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A Lei de Improbidade Administrativa e o transcurso da prescrição: uma nova perspectiva à luz do princípio da actio nata

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11/05/2017 às 14:08
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4 Conclusão

Sopesados os fundamentos que se relacionam ao instituto da prescrição e às normas que nesse sentido devem incidir na aplicação da Lei de Improbidade Administrativa, conclui-se que no âmbito do Estado Democrático de Direito não é possível conceber qualquer organização estatal dotada de poder de punir que não encontre limitação para exercê-lo em sua própria normatização.

A restrição decorrente do fator temporal, nesse aspecto, é elemento crucial, pois, além de representar verdadeira segurança jurídica em relação à temida fragilização que o decurso dos anos costumeiramente traz para a prova da ação judicial correspondente, traduz-se em efetiva garantia do indivíduo contra a possibilidade de ver-se eternamente submetido à persecução do Estado.

Na aplicação da Lei de Improbidade Administrativa, exige-se sua conjugação com as demais normas que animam o microssistema material-processual da tutela coletiva, o que implica, por conseguinte, que os lapsos prescricionais previstos em seu artigo 23 sejam aplicados em consonância com a regra do artigo 189 do Código Civil, que consagra a teoria ou princípio da actio nata, segundo o qual, como visto, o surgimento da pretensão não se dá necessariamente no momento em que ocorre a lesão ao direito, mas sim quando o titular do respectivo direito violado toma conhecimento do fato e da extensão de suas consequências.

E, observada a teoria ou princípio da actio nata, os lapsos prescricionais da Lei de Improbidade Administrativa não podem iniciar sua contagem ou implemento enquanto os sujeitos legitimados à propositura da ação de responsabilização não tomarem conhecimento inequívoco da prática dos ilícitos que caracterizariam enriquecimento ilícito, dano ao erário ou violação a princípios norteadores da Administração Pública.

Essa forma de contagem do prazo prescricional é consentânea com a finalidade do instituto da prescrição, já que esta consagra a segurança jurídica em face da inércia, e esta última somente pode restar caracterizada a partir do momento em que os fatos se tornam conhecidos para aquele que teve o direito violado e pode exercer o direito de ação. Do mesmo modo, guarda ainda observância à própria finalidade e interesse público que gravitam em torno da Lei de Improbidade Administrativa, máxime porque esta veicula rol restrito de sujeitos legitimados a exercer a pretensão de responsabilização, bem assim com a eficiente proteção que deve ser conferida aos princípios da boa-fé e da moralidade administrativa.


5. Referências bibliográficas

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Notas

1 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Improbidade administrativa: prescrição e outros prazos extintivos. São Paulo, Atlas, 2012, p. 03.

2 GARCIA, Emerson; ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade administrativa. 6ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 620.

3 PIERANGELI, José Henrique. Da extensão do reconhecimento da prescrição retroativa no âmbito do direito administrativo. Falta de relatório em acórdão: nulidade. Revista dos Tribunais, São Paulo, ano 91, v. 799, p. 497-514, maio 2002, p. 501.

4 DELMANTO, Celso et al. Código penal comentado. 6ª. ed. São Paulo: Renovar, 2002, p. 215.

5 TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil. 4ª ed. São Paulo: Método, 2014, p. 280.

6 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Improbidade administrativa: prescrição e outros prazos extintivos. São Paulo, Atlas, 2012, p. 107.

7 O Superior Tribunal de Justiça, ao apreciar esse tema, já teve a oportunidade de pronunciar que “o ressarcimento ao erário constitui o mais elementar consectário jurídico, não se equiparando a uma sanção em sentido estrito e, portanto, não sendo suficiente por si só a atender ao espírito da Lei nº 8.429/92, devendo ser cumulada com ao menos alguma outra das medidas previstas em seu art. 12.” (REsp 1019555/SP, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, j. em 16/06/2009, DJe 29/06/2009).

8 BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Notas sobre a pretensão e prescrição no sistema do novo Código Civil brasileiro. Revista Forense, Rio de Janeiro, vol. 366, março-abril de 2003, p. 119-126.

