Capa da publicação A nova lei autoriza realmente terceirização de toda atividade-fim?
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A lei da terceirização é exemplo de legislação simbólica?

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19/04/2017 às 12:38
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3. A LEI Nº 13.429/2017 AUTORIZA A TERCEIRIZAÇÃO AMPLA?

Feitas ligeiras considerações conceituais quanto à terceirização trabalhista, sem qualquer pretensão de exaurir o complexo assunto, passa-se à análise da nova lei, com foco nos tópicos que interessam mais diretamente ao tema do presente artigo.

De início, esclareça-se que por terceirização "ampla" ou "irrestrita" entende-se aquela que alcança até mesmo as atividades-fim das empresas.

Os dispositivos trazidos pela Lei nº 13.429/2017 trazem requisitos para terceirização de serviços, sendo possível afirmar, de antemão, que a prática não pode ser considerada literalmente "irrestrita", no sentido de não haver balizas para seu regular desenvolvimento. O cerne do presente estudo, porém, é a amplitude de um dos requisitos legais do contrato de terceirização de serviços: seu objeto. Assim, tem-se por intermediação irrestrita aquela que aceita objeto mais amplo, englobando atividades-meio e atividades-fim.

Passando para a análise do texto legal, o primeiro ponto digno de nota é que sua ementa esclarece o duplo objeto da lei, reforçando a ideia de que há distinção entre as matérias (contrato de trabalho temporário e contrato de terceirização de serviços).

Conforme a rubrica, vê-se que a Lei nº 13.429/2017 “altera dispositivos da Lei nº 6.019, de 3 de janeiro de 1974, que dispõe sobre  o  trabalho  temporário  nas empresas urbanas e dá outras providências; e  dispõe  sobre  as relações  de  trabalho  na  empresa  de prestação de serviços a terceiros”[9].

Portanto, o novo instrumento legal cuida: a) de inovações em relação ao trabalho temporário, ainda regulado pela Lei nº 6.019/74, que foi alterada; b) da regulação inaugural da terceirização de serviços (“relações de trabalho na empresa de prestação de serviços a terceiros”), vez que a matéria ainda não havia sido objeto de lei.

A distinção é robustecida pela nova redação do art. 1º da Lei nº 6.019/1974, trazida pela Lei nº 13.429/2017, que distingue as “relações de trabalho na empresa de trabalho temporário” das relações “na empresa de prestação de serviço”, determinando que a lei se aplica a ambos os contextos laborais.

A alteração permite dizer que a Lei nº 6.019/74, antes conhecida como "Lei do Trabalho Temporário", agora poderia ser melhor denominada "Lei do Trabalho Temporário e da Terceirização de Serviços".

A atual redação do art. 2º do diploma legal conceitua o trabalho temporário, destacando: a) a trilateralidade da relação, de modo mais claro e preciso, ao exigir a existência de pessoa física (trabalhador), empresa de trabalho temporário e empresa tomadora (art. 2º, caput); b) o objeto do contrato, que é "atender à necessidade de substituição transitória de pessoal permanente ou à demanda complementar de serviços" (art. 2º, caput); c) o alcance da expressão "demanda complementar" (art. 2º, §2º). Além disso, passa a trazer a proibição quanto à substituição de grevistas (art. 2º, §3º).

O teor é complementado pelas novas redações dos art. 4º e 5º, que conceituam "empresa de trabalho temporário" e "empresa tomadora de serviços", frisando a natureza temporária da disposição de mão de obra pela primeira e a necessidade de celebração de um contrato de prestação de trabalho temporário.

A nova redação do art. 9º da agora Lei do Trabalho Temporário e da Terceirização de Serviços traz o primeiro ponto de destaque, ao prever, em seu parágrafo 3º, que "o contrato de trabalho temporário pode versar sobre o desenvolvimento de atividades-meio e atividades-fim a serem executadas na empresa tomadora de serviços"[10].

O dispositivo prevê, expressamente, a permissão para substituir trabalhadores que atuam na atividade-fim da empresa por trabalhadores temporários, desde que, obviamente, a substituição ocorra por período determinado, para atender à necessidade de substituição transitória de pessoal permanente ou à demanda complementar de serviços.

