando a interpretação do art. 173, §1°, da CF, Magalhães ainda afirma que:

Já o título VII e o Capitulo I da Constituição da República Federativa do Brasil, ao tratar respectivamente da Ordem Econômica[3] e Financeira e dos Princípios Gerais da Atividade Econômica, de forma precisa e objetiva estrutura o tema afeto às empresas públicas e às sociedades de economia mista.  O art. 173 dispõe que ressalvados os casos previstos na Constituição, a exploração direta de atividade econômica[4] pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo[5], remetendo à lei estabelecer o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços, a qual disporá sobre sua função social e formas de fiscalização pelo Estado e pela sociedade. (MAGALHÃES, 2013).

Para melhor fazer uma distinção entre empresa pública e sociedade de conomia mista, afirma MAGALHÃES (2013) que, empresas públicas “são pessoas jurídicas de Direito Privado, criadas pelo Poder Público após autorização legislativa específica, cujo capital é exclusivamente público, para a prestação de serviço público ou a realização de atividade econômica de relevante interesse coletivo”, ou seja, ela se iguala a iniciativa privada, pois pode se revestir de qualquer forma e organização empresarial. Bom enfatizar que a empresa pública é ter o seu capital exclusivamente público, sendo esta a diferença básica com a sociedade de economia mista, a qual permite a entrada de capital particular (MAGALHÃES, 2013). Já a sociedade de economia mista, conceitua MAGALHÃES que:

A sociedade de economia mista é uma pessoa jurídica de Direito Privado, com participação do Poder Público e de particulares em seu capital e na sua administração, para a realização de atividade econômica ou serviço público outorgado pelo Estado. Reveste a forma das empresas particulares, admite lucro e rege-se pelas normas societárias mercantis, com as adaptações impostas pelas leis que autorizarem sua criação e funcionamento. A expressão “economia mista” deve ser entendida, restritivamente, no sentido de conjugação de capitais públicos e privados para a consecução de fins de interesse coletivo. Sociedade de economia mista será toda aquela que contar com a participação ativa do Estado e do particular no seu capital ou na sua direção. O que define a sociedade de economia mista é a participação ativa do Poder Público na vida e realização da empresa. (MAGALHÃES, 2013).

Dessa forma, dá-se a entender que deve existir uma diferenciação entre empresas públicas direcionadas apenas a serviços de assistência pública e as empresas destinadas a interferir na economia para incidência do art. 173 da CF. De acordo com Felipe de Canto Zago, parte da doutrina entende que o instituto da falência não cabe às empresas públicas e de economia mista, pois interpretavam que o art. 173, da CF já as excluía, “qualquer que fosse seu ramo de atuação (exploração de atividade econômica ou prestação de serviço público), vez que do texto constitucional não se deduziria nenhuma diferenciação, sendo vedado ao intérprete fazê-lo” (ZAGO, 2010).


3 DA CONSTITUCIONALIDADE DO INSTITUTO FALIMENTAR. 

Após fazer uma explanação sobre os institutos da empresa pública e das sociedades de economia mista, cumpre, consequentemente, tecer comentários a respeito da polêmica jurídica que envolve a (im)possibilidade de aplicação do instituto falimentar a tais empresas. De acordo com REGO, considerando o disposto no artigo 173 e 175 da CF/88, ou seja, no dispositivo constitucional que regula a ordem economia e financeira, no sentido de estabelecer uma distinção entre empresas públicas destinadas à exploração de atividades econômicas em stricto senso e empresas estatais que apenas prestam serviços públicos, “tem-se como bastante duvidosa a constitucionalidade da regra que exclui do regime falimentar, sem qualquer ressalva, às sociedades de economia mista e as empresas públicas exploradoras de atividade econômica” (REGO, 2010, p. 11). Nesse sentido, afirma ainda REGO que:

Como se afirmou no início da exposição, a norma do artigo 2º, inciso I, da lei n.º 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, certamente fez voltar a atenção da doutrina e da jurisprudência para as sociedades de economia mista e para as empresas públicas, já que seu afastamento de falência, pelo menos no que se refere às empresas estatais exploradas de atividades econômica de produção e comercialização de bens ou prestação de serviços, desatende a um dos princípios em que se assenta a própria ordem econômica constitucional (artigo 170, IV) e parece não ser compatível com os ditames do artigo 173,§1º, II, da Constituição da República. (REGO, 2010, p. 12).

