ICMS São Paulo:ilegalidade na exigência de juros de mora sobre a multa punitiva a partir do fato gerador da obrigação principal

08/05/2017 às 14:09
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Percebe-se uma ilegalidade praticada pela Fazenda Estadual de São Paulo ao lavrar Autos de Infração e Imposição de Multa – ICMS, na medida em que exigem juros de mora sobre a multa a partir do fato gerador do débito principal.

INTRODUÇÃO

Atualmente, São Paulo é o Estado que mais arrecada tributos em nosso país, mas, paradoxalmente, também se encontra na lista dos mais endividados, devido a incontáveis fatores, tais como: despesas em geral (administração; obras; dívidas com a União; folha salarial; etc.), bem como o alto índice de inadimplência de seus contribuintes, que afetam diretamente as contas estaduais.

A falta de recolhimento dos tributos por parte dos contribuintes se dá, principalmente, devido à atual crise econômica que assola o Brasil, além da alta carga tributária (uma das maiores do mundo), que dificultam o pagamento dos impostos e, consequentemente, contribuem para desestabilizar o equilíbrio financeiro do Estado.

Com o objetivo saldar suas dívidas e demais despesas, a Fazenda Estadual de São Paulo busca arrecadar cada vez mais. Ocorre que, não são raras as ocasiões em que o Estado realiza a cobrança de quantias desproporcionais e, em alguns casos, até mesmo ilegais, como é o caso da exigência de juros de mora sobre a multa de ICMS - Autuação - a partir do fato gerador do tributo, conforme será demonstrado a seguir.

  1. Juros de mora sobre a multa: a partir do fato gerador da obrigação principal ou a partir do segundo mês subsequente da data de lavratura do Auto de Infração?

Inicialmente, antes da publicação da Lei Estadual nº 13.918/09, as multas infracionais/punitivas eram convertidas em quantidade de UFESP no último dia do mês ou período em que fosse praticada a infração. Assim, quando do seu pagamento, havia a reconversão em moeda corrente, nos termos do já revogado artigo 566, do RICMS/00, in verbis:

Artigo 566 – “O valor do débito fiscal, para efeito de atualização monetária, será convertido em quantidade determinada de Unidades Fiscais do Estado de São Paulo - UFESPs no dia da apuração, constatação ou ocorrência do evento previsto na legislação como determinante do pagamento do imposto, fazendo-se a reconversão em moeda corrente pelo valor dessa unidade fiscal na data do efetivo pagamento.”

Com a publicação da Lei 13.918/09, que alterou as redações dos artigos 85 e 96 da Lei nº 6.374/89, houve uma modificação na forma do cálculo e na taxa dos juros aplicáveis aos débitos tributários de ICMS – São Paulo, com a mudança do critério utilizado para correção da base de cálculo das multas decorrentes de Auto de Infração, conforme se verifica a seguir:

 

Artigo 85, § 9º, Lei nº 6.374/89 - “As multas previstas neste artigo, excetuadas as expressas em UFESP, devem ser calculadas sobre os respectivos valores básicos corrigidos monetariamente.”

(vigência até 21/12/2009)

 

Artigo 85, § 9º, Lei nº 6.374/89 - “As multas previstas neste artigo, excetuadas as expressas em UFESP, devem ser calculadas sobre os respectivos valores básicos atualizados, observando-se o disposto no artigo 96 dessa lei”

(vigência a partir de 22/12/2009 - Lei 13.918/09) (g.n.)

 

E, dispõe o artigo 96, inciso II, da Lei n° 6.374/89, que:

Artigo 96 – “O montante do imposto ou da multa, aplicada nos termos do artigo 85 desta lei, fica sujeito a juros de mora, que incidem:

(...)

II - relativamente à multa aplicada nos termos do artigo 85 desta lei, a partir do segundo mês subsequente ao da lavratura do auto de infração.” (g.n.)

Pois bem, de acordo com a atual redação dos arts. 85 e 96 da Lei n° 6.374/89, os juros de mora sobre as multas punitivas devem ser calculadas a partir do segundo mês subsequente ao da data de lavratura do Auto de Infração.

O raciocínio é simples, antes da lavratura do Auto de Infração inexistia a suposta infração que ensejou a aplicação de multa, isto porque, as obrigações acessórias somente passam a existir no mundo jurídico após a lavratura do AIIM (nascimento da multa), tornando-se exigível apenas a partir deste momento.

No entanto, ao lavrar o AIIM, a Fazenda do Estado de São Paulo calcula os juros de mora sobre a multa punitiva a partir do fato gerador da obrigação principal, com base nos artigos 527 e 565, § 4º, do RICMS/00 (redação dada pelo Decreto nº 55.437/2010), que dispõem:

 

Artigo 527 – “O descumprimento da obrigação principal ou das obrigações acessórias, instituídas pela legislação do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços, fica sujeito às seguintes penalidades: (...)”