A regra não traz grande novidade, considerando que, no âmbito do trabalho temporário, a contratação envolvendo atividade-fim sempre foi aceita por parcela majoritária da doutrina.

Transcreve-se, nesse sentido, o escólio de Gustavo Filipe Barbosa Garcia:

"Efetivamente, se a prestação de serviços pode ocorrer para atender à necessidade transitória de substituição de pessoal regular e permanente ou a acréscimo extraordinário de serviços da empresa cliente (Lei 6.019/1974, art. 2.º), é natural que isso ocorra em qualquer atividade (meio ou fim) da tomadora. Isso explica a ressalva feita no inciso I, in fine, da Súmula 331 do TST"[11].

A virtude do novo dispositivo foi conferir maior segurança jurídica à prática, afastando definitivamente entendimentos contrários.

Formou-se, porém, viva discussão em torno da regra, em razão de sua suposta aplicabilidade também à terceirização de serviços, e não apenas ao contrato de trabalho temporário.

A polêmica é fomentada pela ambiguidade da expressão "serviços determinados e específicos", utilizados pelo texto legal quando trata especificamente do tema da terceirização de serviços no art. 4º-A, acrescido à Lei nº 6.019/1974 pela Lei nº 13.429/2017:

“Art. 4º-A Empresa prestadora de serviços a terceiros é a pessoa jurídica de direito privado destinada a prestar à contratante serviços determinados e específicos.

§ 1º A empresa prestadora de serviços contrata, remunera e dirige o trabalho realizado por seus trabalhadores, ou subcontrata outras empresas para realização desses serviços.

§ 2º Não se configura vínculo empregatício entre os trabalhadores, ou sócios das empresas prestadoras de serviços, qualquer que seja o seu ramo, e a empresa contratante”[12].

Como se percebe, quando resolveu tratar da terceirização de serviços, em artigo distinto daquele dedicado à regulação do trabalho temporário, a lei não reproduziu a autorização para terceirização da atividade-fim, afirmando apenas que os serviços fornecidos pela empresa prestadora deve envolver "serviços determinados e específicos".

Diante das regras destacadas, surgiram, pelo menos, duas correntes quanto à possibilidade de terceirização de serviços na atividade-fim das empresas.

A primeira, amplamente disseminada nos meios midiáticos, posiciona-se favoravelmente (pela possibilidade) e pode se sustentar nos seguintes argumentos:

a) Interpretação histórica e teleológica: Segundo tal linha argumentativa, a aprovação da lei teve por propósito justamente a ampliação das hipóteses de terceirização lícita, sendo esta sua finalidade. Os legisladores, sob a justificativa de dinamizar a economia e possibilitar sua recuperação em tempos de crise, aprovaram a lei com o intuito de possibilitar a terceirização de serviços na atividades essenciais das empresas, de modo que o real alcance do dispositivo, sendo ambíguo, pode ser alcançada por meio da análise dos debates ocorridos no processo legislativo, notadamente aqueles recentes, ocorridos após o projeto de lei de 1998 ter sido "retirado da gaveta".

b) Aplicabilidade do atual art. 9º, §3º da Lei 6.019/74 às hipóteses de terceirização de serviços: O argumento funda-se na ideia de que o dispositivo que autoriza a intermediação da atividade-fim se aplica a toda e qualquer hipótese de terceirização. Aqui, o texto normativo não teria acolhido, pois, a distinção entre a terceirização e o trabalho temporário.

c) Interpretação ampliativa do caput do art. 4º-A da Lei 6.019/74: Para os adeptos da primeira corrente, se o artigo não restringiu a terceirização de serviços à atividade-fim das empresas, não caberia ao intérprete fazê-lo, de modo que "serviços determinados e específicos" poderiam ser relacionados tanto à "atividade-fim" quanto à "atividade-meio" da tomadora. Aplica-se, deste modo, a regra de interpretação espelhada no brocardo jurídico ubi Lex non distinguit nec nos distinguere devemus.

d) Teor do §2º do art. 4º-A da Lei 6.019/74: Ao estabelecer que não se forma o vínculo empregatício entre a tomadora e o trabalhador ou sócio da prestadora de serviços, "qualquer que seja o seu ramo", a dispositivo estaria autorizando a terceirização da atividade-fim, consagrando regra oposta à da Súmula 331 do TST.