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Essa incompatibilidade com o disposto no art. 173, §1°, II, da CF, demonstra a possível inconstitucionalidade presente no artigo 2°, inciso I, da Lei de Falências. Isto, pois, não há menção alguma na Lei que especifique a proibição do instituto falimentar apenas às empresas prestadoras de serviços públicos, dando a entender que impede a influencia do instituto falimentar às empresas que interferem nas atividades econômicas do país, provando essa contrariedade com o texto constitucional. Dessa forma, conclui-se tal raciocínio citando Luz Roberto Barroso: “por força da supremacia constitucional, nenhum ato jurídico, nenhuma manifestação de vontade pode subsistir validamente se for incompatível com a Lei Fundamental” (BARROSO apud REGO, 2010, p. 13).

3.1-A inconstitucionalidade do art. 2°, inciso I, da Lei de falências. 

Nesse sentido, para maior parte da doutrina, o art. 2°, inciso I, da Lei de Falências, é inconstitucional, pois a forma como o art. 173, §1° fora interpretado equivocadamente. Segundo Maria E. S. Muniz e Marina de Castro, constata-se uma inconstitucionalidade do art. 2°, I, da Lei n. 11.101/95 em relação ao artigo 173, §1°, II, pois vai em desencontro com o que diz a Lei Maior, a qual, a partir do que dispõe a própria Constituição, seria ela a legislar os procedimentos administrativos referentes à intervenção do Estado na economia por meio do ordenamento infraconstitucional, e não o contrário. Além disso, impossibilitar, por meio de Lei infraconstitucional o instituto da falência às sociedades de economia mista e empresas públicas significa, ressaltando o aspecto inconstitucional do dispositivo jurídico, ferir o princípio da isonomia no tratamento das empresas públicas em confronto com a privadas (MUNIZ; CASTRO, 2007). Dessa forma, complementa as doutrinadoras:

Nota-se também, uma afronta ao princípio da isonomia a partir do momento em que a Constituição, no artigo supra mencionado, estabelece expressamente que as empresas públicas se sujeitarão ao regime jurídico próprio das empresas privadas e, uma lei infraconstitucional, qual seja, a Nova Lei de Falências, diverge da CF privilegiando, de certo modo, as empresas públicas, dando-lhes tratamento jurídico diferenciado. (MUNIZ; CASTRO, 2007).

Numa interpretação sistemática, segundo REGO, facilmente se constata essa desigualdade de tratamento entre empresas privadas, empresas públicas e de sociedade de economia mista, relacionando o que dispõe o art. 2°, inciso I, da Lei 11.101/05 em frente ao que se encontra presente no art. 173, §1º, II da CF/88. Este último mandamento, presente na CF, faz uma comparação, igualando as empresas públicas de natureza empresarial e de economia mista com as demais empresas privadas. Dessa forma, “vislumbra-se certa incoerência da Lei 11.101/05 quanto à possibilidade da falência para as empresas do âmbito privado e a não possibilidade da falência para as sociedades de economia mista e empresas públicas que explorem a atividade econômica stricto sensu” (REGO, 2010, p. 14). Concluindo seu raciocínio, REGO (2010), ao citar ANDRADE, com a interpretação sistemática entre o disposto na Constituição e na Lei 11.101/05, ocorre a superação da inconstitucionalidade do art. 2°, inciso I, da Lei discutida:

Se a inconstitucionalidade for evidente, deve prevalecer o princípio da vinculação constitucional directa das autoridades administrativas. Um suporte dogmático para a solução poderá ser constituído pela aplicação da teoria da evidência em matéria de invalidade, ligando a um vício de inconstitucionalidade desse tipo a conseqüência da nulidade-inexistência. Não haverá conflito, porque a lei, em rigor, não existe, não produz efeitos e não obriga a Administração. (ANDRADE apud REGO, 2010, 14-15).

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Sobre os autores
Alexander Barbosa F. dos Santos

Bacharel em direito pela Unidade de Ensino Superior Com Bosco (UNDB). Advogado licenciado. Assessor jurídico no Tribunal de Justiça do Maranhão.

Wenderson da Silva Martins

Aluno do 9º período, Vespertino, do Curso de Direito, da UNDB.

José Humberto Gomes de Oliveira

Professor, Esp. Orientador.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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