A estipulação do valor dos honorários advocatícios contratuais é assunto delicado, pois interessa não apenas ao advogado contratado e beneficiário da prestação pecuniária, mas, igualmente, ao jurisdicionado que, por estar obrigado a contratar profissional habilitado para representá-lo em juízo, deverá dispender a quantia avençada.
De início, esclarece-se que, conforme nos ensinam os civilistas Nelson Rosenvald e Cristiano Chaves, “Não há prestação de serviços gratuita – que se aproximaria de uma servidão humana, lembrando tempos não saudosos da escravidão. A onerosidade, pois, é da essência deste contrato, não se presumindo, em nenhuma hipótese, a gratuidade”. Tal regra, por óbvio, é observada para os contratos de prestação de serviços advocatícios, cujo preço – ou contraprestação – é cultural e usualmente denominado de honorários advocatícios.
Ademais, entende-se historicamente que o advogado possui uma obrigação de meio, pois este “ao aceitar o patrocínio de uma causa não se compromete a ganhá-la, nem a absolver o acusado. A obrigação é defendê-lo com o máximo de atenção, diligência e técnica, sem qualquer responsabilidade pelo sucesso ou insucesso da causa” (CAVALIERI FILHO, 2014). O termo “responsabilidade”, aqui, é empregado em seu sentido jurídico (como dever jurídico), sendo inegável a influência exercida pelo advogado para o sucesso ou insucesso da demanda.
Lado outro, a estipulação dos honorários contratuais interessa, também, à Ordem dos Advogados do Brasil – OAB, órgão representativo de classe, que busca promover a valorização da advocacia e prevê, no artigo 41 de seu Código de Ética e Disciplina, que “O advogado deve evitar o aviltamento de valores dos serviços profissionais, não os fixando de forma irrisória ou inferior ao mínimo fixado pela Tabela de Honorários, salvo motivo plenamente justificável”.
É, portanto, através dos honorários advocatícios, a serem estipulados no contrato firmado com o cliente, que o advogado irá obter a remuneração pelos serviços por ele prestados. A estipulação dos honorários que, como o valor de qualquer serviço, está sujeita às leis econômicas e ao mercado, deve se dar com moderação e nos limites da ética e da boa-fé, encontrando na Tabela de Honorários da OAB um patamar mínimo sugerido.
Tais fatos, por si sós, já evidenciam certa incoerência na estipulação de Taxas de Acompanhamento Processual – quando tiverem natureza remuneratória e não indenizatória e acompanhada da necessária prestação de contas –, ou qualquer designação que o valha, tendo em vista que o acompanhamento processual, por parte do advogado contratado, condiz com o estrito cumprimento de sua obrigação de meio. Acompanhar o processo que patrocina é decorrência lógica do contrato que vincula o advogado e tarefa inerente ao seu dever de diligência e atenção na defesa do cliente.
Dessarte, estipular taxa equivalente implica em verdadeira majoração dos honorários contratualmente avençados, ainda que de forma dissimulada e disfarçada. O Tribunal de Ética e Disciplina da OAB/SP já foi instado a se manifestar sobre a referida cláusula, tendo defendido a sua impossibilidade. Veja-se:
“HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS – TAXA DE MANUTENÇÃO DE PROCESSO – IMPOSSIBILIDADE. A chamada “taxa de manutenção de processo” ou denominação equivalente perseguida na presente consulta, visando auxiliar nas despesas do escritório, bem como no acompanhamento processual, serviços de comunicação, realização de reuniões, locomoção em geral, contratação de correspondentes, acompanhamento em audiências, extração de cópias, dentre outros, encontra óbice no entendimento de que referidos atos e despesas devam ser previstos no contrato de honorários (Inteligência do artigo 35 e seu § 3º, do CED). Como se depreende da norma, os atos e serviços geradores de despesas apontados pelo consulente devem ser previstos no contrato de honorários, não competindo ainda ao cliente subvencionar nem manter a estrutura administrativa e burocrática do escritório do advogado. Cabe a ele pagar os honorários contratados e reembolsar os encargos gerais e despesas com a condução do processo, desde que previstas e efetivamente despendidas, com detalhada prestação de contas, se o assim o exigir. Não há, porém impedimento para que referidas despesas, se previstas em contrato, sejam cobradas adiantadamente, inclusive com pagamento mensal, desde que objeto de prestação de contas. Precedentes – Proc. E-3.734/2009 e E-3.919/2010. Proc. E-4.410/2014 - v.u., em 21/08/2014, do parecer e ementa do Rel. Dr. GUILHERME FLORINDO FIGUEIREDO – Rev. Dr. FÁBIO TEIXEIRA OZI – Presidente em exercício Dr. CLÁUDIO FELIPPE ZALAF.”