O segundo entendimento nega a possibilidade de terceirização da atividade-fim e vem revelando força entre juristas e operadores do direito do trabalho. Alguns dos argumentos alinhavados, em síntese, são:

a) Interpretação lógico-sistemática da Lei 6.019/74: A partir da Lei 13.429/2017, o diploma de 1974 passa a cuidar de dois institutos diferentes: o trabalho temporário e a terceirização de serviços. As regras aplicáveis a um não se estendem automaticamente ao outro, a não ser que haja expressa previsão, o que não ocorre em relação ao art. 9º, §3º, que autoriza a contratação de temporários na atividade-fim da tomadora apenas no caso do trabalho temporário.

b) Silêncio eloquente do legislador: Quando pretendeu autorizar a subcontratação de trabalhadores que atuam em atividades inerentes ao empreendimento, a lei foi expressa. A omissão da autorização no art. 4º-A foi proposital, com o objetivo de afastar sua possibilidade, configurando hipótese de silêncio eloquente.

c) Interpretação restritiva do caput do art. 4º-A da Lei 6.019/74: A triangulação da relação trabalhista é caso excepcional, pois a regra é a inexistência de intermediários entre empregado e empregador. Além disso, a terceirização minora direitos fundamentais dos trabalhadores. Diante desta realidade, deve ser interpretada restritivamente.

d) A ideia de "atividade-fim" não está contida na expressão "serviços determinados e específicos": Quando o novo art. 4º-A da Lei 6.019/74 se refere a serviços determinados e específicos, apenas esclarece que o contrato de terceirização de serviços deve indicar de modo preciso qual atividade-meio será objeto da pactuação. Não traz, pois, a autorização para exteriorização de atividades inerentes à empresa.

e) A expressão "qualquer ramo" não se refere à essencialidade da atividade no contexto de uma empresa, mas à atuação da própria empresa em diferentes ramos da economia: O art. 4º-A, §2 da Lei 6.019/74 informa, tão somente, que a empresa prestadora de serviços pode atuar em qualquer ramo da economia, ou seja, pode contratar com empresa tomadora pertencente a qualquer categoria econômica, nada dizendo a respeito da essencialidade das atividades do empreendimento que podem ser terceirizadas.

f) Incompatibilidade do art. 4º-A, §1º com a terceirização de serviços essenciais: Ao prever que a prestadora de serviços deve dirigir o trabalho realizado por seus empregados, o art. 4º-A, §1º reforça a inviabilidade da terceirização de atividade-fim, pois, em razão da sua essencialidade, é inevitável que haja ingerência da tomadora sobre sua execução, sob pena de inviabilização do empreendimento.

g) Filtragem constitucional: A lei deve ser interpretada de forma a obter significado mais afinado com a Constituição, que irradia efeitos para todo o ordenamento jurídico. A terceirização irrestrita reduz a concretização de direitos e princípios fundamentais plasmados na Constituição de 1988, como o princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III), o direito à igualdade e à vida (art. 5º, caput), proibição de tratamento desumano e degradante (art. 5º, III), direito à saúde e ao trabalho (art. 6º c/c arts. 196-200),  diversos direitos fundamentais do trabalhador (art. 7º), liberdade e autonomia sindical (art. 8º), função social da propriedade dos meios de produção (art. 170, III), etc. Por isso, enquanto a interpretação que legitima a terceirização irrestrita pode levar até mesmo à conclusão pela inconstitucionalidade da lei[13], a interpretação que restringe seu alcance atua no sentido de prestigiar a força normativa da Constituição.

