CONCLUSÃO
A Lei nº 13.429/17, anunciada como instrumento legal que implementou a terceirização ampla ou irrestrita no Brasil, possui aparente déficit normativo quanto ao assunto. Ainda que o tema seja polêmico, percebe-se maior consistência na posição que conclui pela proibição da terceirização em atividades-fim, de forma que a Súmula nº 331 do TST não foi superada pela nova lei, mas antes ratificada por esta.
Diante de tal constatação, indaga-se qual a finalidade da nova lei no que tange à terceirização de serviços. A primeira resposta está na segurança jurídica, vez que o regime jurídico do fenômeno passa a ser primariamente estabelecido em lei, não mais na Súmula nº 331 do TST, que assume função eminentemente interpretativa.
A segunda resposta é mais complexa, pois vislumbra na Lei da Terceirização a possível hipertrofia da sua finalidade simbólica, em detrimento da função jurídico-instrumental.
A análise dos aspectos instrumentais e simbólicos da Lei nº 13.429/17 permite que se sustente a hipótese de configuração de legislação-álibi no que tange ao tema da terceirização em atividades essenciais da empresa, considerando que seu baixo potencial para alcançar eficácia parece estar atrelado à predominância da sua finalidade político-ideológica nesse campo.
É certo que os dispositivos que tratam do trabalho temporário e da terceirização em atividade-meio tendem a ser eficazes, razão pela qual não se pode atribuir a todo o diploma a natureza de legislação simbólica.
Em relação à autorização para terceirização irrestrita, porém, há aparente sobreposição da função simbólica, conjectura que pende de verificação mais acurada pela doutrina, especialmente a partir da observação dos fatos que se sucederão à recente aprovação da lei.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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NEVES, Marcelo. A constitucionalização simbólica. 3. ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2011.
Notas
1 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 13. ed. São Paulo: LTr, 2014. p. 452.
2 Idem, ibidem.
3 CHAVES JUNIOR, José Eduardo de Resende. MENDES, Marcus Menezes Barberino. Terceirização já! Mas com responsabilidade. Disponível em: <https://www.trt3.jus.br/download/artigos/pdf/55_terceirizacao_ja.pdf>. Acesso em: 08 abr. 2017.
4 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 13. ed. São Paulo: LTr, 2014. p. 467-468.
5 CHAVES JUNIOR, José Eduardo de Resende. MENDES, Marcus Menezes Barberino. Terceirização já! Mas com responsabilidade. Disponível em: <https://www.trt3.jus.br/download/artigos/pdf/55_terceirizacao_ja.pdf>. Acesso em: 08 abr. 2017.
6 Idem, ibidem.
7 MIZIARA, Raphael. Diferença entre terceirização de serviços e trabalho temporário e seu tratamento conferido pelo PL nº 4.302/08. Disponível em: <https://ostrabalhistas.com.br/diferenca-entre-terceirizacao-de-servicos-e-trabalho-temporario-e-seu-tratamento-conferido-pelo-pl-no-4-30208/>. Acesso em: 08 abr. 2017.
8 Idem, ibidem.
9 BRASIL. Lei nº 13.429, de 31 de março de 2017. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil. Poder Executivo, Brasília, DF, 31 de março de 2017. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/L13429.htm>. Acesso em: 08 abr. 2017.
10 Idem, ibidem.
11 GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Manual de direito do trabalho. 7. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Método, 2015. p. 119.
12 BRASIL. Lei nº 13.429, de 31 de março de 2017. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil. Poder Executivo, Brasília, DF, 31 de março de 2017. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/L13429.htm>. Acesso em: 08 abr. 2017.
13 Vale o registro de que já há Ação Direta de Inconstitucionalidade proposta em face da nova lei com base nesse argumento, dentre outros (como o da inconstitucionalidade formal), pelo partido Rede Sustentabilidade, com pedido de medida cautelar a fim de determinar-se a suspensão da eficácia da Lei nº 13.429, de 2017, até o julgamento do mérito. Como provimento final, pede-se a declaração de inconstitucionalidade do diploma in totum ou, sucessivamente, a declaração da inconstitucionalidade sem redução de texto dos arts. 4º-A, caput, in fine, em conjunto com o art. 9º, § 3º, ambos da Lei nº 6.019, de 1974; ou ainda, indeferidos os pedidos anteriores, a declaração de inconstitucionalidade de interpretações que acolham a terceirização de atividade-fim de organizações públicas ou privadas (ADI 5.685).
14 Ressalte-se que a OIT ainda não possui instrumento específico tratando do tema da terceirização.
15 O argumento é utilizado por Felipe Bernardes, juiz do trabalho do TRT da 1ª Região e professor, em vídeo publicado no seu perfil em rede social (facebook) no dia 24/03/2017.