A referida ementa suscita uma imprescindível distinção entre os honorários advocatícios e os encargos e despesas gerados pela condução dos processos. Os primeiros correspondem à remuneração do advogado contratado e toda a estrutura administrativa de que este se vale para a prestação dos serviços contratualmente previstos. Os encargos e despesas, por outro lado, são os gastos decorrentes e necessários ao próprio serviço, como custas processuais e cartorárias, emolumentos, fotocópias, gastos específicos com transporte, dentre outros, que devem ser reembolsados pelo contratante.
Assim, diferem-se as duas cláusulas, pois os honorários visam remunerar os serviços do advogado, enquanto os reembolsos visam ressarcir o contratado pelas despesas exigidas pelos mesmos serviços. Quanto a esta última, importante que haja expressa previsão contratual e que a cobrança seja acompanhada de detalhada e idônea prestação de contas.
Diante disso, não há impedimento, a priori, para que seja estipulada uma taxa de acompanhamento processual, desde que esta corresponda a um adiantamento pelas despesas inerentes aos serviços objeto do contrato. Ora, se os processos judiciais têm custos – e eles os têm – nada mais justo que o próprio cliente arque com eles.
Nesse caso, serviria a referida taxa como uma antecipação de tais despesas e encargos, evitando que o próprio escritório de advocacia tenha que modificar sua estrutura administrativa e financeira, pois acabaria sendo exigido do contratado um maior capital de giro para antecipar tais despesas e conduzir adequadamente os processos. Aqui, mais do que nunca, mostra-se imprescindível uma detalhada prestação de contas, bem como a estipulação prévia de formas de compensação caso haja saldo devedor ou credor para alguma das partes contratantes.
Não bastasse isso, ainda que se considere que uma cláusula análoga à taxa de acompanhamento processual não sirva ao reembolso das despesas e encargos gerais do processo, mas ao pagamento pela utilização da estrutura do escritório de advocacia contratado, a mesma não deixa de ser absolutamente inconveniente, para não dizer antiética ou ilegal.
Como já dito, o acompanhamento processual é tarefa inerente ao objeto contratual que vincula o advogado ao seu cliente. Cobrar por isso, além dos honorários advocatícios convencionados, mostra-se extremamente questionável do ponto de vista ético. No entanto, quando observamos, na prática, o funcionamento da referida cláusula, fica claro que ela, quase que invariavelmente, acaba desvirtuando e desequilibrando o contrato e a prestação de serviços.
A uma, porque acompanhar o processo e conduzi-lo com diligência e atenção é uma obrigação fundamental e inerente ao exercício da advocacia.
A duas, porque o cliente literalmente passa a sustentar a estrutura administrativa do escritório de advocacia, que não possui interesse – ou incentivos econômicos – para encerrar o processo e conduzi-lo com maior agilidade. Tal situação pode, especialmente nos casos em que a contratação se dá para o ajuizamento de ações, criar evidente conflito de interesses, pois o cliente, em regra, objetivará o bem jurídico pretendido da forma mais célere possível, enquanto o contratado se beneficiará com o prolongamento da demanda.
A três, porque, a depender do valor econômico envolvido, e considerando a pública e notória morosidade do Poder Judiciário, ao longo da prestação dos serviços – que perdurará por longos anos – o cliente poderá pagar, somente a título de taxa de acompanhamento, mais do que pleiteia judicialmente e, não raro, somando-se aos honorários contratuais pagos, poderá ter verdadeiro prejuízo com a demanda, ainda que obtenha êxito.
Dessa forma, ainda que a referida cláusula, analisada abstratamente, não possua nenhuma ilegalidade evidente, sua eticidade é, como visto, bastante duvidosa. Contudo, quando analisada concretamente, o que se observa é uma tendência ao desequilíbrio contratual, em virtude da majoração dos honorários contratual, ainda que de modo disfarçado, o que no contexto atual é deveras significativo, considerando-se o tempo médio de tramitação dos processos.
Com isso, quando determinado contrato, durante sua execução prolongada no tempo, mostra-se desproporcional, em razão da cobrança da taxa de acompanhamento em voga, a violação ética deixa de existir somente no campo das ideias e exterioriza-se no mundo real. Dessarte, na hipótese de o advogado receber valores superiores aos obtidos por seu cliente, poderá caracterizar-se uma cobrança abusiva de honorários advocatícios, o que além de violação ao seu dever ético por vezes gera um enriquecimento ilícito da sua parte.