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h) Controle de supralegalidade: Os tratados internacionais sobre direitos humanos, após internalizados no ordenamento jurídico brasileiro, adquirem status de norma supralegal, "derrogando" leis ordinárias com eles incompatíveis, conforme posição prevalecente no âmbito do Supremo Tribunal Federal (HC 87.585-TO e RE 466.343-SP). As normas da Organização Internacional do Trabalho (OIT) são tratados internacionais sobre direitos humanos, sobrepondo-se às normas infraconstitucionais contrárias quando ratificados pelo Brasil. A interpretação da Lei nº 6.019/74, com sua nova redação, deve evitar antinomia com normas supralegais que, em alguma medida e ainda de forma indireta[14], restringem a terceirização e seus efeitos precarizantes, a exemplo da Constituição da OIT e seu anexo (Declaração de Filadélfia), que consagram os princípios fundamentais da organização, entre eles o que estabelece que "o trabalho não é mercadoria" e o que afirma a igualdade salarial (princípio "para igual trabalho, mesmo salário"). Cite-se também a Convenção da OIT de nº 29, que veda a prática do merchandage; a Convenção de nº 94, que traz regras com reflexos sobre a terceirização, como a responsabilização do ente público em caso de inadimplemento das obrigações trabalhistas; e a Convenção nº 111, que proíbe a discriminação entre trabalhadores, associada à Recomendação nº 198, que recomenda o combate às relações de trabalho disfarçadas.

i) Princípio in dubio pro operario: As regras que tratam do tema da terceirização da atividade-fim são ambíguas, imprecisas. Em tais situações, a hermenêutica do direito do material trabalho recomenda que seja privilegiada a interpretação mais benéfica para o trabalhador (in dubio pro operario), o que leva à conclusão pela vedação da prática[15].

3.1.  PREVALÊNCIA DA RESPOSTA NEGATIVA

Como se percebe, há argumentos pertinentes nos dois campos do embate, que tende a se acirrar nos próximos meses. Contudo, em que pese o respeito que merece a primeira corrente, a razão parece estar com a segunda.

A interpretação histórica é instrumento útil para a compreensão do alcance da norma, por ensejar a análise do contexto em que foi produzida e sua finalidade. Não afasta, porém, a exigência de que o legislador produza instrumento idôneo para atingir o escopo almejado, diante dos limites semânticos do texto normativo e da necessidade de compatibilizá-lo com a Constituição e outras normas do ordenamento jurídico, mantendo, assim, sua coesão.

No presente caso, deve prevalecer a interpretação lógico-sistemática, vez que as modificações sofridas pela Lei nº 6.019/1974 com o advento da Lei nº 13.429/2017 consagraram a distinção entre o contrato de trabalho temporário e o contrato de terceirização de serviços, regulando-os em dispositivos distintos.

Quando a lei pretendeu equiparar os regimes jurídicos, o fez expressamente, a exemplo da previsão quanto à inexistência de vínculo empregatício entre empregado e a empresa tomadora, regra prevista na nova redação da Lei nº 6.019/74 tanto para o trabalho temporário (art. 10, caput), quanto para o contrato de terceirização de serviços (art. 4º-A, §2º). Paridade semelhante ocorreu em relação à previsão da responsabilidade subsidiária da tomadora de serviços no art. 10, §7º (trabalho temporário) e no art. 5º-A, §5º (terceirização de serviços).

A mesma postura não foi assumida, porém, em relação à autorização para intermediação da atividade-fim, observada apenas em relação ao contrato de trabalho temporário (art. 9º, §3º).

Pensa-se ser inviável a mera aplicação deste último dispositivo ao regime jurídico da terceirização, pois as situações são específicas e distintas. Ainda que se considere que o contrato de trabalho temporário é espécie de terceirização, o regramento de hipótese singular não alcança automaticamente a hipótese geral, sob pena de desvirtuar a própria ideia de singularidade.

Vólia Bomfim Cassar traz semelhante conclusão em texto publicado em rede social:

"Interpreto que o legislador não autorizou a terceirização geral para as atividades-fim da empresa, mas tão somente para as atividades-meio desta, pois, quando quis ser expresso na autorização de terceirização de atividade-fim, o fez, como foi o caso do trabalho temporário"[16].

O argumento é trazido também por Gustavo Filipe Barbosa Garcia[17], reconhecendo sua pertinência, ainda que não se posicione acerca do debate.

Pode-se concluir que a omissão aludida se trata de típica hipótese de silêncio eloquente: a lei não se refere à atividade-fim quando institui o regime jurídico da terceirização de serviços porque não quis autorizá-la[18].