9 Assim consta ementada parte de decisão paradigmática da Corte a respeito da matéria: “O instituto da prescrição tem por escopo conferir segurança jurídica e estabilidade às relações sociais, apenando, por via transversa, o titular do direito que, por sua exclusiva incúria, deixa de promover oportuna e tempestivamente sua pretensão em juízo. Não se concebe, nessa medida, que o titular do direito subjetivo violado tenha contra si o início, bem como o transcurso do lapso prescricional, em circunstâncias nas quais não detém qualquer possibilidade de exercitar sua pretensão, justamente por não se evidenciar, nessa hipótese, qualquer comportamento negligente de sua parte. (…). O surgimento da pretensão ressarcitória não se dá necessariamente no momento em que ocorre a lesão ao direito, mas sim quando o titular do direito subjetivo violado obtém plena ciência da lesão e de toda a sua extensão, bem como do responsável pelo ilícito, inexistindo, ainda, qualquer condição que o impeça de exercer o correlato direito de ação (pretensão). Compreensão conferida à teoria da actio nata (nascimento da pretensão) que encontra respaldo em boa parte da doutrina nacional e já é admitida em julgados do Superior Tribunal de Justiça, justamente por conferir ao dispositivo legal sob comento (art. 189, CC) interpretação convergente à finalidade do instituto da prescrição.” (REsp 1347715/RJ, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Terceira Turma, j. em 25/11/2014, DJe 04/12/2014).

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10 Trilhando esse mesmo entendimento: “O termo a quo do prazo prescricional da ação de improbidade conta-se da ciência inequívoca, pelo titular de referida demanda, da ocorrência do ato ímprobo, sendo desinfluente o fato de o ato de improbidade ser de notório conhecimento de outras pessoas que não aquelas que detém a legitimidade ativa ad causam, uma vez que a prescrição presume inação daquele que tenha interesse de agir e legitimidade para tanto. (…) Se a inércia é a causa eficiente da prescrição, esta não pode ter por objeto imediato o direito, porque o direito, em si, não sofre extinção pela inércia de seu titular. O direito, uma vez adquirido, entra como faculdade de agir (facultas agendi), para o domínio da vontade de seu titular, de modo que o seu não-uso, ou não-exercício, é apenas uma modalidade externa dessa vontade, perfeitamente compatível com sua conservação.(...) Quatro são os elementos integrantes, ou condições elementares, da prescrição: 1º - existência de uma ação exercitável (actio nata) 2º - inércia do titular da ação pelo seu não exercício; 3º - continuidade dessa inércia durante um certo lapso de tempo; 4º - ausência de algum fato ou ato a que a lei atribua eficácia impeditiva, suspensiva ou interruptiva do curso prescricional. (Antônio Luís da Câmara Leal, in 'Da Prescrição e da Decadência', Forense, 1978, p. 10-12)” (REsp 999.324/RS, Rel. Ministro LUIZ FUX, Primeira Turma, j. em 26/10/2010, DJe 18/11/2010). Nesse mesmo sentido, também o REsp 1268594/PR, Rel. Ministra ELIANA CALMON, Segunda Turma, j. em 05/11/2013, DJe 13/11/2013.

11 Assim também o seguinte julgado: “O termo inicial para a contagem do prazo prescricional em ação de improbidade administrativa é a da data do conhecimento do fato ímprobo.” (AI 796720-2, Rel. LEONEL CUNHA, 5ª Câmara Cível, j. 12.06.2012).

12 HENRIQUES FILHO, Tarcísio Humberto. Início do prazo prescricional nas ações de improbidade administrativa (crítica ao inciso I do art. 23 da Lei n. 8.429/1992). Questões práticas sobre improbidade administrativa. Coordenadora: Samantha Chantal Dobrowlski. Brasília: ESMPU, 2011, p. 306.

13 MARTINS-COSTA, Judith. A Boa-Fé no Direito Privado. 1ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 411.

14 GOMES JÚNIOR, Luiz Manoel; FAVRETO, Rogério. Comentários à lei de improbidade administrativa. Coordenador: Fernando da Fonseca Gajardoni. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 309.

15 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 25ª ed. São Paulo: Malheiros, 2008.

16 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 22ª ed. São Paulo: Atlas, 2009, p. 804.

17 OLIVEIRA, José Pimenta. Improbidade administrativa e sua autonomia constitucional. Belo Horizonte: Fórum, 2009, p. 404-405.

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Sobre o autor
Leonardo Dumke Busatto

Mestre em Planejamento e Governança Pública (UTFPR). Promotor de Justiça (MPPR).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BUSATTO, Leonardo Dumke. A Lei de Improbidade Administrativa e o transcurso da prescrição: uma nova perspectiva à luz do princípio da actio nata. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5062, 11 mai. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/57572. Acesso em: 27 abr. 2024.

Mais informações

Artigo publicado na Revista Jurídica do Ministério Público do Estado do Paraná. Ano 3. Número 5. Dez/2016.

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