Da possibilidade constitucional de falência das empresas públicas e de economia mista.

A suposta inconstitucionalidade do art. 2°, i, da Lei de falências e aplicação de legislação específica aos institutos

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4 A POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DO INSTITUTO DA FALÊNCIA SEGUNDO A DOUTRINA E JURISPRUDÊNCIA.

Nesse sentido, Rego entende que, com a distinção entre empresas públicas destinadas à serviços públicos e empresas públicas que interferem na economia além, é claro, das sociedades de economia mista, mediante uma análise sistemática do artigo 2º, inciso I, da lei de Falências e do art. 173, §1º, I, da CF/88, pode-se entender que as empresas públicas empresariais e as sociedades de economia mista, em concorrência com o tratamento dado às empresas privadas, podem sofrer o processo de falência (REGO, 2010, p. 12-13).

Prosseguindo, REGO aduz que “a interpretação da questão falimentar das empresas estatais passa pela diferenciação na atuação das que prestam serviço público das que exploram atividades econômicas”. Complementa, ainda, o autor que:

A interpretação que parece mais aceitável seria que as estatais que prestam serviço público não praticam atividade econômica para fins constitucionais; todavia, aquelas que exploram atividade econômica não podem imaginar-se inseridas em um regime jurídico diverso de qualquer outra empresa privada. Isso, por si só, tornaria viável a falência das sociedades de economia mista e das empresas públicas que explorem atividade econômica forte no art. 173, §1º, II da CF. (REGO, 2010, p. 15).

E, ainda por cima, fazendo uma interpretação somente com base no art. 173, §1º, II, CF, constata-se, na doutrina de Hely Lopes Meirelles que:

A nova Lei de Falências (Lei 11.101, de 9.2.2005, que `regula a recuperação judicial, extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária’) dispõe expressamente, no art. 2º, I, que ela não se aplica às empresas públicas e sociedades de economia mista. Não obstante, a situação continuará a mesma. Tal dispositivo só incidirá sobre as empresas governamentais que prestem serviço público; as que exploram atividade econômica ficam sujeitas às mesmas regras do setor privado, nos termos do art. 173, §1º, II, da CF [...]. (MEIRELLES apud REGO, 2010, p. 13).

Todavia, entende Muniz e Castro que, o art. 173, “prevê que a exploração direta da atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo”, ou seja, será criada tal empresa quando houver motivos excepcionais que justifiquem a sua exploração econômica. Por conta disso, no “inciso II do § 1º da Constituição que versa sobre sujeição das empresas estatais ao regime jurídico próprio das empresas privadas” (MUNIZ; CASTRO, 2007):

Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei.

§ 1º A lei estabelecerá o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços, dispondo sobre:

[...] II - a sujeição ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários. (BRASIL 1988).

Passou a ser interpretado como aplicável apenas em casos excepcionais, ou seja, afirma-se que o Estado só criará legislação para administrar o estatuto das sociedades de economia mista e empresas públicas quando for necessário sua interferência na economia, havendo a segurança do próprio Estado nas relações de credores e devedores (MUNIZ; CASTRO, 2007).

Conclui-se então, segundo Zago, que, embora apenas em casos excepcionais possa haver a criação de empresas públicas e de economia mista que interfiram na economia, é possível entender que haja legislação que responsabilize, por meio do instituto falimentar, essas empresas estatais por qualquer prejuízo causado às empresas privadas e aos credores (ZAGO, 2010). Porém, para maior parte da jurisprudência, ainda não é possível a falência sobre tais empresas, contudo, já fora decidido no STJ a falência de empresa de economia mista, em que, a empresa subsidiária de regime privado ligada às funções sociais da sociedade de economia mista podia falir por meio de legislação específica (BRASIL, 2010). Segue então o julgado:

2. O acórdão embargado analisou a questão referente à natureza jurídica da Companhia Catarinense de Telecomunicações-COTESC – que passou a figurar como empresa subsidiária da TELEBRÁS, porém, com nova razão social: Telecomunicações de Santa Catarina-TELESC –, para fins de pagamento de contribuição ao PASEP ou ao PIS, tendo como premissa a existência de lei – no caso, a Lei Estadual 4.299/69 –, autorizando a sua criação como sociedade de economia mista estadual, através de escritura pública.

3. Já o aresto indicado como paradigma, examinando as particularidades do caso, concluiu que "subsidiária integral de sociedade de economia mista está sujeita ao regime falimentar, que só excluía as sociedades de economia controladoras criadas por lei" (BRASIL, 2010).