Sob o ponto de vista das infrações administrativas, tal fato pode ser enquadrado nos incisos XX e XXV, do art. 34, do Estatuto da Advocacia e da OAB (Lei nº 8.906/94), que define como infração disciplinar “locupletar-se, por qualquer forma, à custa do cliente” e “manter conduta incompatível com a advocacia”; bem como evidencia violação ao art. 38, do Código de Ética e Disciplina, que estabelece que os honorários devidos ao advogado “não podem ser superiores às vantagens advindas em favor do constituinte ou do cliente”.
O brilhante advogado paranaense, José Carlos Cal Garcia Filho, em comentário ao art. 34, inciso XX, do Estatuto da Advocacia, cita decisão do Conselho Federal da OAB sobre o tema e esclarece que:
“O tipo previsto no inciso XX do artigo 34 pune o enriquecimento ilícito do advogado às custas do cliente. Obviamente, trata-se de indevido enriquecimento, incompatível com a natureza da prestação de serviços profissionais contratada.
(...)
O enriquecimento ilícito pode ocorrer através da cobrança e o recebimento indevido de honorários. Seja porque os valores não foram contratados, seja em virtude de contratação abusiva ou desproporcional ao objeto da prestação de serviços. Conforme Conselho Federal:
“Recurso 0004/2005/OEP. Origem: Conselho Seccional da OAB/São Paulo, Processo 6693/99, 13.12.1999. Processo nº SC 1573/2002 de 21.03..2002. Conselho Federal da OAB, Recurso 0332/2004/SCA. Assunto: Recurso contra decisão da Egrégia Segunda Câmara. Recorrente: J. A. L. (adv.: Guilherme Loria Leoni OAB/SP 166992). Recorrido: Conselho Seccional da OAB/São Paulo e Antonio Carlos Zubi Penteado. Relator: Conselheiro Federal Ímero Devens (ES). Vista: Conselheiro Sergio Ferraz (AC). Ementa 43/2005/OEP: Honorários Advocatício contratados em 30% sobre o valor bruto do êxito para patrocinar Reclamatória, pelo empregado, perante a Justiça Trabalhista. Ação extinta por acordo celebrado entre partes. Cobrança, ainda, de honorários sucumbenciais, afora descontar reembolso de despesas. Quantias que somadas ultrapassam o valor recebido pela parte. Cobrança abusiva de honorários. Violação ao art. 34, item XIX, do Estatuto da Advocacia da OAB, c/c o art. 38, do Código de Ética. Recurso conhecido, mas improvido, para manter o julgado da douta 2ª Câmara deste Conselho Federal. Acórdão: Vistos, relatados e discutidos os presentes autos, acordam os membros integrantes do Órgão Especial do Conselho Pleno do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, por maioria, vencida a divergência do Representante da OAB/Santa Catarina, em acolher o voto do Relator, aderido pelo Conselheiro Sergio Ferraz (AC), parte integrante deste, no sentido de conhecer do recurso mas negar-lhe provimento, mantendo a decisão da 2ª Câmara. Brasília, 07 de novembro de 2005. Aristoteles Atheniense, Presidente. Ímero Devens, Conselheiro Federal Relator. (DJ, 14.12.2005, p. 377, S 1)”
Ademais, demonstrando a possibilidade de que uma mesma conduta possa se enquadrar em mais de uma infração disciplinar, o Conselho Federal entendeu que o advogado que obtém vantagem superior à de seu cliente com a demanda, enriquece-se indevidamente e mantem conduta incompatível com a advocacia, pois viola diversos deveres e princípios previstos no Código de Ética e Disciplina, no Estatuto da Advocacia, no Regulamento Geral, dentre outras fontes normativas. Veja-se:
CONDUTA INCOMPATÍVEL – PRESTAÇÃO DE CONTAS – NECESSIDADE – HONORÁRIOS “QUOTA LITIS” - VANTAGEM SUPERIOR À DO CLIENTE – MODERAÇÃO – PREJUDICAR INTERESSE CONFIADO A PATROCÍNIO – CULPA GRAVE – RECEBER VALORES DA PARTE CONTRÁRIA – AUTORIZAÇÃO DO CLIENTE – NECESSIDADE – LOCUPLETAMENTO ILÍCITO – CONDUTA INCOMPATÍVEL COM A ADVOCACIA – SUSPENSÃO – PRORROGÁVEL ATÉ EFETIVA PRESTAÇÃO DE CONTAS – REINCIDÊNCIA – MULTA – SUSPENSÃO POR TRÊS VEZES – TRÂNSITO EM JULGADO – REPRESENTAÇÃO EX-OFFÍCIO. QUANDO O ADVOGADO TRANSACIONA À REVELIA DO CLIENTE, EM FEITO SOB SUA RESPONSABILIDADE (INCISO IX, ART. 34. LEI 8906/94), RECEBE VALORES E RETÉM CONSIGO A TOTALIDADE DO RECEBIDO, SOB ALEGAÇÃO DE CRÉDITO DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS CONTRATADOS SEM MODERAÇÃO E DA PRÓPRIA AÇÃO, QUE ABSORVE TODO O RESULTADO DA CAUSA (ART. 38, CED C/C INCISO XX, ART. 34, LEI Nº 8.906/94), TUDO EM DETRIMENTO DO DIREITO DO CLIENTE (ART. 34, INCISO XIX, LEI Nº 8.906/94), NEGANDOSE A PRESTAR CONTAS, DIZENDO QUE “POR TER PROCURAÇÃO” PODE TUDO E NÃO DEVE SATISFAÇÕES AO CLIENTE (ART. 34, INCISO XXI, LEI Nº 8.906/94), PRATICA ATO A DENUNCIAR CONDUTA INCOMPATÍVEL COM A ADVOCACIA (ART. 1º, CED C/C ART. 34, INCISO XXV, LEI Nº 8.906/94), POIS FERE NORMAS DO CED, DO ESTATUTO DA ADVOCACIA, DO REGULAMENTO GERAL E TAMBÉM DOS PROVIMENTOS, ALÉM DE PRINCÍPIOS DA MORAL INDIVIDUAL, SOCIAL E PROFISSIONAL, COMO DEDUZ O ART. 1º DO CED, SENDO DE LHE SER APLICADA PENA DE SUSPENSÃO PELO PRAZO DE 06 (SEIS) MESES, COMO PERMITE O ART. 37, INCISO I, PARÁGRAFO 1º, DA LEI 8.906/94, SUSPENSÃO PERDURÁVEL ATÉ EFETIVA PRESTAÇÃO OBRIGATÓRIA DE CONTAS, CONFORME DETERMINA O ART. 37, PARÁGRAFO 2º, DA LEI Nº 8.906/94. HAVENDO REITERADA REINCIDÊNCIA É DE SE VER APLICADA CUMULATIVAMENTE A PENA DE MULTA EM 04 (QUATRO) ANUIDADES E, AINDA, EM SE VENDO O TRÂNSITO EM JULGADO DA PENALIDADE AQUI APLICADA, RECOMENDA-SE PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO DE REPRESENTAÇÃO EX-OFFICIO, PARA VERIFICAR EVENTUAL HIPÓTESE DE INCIDÊNCIA DO ART. 38, INCISO I, DA LEI Nº 8.906/94. POR UNANIMIDADE DE VOTOS DA 7ª TURMA DO TED/OAB/PR, FOI COMINADA A PENA ACIMA DESCRITA AO REPRESENTADO. Relator 14329 - PEDRO PAVONI NETO, Julgamento 16/04/2010, SEGUNDA TURMA, Decisão UNÂNIME”
Noutro giro, cláusula que prevê uma taxa de acompanhamento processual acaba por gerar um desequilíbrio contratual e uma desproporção na prestação de serviços, o que ultrapassa as questões éticas da advocacia e suscita discussões sobre a própria legalidade e validade da referida disposição contratual.
Afinal, não é crível que alguém concorde em dispender, com o causídico contratado, quantia superior à que fará jus ao final da demanda, mesmo se bem sucedido. Há, na hipótese, um clarividente desequilíbrio econômico do contrato a ensejar, a depender do caso, sua invalidação, resolução ou revisão, ou mesmo a reparação por perdas e danos.
Nesse diapasão, se a desproporção nas prestações fica evidente quando a taxa de manutenção processual se prolonga no tempo, a onerosidade excessiva resta igualmente evidenciada. Assim, poderá a cláusula ou, eventualmente, o próprio contrato, ser (i) anulado, pela caracterização da lesão (art. 157, do CC/2002), quando constatada a inexperiência do contratante; (ii) revisto, pela quebra na base objetiva do negócio jurídico (art. 317, do CC/2002 e art. 6º, V, do CDC); ou (iii) resolvido, pela onerosidade excessiva, caso não possa ser modificado ou revisto (art. 478, do CC/2002).