 

Artigo 565 – “O montante do imposto ou da multa, aplicada nos termos do artigo 527, fica sujeito a juros de mora, que incidem:

(...)

§ 4º - A atualização do valor básico para cálculo da multa prevista no artigo 527 será efetuada mediante a aplicação da taxa prevista neste artigo, até a data da lavratura, e incidirá:

1 - a partir do dia seguinte ao do vencimento do imposto sobre o qual a multa será calculada, nas hipóteses das alíneas “b”, “c”, “d”, “e”, “f”, “g”, “h”, “i”, “j” “l”, “m” e “n” do inciso I do artigo 527;

2 - a partir do dia seguinte ao último do período abrangido pelo levantamento, caso se trate de multa calculada sobre o valor do imposto, na hipótese da alínea “a” do inciso I do artigo 527;

3 - a partir do último dia do mês em que, desconsiderada a importância creditada, o saldo tornar-se devedor, caso se trate de multa calculada sobre o imposto, nas hipóteses das alíneas “h”, “i” e “j” do inciso II do artigo 527;

4 - a partir do dia seguinte àquele em que ocorra a falta de pagamento, nas hipóteses das alíneas “f” e “g” do inciso II do artigo 527;

5 - a partir do último dia do mês em que tiver sido praticada a infração, nas demais hipóteses.” (g.n.)

Ocorre que, o artigo 565, § 4º, do RICMS/00, ao permitir que a base de cálculo da multa punitiva seja o valor da obrigação principal acrescido de juros a partir do seu fato gerador, exige juros de mora antes da constituição da própria penalidade.

Ora, os juros de mora são modalidade de sanção compensatória, por meio da qual se remunera o capital de terceiro. Assim, impossível a sua incidência sobre o débito lançado a título de multa de ofício, conforme nos ensina o artigo 161 do Código Tributário Nacional:

Art. 161 – “O crédito não integralmente pago no vencimento é acrescido de juros de mora, seja qual for o motivo determinante da falta, sem prejuízo da imposição das penalidades cabíveis e da aplicação de quaisquer medidas de garantia previstas nesta Lei ou em lei tributária.”

Assim, os cálculos realizados pelo Fisco contrariam os comandos contidos no art. 161 do CTN e art. 96 da Lei Estadual nº 13.918/2009.

Ademais, o próprio artigo 565, do RICMS/00, dispõe em seu inciso II que:

II – “relativamente à multa aplicada nos termos do artigo 527, a partir do segundo mês subsequente ao da lavratura do auto de infração.”

Deste modo, a exigência de juros de mora sobre a multa a partir do fato gerador da obrigação principal, ou seja, antes do nascimento da multa, deve ser afastada. 

Segue um caso prático para ilustrar a magnitude do tema em pauta:

Auto de Infração lavrado em 14/01/2014 –

A)

Valor      Original

Juros

Valor Original + Valor Juros

Multa

Valor da     Multa

Termo Inicial

Taxa

Valor Juros

 R$ 67.500,00

31/12/2009

105,25%

 R$ 71.043,75

 R$  138.543,75

100%

 R$138.543,75

 R$110.000,00

31/01/2010

101,88%

 R$ 112.068,00

 R$  222.068,00

100%

 R$222.068,00

SOMA

 R$177.500,00

 R$ 183.111,75

 R$360.611,75

TOTAL

 R$721.223,50

Valores atualizados até 14/01/2014.

(Cálculos realizados pela Fazenda Estadual de São Paulo, com base no art. 565, §4º, do RICMS/00 - redação dada pelo Decreto nº 55.437/2010)

Observe que o Fisco calcula a porcentagem da multa sobre o valor original acrescido de juros, ou seja, no momento em que o Auto de Infração é lavrado a multa já possui, indiretamente, juros de mora embutidos.

Note a diferença, por outro lado, quando esta multa é recalculada, mas com a porcentagem aplicada apenas sobre o valor original do débito:

B)

Valor      Original

Juros

Valor Original + Valor Juros

Multa

Valor da     Multa

Termo Inicial

Taxa

Valor Juros

 R$ 67.500,00

31/12/2009

105,25%

 R$ 71.043,75

 R$ 138.543,75

100%

 R$ 67.500,00

 R$110.000,00

31/01/2010

101,88%

 R$112.068,00

 R$ 222.068,00

100%

 R$110.000,00

SOMA

 R$177.500,00

 R$183.111,75

 R$177.500,00

TOTAL

 R$538.111,75

Valores atualizados até 14/01/2014.