5 CONCLUSÃO

Perante uma grande discussão no âmbito da doutrina jurídica sobre o tema em questão, busca-se uma decisão pacífica sobre a possibilidade, ou não, da aplicação do instituto da falência às sociedades de economia mista e empresas públicas. A divergência doutrinaria gira em torno da própria Lei de Falências (quando esta afirma não caber às empresas públicas e de economia mista) em relação ao proposto na Constituição Federal, sendo presumida uma certa inconstitucionalidade da Lei infraconstitucional.

Nesse sentido, para parte da doutrina jurídica, a solução para não haver desigualdade no tratamento das empresas estatais que interferem na economia com as empresas privadas, seria por meio da melhor interpretação da CF/88, com a hipótese de criação de lei ou estatuto das sociedades de economia mista e empresas públicas para, só então, idealizar meios que possibilitem a aplicação, ou não, do instituto da falência à tais empresas.

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Partindo dessa ideia, as empresas públicas que exercem atividades econômicas e sociedades de economia mista, como estão dotadas de personalidade jurídica que se assemelha ás das empresas particulares, podem aperar como empresas privadas no campo econômico. Todavia, essa intervenção das empresas públicas no mercado, em concorrência com empresas privadas, já ocorre a muito tempo, beneficiando-se dessa prática sem receber quaisquer sanções ou consequências às quais estão sujeitas as empresas particulares, como é o caso do instituto falimentar.

Dessa forma, a possível inconstitucionalidade do art. 2°, inciso I, da Lei de Falências, necessariamente, deve ser analisado e questionado, pois não há qualquer menção à diferenciação entre empresas públicas que exercem a prestação de serviços públicos das que exercem atividades econômicas stricto sensu, proporcionando uma contrariedade com o disposto nos artigos 173 e 175 da CF. Seguindo essa diferenciação, deve-se entender que não se aplica as mesmas regras às sociedades de economia mista e empresas públicas destinadas a serviços público o mesmo tratamento dado às empresas públicas que interferem na economia, pois estas últimas se sujeitariam ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive no âmbito do Direito Comercial, a teor do art. 173, da CF, no qual se insere a Lei de Falências.

Nesse sentido, conclui-se que as empresas públicas que exercem atividades econômicas stricto sensu e as sociedades de economia mista, devem ser regidas por leis específicas, de acordo com o art. 173, § 1°, da CF, que às diferencie das empresas estatais que prestam serviço público, promovendo-lhes um estatuto que dê o mesmo tratamento das empresas privadas. Dessa forma, a inconstitucionalidade do art. 2°, I, da Lei de Falências será superada, e o instituto falimentar terá efeito sobre as sociedade de economia mista e epresas públicas que exercerem atividades econômicas stricto senso.


Referências

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, Senado, 1998.

BRASIL. STJ. EREsp 642324 – (2006/0258515-6), Rel. Min. Castro Meira, Dje de 12/05/2010. Brasília, DF. Disponível em http://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/9208173/eresp-642324> acesso em: 10 de set. 2015.

CRUZ, Samyr. Falência: conceitos, finalidades, natureza jurídica e fases do processo falimentar comum. Direito Net, 2004. Disponível em: <http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/1542/Falencia-conceitos-finalidades-natureza-juridica-e-fases-do-processo-falimentar-comum> acesso em: 10 set. 2015.

MAGALHãES, Wellington. Empresas Públicas e Sociedades de Economia Mista. Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 05 set. 2013. Disponivel em: <http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.45026&seo=1>. Acesso em: 10 set. 2015.

MUNIZ; CASTRO, Maria Emília Sousa. A (IM)POSSIBILIDADE DA FALÊNCIA DAS EMPRESAS PÚBLICAS. Disponível em: <http://www.viajus.com.br/viajus.php?pagina=artigos&id=2173&idAreaSel=12&seeArt=yes> acesso em: 09 set. 2015.

REGO, Felipe do Canto Zago. A falência das empresas públicas e das sociedades de economia mista. Disponível em: <http://mrz.adv.br/adm/app/fotos/file_53ad672b3f21c.pdf> acesso em: 01 de nov. 2015.

ZAGO, Felipe do Canto. A falência das empresas públicas e das sociedades de economia mista. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 15, n. 2720, 12 dez. 2010. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/18021>. Acesso em: 13 set. 2015.

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Sobre os autores
Alexander Barbosa F. dos Santos

Bacharel em direito pela Unidade de Ensino Superior Com Bosco (UNDB). Advogado licenciado. Assessor jurídico no Tribunal de Justiça do Maranhão.

Wenderson da Silva Martins

Aluno do 9º período, Vespertino, do Curso de Direito, da UNDB.

José Humberto Gomes de Oliveira

Professor, Esp. Orientador.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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