Outrossim, sabe-se que a boa-fé objetiva, mais do que um princípio basilar e norteador de nosso ordenamento jurídico, atua e influencia no direito contratual de diversas formas, exercendo (i) função integrativa, como fonte de obrigações acessórias (art. 422, do CC/2002); (ii) função interpretativa, como verdadeiro critério e paradigma interpretativo das disposições contratuais (art. 113, do CC/2002); e (iii) função limitativa, como mecanismo de controle do exercício dos direitos dos contratantes, com o fito de evitar abusos de direito (art. 187, do CC/2002).
O referido princípio, que deve ser respeitado em todas as fases do contato, exige das partes o cumprimento e respeito a verdadeiro dever de conduta, consubstanciado nos deveres de lealdade, de informação, de proteção, etc.
Todavia, não nos parece que o advogado que obtém vantagem superior à de seu cliente, com o contrato e com a demanda judicial, por tudo o que fora dito alhures, tenha agido de acordo com a boa-fé que se espera e se exige de todo e qualquer contratante. Como já elucidado, fere o bom senso que o cliente obtenha vantagem inferior à de seu patrono ou, em alguns casos, que todo o benefício obtido seja consumido pelo pagamento da verba honorária. Há precedentes do STJ nesse sentido. Veja-se:
“Direito civil e processual civil. Contratos. Recurso especial. Embargos do devedor. Execução de honorários advocatícios contratuais. Acordo em ação de reconhecimento e dissolução de sociedade de fato com previsão de sub-rogação do ex-companheiro nas obrigações contratuais, inclusive de pagar honorários. Incidência sobre condenação a pagamento de “renda vitalícia”. “Cláusula de sucesso”. Limitação. Boa fé objetiva.
(...)
- A boa fé objetiva, verdadeira regra de conduta, estabelecida no art. 422 do CC/02, reveste-se da função criadora de deveres laterais ou acessórios, como o de informar e o de cooperar, para que a relação não seja fonte de prejuízo ou decepção para uma das partes, e, por conseguinte, integra o contrato naquilo em que for omisso, em decorrência de um imperativo de eticidade, no sentido de evitar o uso de subterfúgios ou intenções diversas daquelas expressas no instrumento formalizado.
- A pretensão do advogado que postula honorários contratuais em valores superiores ao proveito econômico imediato auferido pela parte que representou em Juízo, encontra limitação no princípio da boa fé objetiva, mostrando-se patente o rompimento da atuação ponderada e preocupada com a outra parte, marcada pela postura respeitosa e povoada de lealdade que deve nortear os contratantes.
(...)
Recurso especial parcialmente provido.
(REsp 830.526/RJ, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 03/09/2009, DJe 29/10/2009)”
Ressalte-se que se a interpretação vale para a fixação dos honorários contratuais, com mais razão também se aplica à cláusula que estipula uma taxa de acompanhamento processual, mormente quando esta visa, em última análise, remunerar o advogado e sua estrutura e não reembolsá-lo pelos gastos decorrentes da condução dos processos, estes, sim, a cargo do cliente.
Destaca-se, então, que a referida taxa, ao gerar o mencionado desequilíbrio contratual, pode ser questionada tanto sob o aspecto ético, gerando discussões administrativas junto à entidade de classe, quanto sob a ótica legal, abrindo margem para discussões a respeito da validade da cláusula ou do próprio contrato. Consequentemente, há um risco de que o advogado contratado venha a ser civilmente responsabilizado, em virtude dos prejuízos causados ao cliente, caso se constate que o desequilíbrio contratual, gerado pela taxa de acompanhamento processual, propicie ao causídico um enriquecimento indevido, decorrente de uma cláusula contratual inválida.
É imperioso ressalvar, já concluindo, que não se pretende, com o presente, criminalizar ou censurar formas alternativas de ajustamento e pagamento dos honorários advocatícios contratuais, cuja estipulação cabe livremente às partes, sendo extremamente válidas conformações menos usuais e mais criativas. De igual modo, não se deve confundir a estipulação de uma taxa de acompanhamento processual com a convenção dos honorários pagos mensalmente, enquanto perdurar a ação.
Obviamente, tais argumentos e questionamentos são válidos especialmente para os contratos cujo objeto apresente demandas de perceptível conteúdo econômico, mas os princípios suscitados, de modo geral, valem para todos os casos.
O fato é que o contrato não pode prescindir de um ajustamento claro da remuneração pelos serviços advocatícios contratados – que, como dito, não se confundem com os custos e encargos inerentes ao processo e outros serviços –, que, apesar de serem de livre estipulação, devem respeitar os limites da ética, da lei e da boa-fé. Os contratos podem gerar interesses contrários e divergentes, mas nunca interesses conflitantes e incompatíveis, sob pena de sua autodestruição.