16 CASSAR, Vólia Bomfim. Breves comentários à Lei 13.429/17 que altera a redação da Lei nº 6.019/74 ― terceirização ampla e irrestrita?. Texto publicado em 01/04/2017 no perfil do facebook "Vólia Bomfim Conteúdo Acadêmico". Disponível em: <https://www.facebook.com/VoliaBomfimCassar/posts/1111652638944852>. Acesso: em 08 abr. 2017.
17 "Como argumento contrário à possibilidade de se terceirizar também a atividade-fim da empresa contratante, pode-se alegar que a Lei 6.019/1974, modificada pela 13.429/2017, ao dispor sobre o trabalho temporário, é expressa ao prever que o contrato de trabalho temporário pode versar sobre o desenvolvimento de atividades-meio e atividades-fim a serem executadas na empresa tomadora de serviços (art. 9º, § 3º, da Lei 6.019/1974, acrescentado pela Lei 13.429/2017). Diversamente, no caso de empresa prestadora de serviço, essa autorização mais ampla não consta expressamente, permitindo a interpretação de que a terceirização continua admitida apenas nos casos de atividades-meio da empresa contratante (tomadora)". (GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Lei da terceirização não é clara quanto à permissão para atividade-fim. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2017-abr-02/gustavo-garcia-lei-nao-clara-quanto-permissao-atividade-fim>. Acesso em: 08 abr. 2017).
18 Por silêncio eloquente designa-se a situação em que o legislador, ao não dispor sobre determinada matéria/instituto, age com a intenção de excluir a aplicação da lei naquele tema, e não por esquecimento (lacuna). Aqui é importante tangenciar a espinhosa questão que diz respeito à possibilidade de apurar a "vontade do legislador" e a "vontade racional da lei". Mesmo que se entenda que a "vontade do legislador" pode ser apreendida a partir da análise do texto legal, do processo legislativo e do contexto histórico em que a lei foi aprovada, há de se reconhecer que a extração dessa intenção fica prejudicada na análise de um projeto de lei que tramitou por quase 20 anos antes de ser aprovado, ainda mais diante da natureza plural e heterogênea dos órgãos legisladores brasileiros. Em outras palavras, quando se refere a "vontade do legislador", de qual legislador se está falando? O de 1998, que redigiu o texto legal, ou o de 2017, que o aprovou sem alterações (além dos vetos presidenciais)? No presente tópico, o silêncio eloquente é verificado principalmente a partir de uma interpretação lógico-sistemática do texto legal. Caso se acate a viabilidade e utilidade de se perscrutar a "vontade do legislador", é de se estabelecer, então, que a omissão intencionalmente voltada para a proibição da terceirização em atividade-fim tem por paradigma uma presumida vontade mais próxima à dos redatores do projeto, até porque os legisladores que o aprovaram em 2017 têm sido claros em seu discurso que prega a intenção de alargar o fenômeno da terceirização. Outro ponto de vista que pode embasar a ideia de silêncio eloquente é considerá-lo a partir da "vontade racional da lei" (interpretação objetivista), e não da "vontade do legislador" (interpretação intencionalista), já que esta última seria inalcançável. Nesta linha, caso se entenda que, finalizado o processo legislativo, a lei adquire uma "razão" nova e autônoma, é possível dizer que o silêncio eloquente observado toma por pressuposto a "vontade racional da lei" de não autorizar a terceirização irrestrita, extraída a partir da interpretação lógico-sistemática dos seus preceitos, sempre atenta ao contexto em que é empregada.
19 MACIEL, Fernando. Projeto permite terceirização irrestrita apenas no trabalho temporário. Revista Consultor Jurídico. 29. de março de 2017. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2017-mar-29/pl-permite-terceirizacao-irrestrita-apenas-trabalho-temporario>. Acesso em: 08 abr. 2017.
20 MIZIARA, Raphael. O que o PL da terceirização (4.302/98) quis dizer com serviços DETERMINADOS e ESPECÍFICOS?. Disponível em: <https://ostrabalhistas.com.br/o-que-o-pl-da-terceirizacao-4-30298-quis-dizer-com-servicos-determinados-e-especificos/>. Acesso em 08 abr. 2017.
21 Idem, ibidem.
22 CASSAR, Vólia Bonfim. Direito do trabalho. 9. ed. rev e atual. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2014. p. 481.
23 O argumento é referido também por Barbosa Garcia: “Além disso, pode-se asseverar que a terceirização não deve ser admitida em qualquer atividade da empresa contratante, justamente por ser exceção ao sistema, ao modificar o padrão jurídico bilateral da relação de emprego” (GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Lei da terceirização não é clara quanto à permissão para atividade-fim. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2017-abr-02/gustavo-garcia-lei-nao-clara-quanto-permissao-atividade-fim>. Acesso em: 08 abr. 2017).