Destaca-se, nessa linha, o entendimento do procurador federal Fernando Maciel em análise do PL 4.302/98, que deu origem à Lei nº 13.429/2017:

"Dessa forma, considerando o silêncio eloquente praticado pelo legislador ordinário no PL 4.302/98, outra conclusão não pode ser alcançada senão o fato de que a subcontratação de serviços nas atividades-fim da empresa contratante somente pode se dar no âmbito dos contratos de trabalho temporário, inexistindo disciplina normativa no que tange à possibilidade de a contratação de serviços de terceiros (terceirização) alcançar as atividades-fim das empresas tomadoras de serviços"[19].

A autorização para a terceirização de atividade inerente ao empreendimento não está no art. 9º, §3º da Lei nº 6.019/1974, portanto. Do mesmo modo, não pode ser encontrada no art. 4º-A do diploma, pois não é alcançada pela expressão "serviços determinados e específicos".

O texto, neste ponto, apenas alude à exigência de que o contrato de terceirização determine e especifique as operações que serão intermediadas, vedando a exteriorização indiscriminada e genérica de todas as atividades da empresa.

O alcance da expressão é melhor percebido quando associado ao art. 5º-A, §1º do mesmo corpo normativo, que prevê ser "vedada à contratante a utilização dos trabalhadores em atividades distintas daquelas que foram objeto do contrato com a empresa prestadora de serviços". Para que a vedação tenha sentido, é preciso que o contrato estipule exatamente quais atividades serão desempenhadas pelos trabalhadores terceirizados, como consagrado também no art. 5º-B, II, sendo justamente esse o sentido da previsão contida no art. 4º-A da lei.

Raphael Miziara, partindo da análise da evolução da redação do dispositivo durante o processo legislativo, observa ainda que o texto original previa que o objeto do contrato de terceirização deveria ser "determinado e específico serviço" e "fora do âmbito das atividades-fim e normais da tomadora dos serviços”, evidenciando que não se tratam de expressões sinônimas[20].

Concorda-se, pois, com a conclusão do autor a seguir transcrita:

"A finalidade da Lei, ao mencionar que os serviços devem ser determinados e específicos, foi evitar a utilização indiscriminada dos trabalhadores, pela contratante, em atividades distintas daquelas que foram objeto do contrato com a empresa prestadora de serviços. Tanto é que essa possibilidade restou expressamente vedada no art. 5º-A, §1º, da Lei"[21].

Outra linha argumentativa adotada por aqueles que consideram que a terceirização ampla foi autorizada pela Lei nº 13.429/17 afirma que a redação do art. 4º-A da Lei nº 6.019/74 foi propositalmente genérica, não cabendo ao intérprete fazer distinções onde a norma não faz. Em outras palavras, é suficiente que o objeto do contrato contemple "serviços determinados e específicos", podendo atingir tanto atividade-fim quanto atividade-meio, pois a lei não fez diferenciação.

O argumento não merece prosperar por dois motivos: 1) a omissão deve ser analisada a partir da confrontação com o art. §9º, §2º da lei, revelando silêncio eloquente do legislador quanto à hipótese de terceirização de atividades essenciais da empresa, como já esclarecido; 2) a interpretação deve ser restritiva, em razão do caráter excepcional da subcontratação de serviços.

Conforme ensinamento de Vólia Bonfim Cassar, a terceirização "contraria a finalidade do direito, seus princípios e sua função social", constituindo-se exceção ao princípio da ajenidad, de modo que deve ser interpretada de forma restritiva[22]. Havendo ambiguidade, como no presente caso, é preciso que a norma receba interpretação que reduza seu alcance. Do contrário, situação excepcional tenderá a se tornar regra, subvertendo a ordem jurídica trabalhista[23].

Outro fundamento para a adoção da interpretação restritiva é o fato de que a terceirização tem impactos diretos sobre direitos fundamentais do trabalhador, ao promover a redução de níveis salariais, a quebra da isonomia entre obreiros, o rebaixamento do nível de proteção à sua saúde e segurança, o menoscabo do direito de associação sindical, etc. Trata-se, pois, de norma restritiva de direitos fundamentais, cuja interpretação não pode ser elástica.

Na mesma toada, é importante frisar que a interpretação restritiva confere ao novo diploma legislativo maior sintonia com a Constituição de 1988, evitando que diversos direitos e princípios fundamentais tenham sua eficácia esmaecida ou, em certos casos, até mesmo esvaziados pela prática da terceirização irrestrita. A limitação desta prática com fundamento na ambiguidade do texto normativo resulta da adoção do método de interpretação da lei conforme a Constituição, por conferir máxima efetividade aos direitos fundamentais do trabalhador ali previstos, em nítida manifestação do fenômeno da filtragem constitucional.

Semelhante raciocínio se aplica, também, à necessidade de compatibilização da lei às normas da Organização Internacional do Trabalho ratificadas pelo Brasil, que, por tratarem de direitos humanos, assumem status de norma supralegal. As normas da OIT vedam, em seu conjunto, a precarização dos direitos trabalhistas, razão pela qual a rejeição da terceirização ampla é mais coerente com seus preceitos.

A posição até aqui desenvolvida é ainda sustentada pela interpretação lógico-sistemática realizada com base no novo art. 4º-A, §1º da Lei nº 6.019/74. O dispositivo estabelece o campo de atuação da empresa prestadora de serviços, conferindo-lhe a tarefa de dirigir o trabalho realizado pelos seus empregados em favor da tomadora.

Veja-se, nessa linha, a conclusão de Gustavo Filipe Barbosa Garcia:

“O poder de direção, assim, deve ser exercido pela empresa prestadora de serviços em face de seus empregados, embora estes laborem na empresa contratante (tomadora). Desse modo, os referidos empregados são juridicamente subordinados à empresa prestadora de serviços e não à tomadora. A remuneração dos empregados terceirizados também é devida pela empresa prestadora de serviço, por ser a empregadora” [24].

A concentração do poder de direção do trabalho nas mãos da empresa intermediária é incompatível com a possibilidade de terceirização de atividades essenciais. Nestas circunstâncias, o próprio empreendimento torna-se inviável. Basta imaginar a situação em que um restaurante resolva terceirizar suas cozinheiras e garçons. É impensável que, em uma atividade tão dinâmica, o gerente do estabelecimento não possa dar ordens diretas a tais trabalhadores, fixar horários e diretrizes básicas de vestimenta, higiene e comportamento, assim como fiscalizar diretamente o desempenho de funções cruciais para o sucesso da empresa.

A conclusão é reforçada pelo fato que tal previsão inexiste em relação ao contrato de trabalho temporário, exatamente porque neste a contratação de atividade-fim é permitida, cabendo naturalmente ao tomador de serviços o controle das tarefas desempenhadas pelo empregado temporário.

Por fim, ainda que todos os argumentos favoráveis à segunda corrente sejam rejeitados pelo adeptos da primeira, é preciso reconhecer, no mínimo, a existência de fundada dúvida quanto à legalidade da terceirização das atividades essenciais das empresas.

Nesse caso, aplica-se o princípio in dubio pro operario, uma das vertentes do princípio da proteção, o qual prevê que, "na interpretação de uma disposição jurídica que pode ser entendida de diversos modos, ou seja, havendo dúvida sobre o seu efetivo alcance, deve-se interpretá-la em favor do empregado"[25].

A aplicação do princípio em questão exige que as diferentes possibilidades interpretativas do texto legal sejam cotejadas no caso concreto, cabendo ao intérprete/aplicador da lei a opção pelo entendimento mais benéfico ao trabalhador. Considerando que a terceirização de atividades essenciais da empresa possui potencial precarizante de direitos trabalhistas, a tendência é que, em situações concretas, a interpretação mais benéfica conclua por sua irregularidade.

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Sobre o autor
Bruno Ítalo Sousa Pinto

Especialista em Filosofia e Teoria do Direito pela PUC-MG, em Direito do Trabalho e Previdenciário na Atualidade pela PUC-MG e em Direito Civil e Processual Civil pela UCDB-MS. Bacharel em Direito (UFPI). Analista Judiciário, desempenhando a função de Assistente de Juiz no TRT da 16ª Região.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PINTO, Bruno Ítalo Sousa. A lei da terceirização é exemplo de legislação simbólica?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5040, 19 abr. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/57102. Acesso em: 27 abr. 2024.

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