24 GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Lei da terceirização não é clara quanto à permissão para atividade-fim. Revista Consultor Jurídico. 02. de abril de 2017. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2017-abr-02/gustavo-garcia-lei-nao-clara-quanto-permissao-atividade-fim>. Acesso em: 08 abr. 2017.
25 GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Manual de direito do trabalho. 7. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Método, 2015. p. 55.
26 NEVES, Marcelo. A constitucionalização simbólica. 3. ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2011.
27 FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de direito constitucional. 7. ed. Juspodivm: 2015. p. 81.
28 NEVES, Marcelo. A constitucionalização simbólica. 3. ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2011. p. 91.
29 Idem, ibidem. p. 23.
30 Idem, ibidem. p. 30.
31 Idem, ibidem. p. 33.
32 Idem, ibidem. p. 34.
33 Idem, ibidem. p. 37.
34 Idem, ibidem. p. 39.
35 Idem, ibidem. p. 38.
36 Idem, ibidem. p. 39.
37 Idem, ibidem. p. 39.
38 Idem, ibidem. p. 43-44.
39 GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Terceirização: uma futura lei ineficaz? Disponível em: <https://gustavogarcia.adv.br/terceirizacao-uma-futura-lei-ineficaz/>. Acesso em: 08 abr. 2017.
40 Idem, ibidem.
41 NEVES, Marcelo. A constitucionalização simbólica. 3. ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2011. p. 44.
42 JORNAL DO COMMERCIO (JCONLINE). Temer diz que terceirização "não prejudica os trabalhadores". Disponível em: <https://jconline.ne10.uol.com.br/canal/economia/nacional/noticia/2017/04/03/temer-diz-que-terceirizacao-nao-prejudica-os-trabalhadores-276863.php>. Acesso em: 08 abr. 2017.
43 FOLHA DE SÃO PAULO. Ministro defende terceirização do trabalho e é aplaudido por executivos. 16. de junho de 2016. Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2016/06/1782348-ministro-defende-terceirizacao-do-trabalho-e-e-aplaudido-por-executivos.shtml>. Acesso em: 08 abr. 2017.
44 ESTADÃO. Temer sanciona terceirização com três vetos, sem salvaguarda para o trabalhador. 31. de março de 2017. Disponível em: <https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,temer-sanciona-terceirizacao-com-vetos,70001722268>. Acesso em: 08 abr. 2017.
45 ÉPOCA NEGÓCIOS. Temer deve enviar MP para mudar regras da terceirização. 31. de março de 2017. Disponível em: <https://epocanegocios.globo.com/Economia/noticia/2017/03/epoca-negocios-temer-deve-enviar-mp-para-mudar-regras-da-terceirizacao.html>. Acesso em: 08 abr. 2017.
46 NEVES, Marcelo. A constitucionalização simbólica. 3. ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2011. p. 31.
47 Nesse sentido, transcreve-se trecho de Nota Técnica do DIEESE recentemente publicada: "Ademais, não há comprovação de que flexibilização ou redução da proteção trabalhista tenham sido capazes de gerar empregos em qualquer país, como mostra estudo recentemente divulgado pela Organização Internacional do Trabalho - OIT (ADASCALITEI; MOREANO, 2016). Portanto, o efeito pretendido pelo governo com a Lei 13.429/2017 - e também com a reforma trabalhista -, isto é, o estímulo a novas contratações, não se efetivará e ainda poderá resultar em piora na arrecadação fiscal e previdenciária, aumento da sonegação e da dificuldade de fiscalização, ao estimular a excessiva fragmentação dos processos produtivos entre inúmeras prestadoras. Poderá levar também ao crescimento das despesas com seguro desemprego, ao estimular a rotatividade" (DIEESE. Impactos da Lei 13.429/2017 (antigo PL 4.302/1998) para os trabalhadores: contrato de trabalho temporário e terceirização. Nota técnica. São Paulo, n. 175, abr. 2017. Disponível em: https://www.dieese.org.br/notatecnica/2017/notaTec175TerceirizacaoTrabalhoTemporario.pdf. Acesso em: 08 abr. 2017).
48 NEVES, Marcelo. A constitucionalização simbólica. 3. ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2011. p. 31. p. 47-48.
49 NEVES, Marcelo. A constitucionalização simbólica. 3. ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2011. p. 32.
50 Idem, ibidem. p. 36.
51 Idem, ibidem. p. 40.
52 Idem, ibidem. p. 41.
53 FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de direito constitucional. 7. ed. Salvador: JusPodivm, 2015. p. 92.
Abstract: The present article aims initially to verify if the new "Law of Outsourcing" authorizes the wide outsourcing. Then, based on a negative response, it raises questions about the possibility of framing Law 13.429/2017 in the category of "symbolic legislation", as defined in the Marcelo Neves's doctrine.
Key words: Law of Outsourcing; final activity; logical-systematical interpretation; symbolic legislation; alibi-legislation.