(Cálculos realizados conforme art. 161, do CTN e arts. 85, §9º e 96, II, da Lei Estadual nº 6.374/89 - redação dada pela Lei nº 13.918/2009, e art. 565, II, do RICMS/00)

Ora, após comparar as planilhas (A e B), é possível verificar que os valores das multas representam, entre si, uma diferença de aproximadamente 50%, conforme demonstrado a seguir:

Planilha

Valor Total da Multa (na data da lavratura do AIIM)

A

 R$360.611,75 (100% sobre o Valor Original + Valor dos Juros)

B

 R$177.500,00 (100% sobre o Valor Original)

Apesar da grande redução sobre o valor da multa que o recálculo dos juros acarreta, a presente tese é pouco conhecida pelos contribuintes e ainda não está totalmente pacificada. Todavia, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo já vem decidindo de maneira favorável aos contribuintes, senão vejamos:

“APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA. Anulação de auto de infração e imposição de multa. Alegação de excesso de prazo de fiscalização. Inocorrência. Inteligência do art. 5º, inc. VII, da Lei Complementar Estadual nº 939/2003 conjuntamente com o art. 138 do CTN. Fiscalização dentro do prazo de 90 dias. Multa moratória. Não ocorrência de confisco. Caráter punitivo. Aplicação. Termo inicial dos juros sobre a multa. Aplicação do art. 565, inc. II, do RICMS. Segundo mês subsequente ao da lavratura do auto de infração. Cálculo indevido. Sentença mantida. Recursos de apelação não providos.

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(...)

Conforme o demonstrativo do débito fiscal juntado aos autos (fls. 27), nota-se que o termo inicial dos juros sobre a multa foram calculados a partir do dia 23/12/2009.

Ora, se o AIIM foi lavrado em 23/11/2010, o segundo mês subsequente é janeiro de 2011, data do termo inicial para contagem dos juros sobre a multa, estando, dessa forma, incorreto o demonstrativo do débito fiscal, neste aspecto.(...)”

(TJSP - Apelação nº 0001657-76.2012.8.26.0318 – 13ª Câmara de Direito Público – Relator DJALMA LOFRANO FILHO – 02/04/2014) (g.n.)

 

“Apelação cível. Ação declaratória de inexistência de relação jurídico-tributária cumulada com repetição de indébito. ICMS. Autos de Infração e Imposição de Multa AIIM's. Créditos tributários quitados à vista e por meio de programas de parcelamento. Insurgência em face do índice de juros de mora aplicado, bem como em face da forma de cálculo das multas punitivas.

(...)

Alegação de que, a fim de alcançar o valor da multa punitiva, no momento de atualizar o valor básico do imposto devido (base de cálculo da multa punitiva), o fisco Bandeirante, com base no § 4º e item 1, do inciso II, RICMS/00 (Decreto Estadual nº 45.490/00), na redação dada pelo Decreto Estadual nº 55.437/2010, em vez de se valer de índices de correção monetária, estaria aplicando taxa referente a juros de mora, ou seja, estaria, de forma transversa, fazendo incidir sobre a multa punitiva juros de mora mesmo antes de sua constituição, que se dá com a lavratura do correspondente Auto de Infração e Imposição de Multa.

Argumento que, em tese, possui plausibilidade, pois que a incidência de juros de mora sobre as multas punitivas, ainda que admissíveis, somente pode se dar após constituída a multa punitiva por meio da lavratura do correspondente AIIM (momento em que nasce a obrigação) e caso verificado o atraso no pagamento da penalidade de que se trata. Base de cálculo da multa punitiva imputada à empresa requerente que deve ser, nos termos da legislação estadual (Lei Estadual nº 6.374/89), o valor básico do imposto devido, com atualização monetária.

Interpretação sistemática dos comandos do RICMS/00 adstritos ao caso que leva à conclusão que o § 4º e item 1, do inciso II, do artigo 565 do RICMS/00, na redação dada pelo Decreto Estadual nº 55.437/2010, de fato, conferiu prerrogativa descabida e, 'prima facie', ilegal ao fisco Bandeirante de exigir juros de mora sobre a multa punitiva, ainda que de forma transversa, mesmo antes de constituída a penalidade por meio do AIIM.

(...)

Recurso da autora parcialmente provido.”

(TJSP – Apelação 1018701-42.2014.8.26.0053 – 9ª Câmara de Direito Público – Relator OSWALDO LUIZ PALU – 03/12/2014) (g.n.)

Conforme se depreende da leitura acima, é possível afirmar que a Fazenda Estadual de São Paulo utiliza uma base de cálculo equivocada para gerar o valor da multa punitiva, o que acarreta em aumento indevido do valor da multa, em desobediência à legislação tributária. 

Sendo assim, a exigência de juros de mora sobre a multa a partir do fato gerador da obrigação principal é ilegal, uma vez que desobedece os artigos 161, do CTN, 85, § 9º e 96, inciso II, § 2º, da Lei nº 6.374/89, na redação dada pela Lei nº 13.918/2009, além do art. 565, inciso II, do RICMS/00, na redação dada pelo Decreto Estadual nº 55.437/2010, que determinam que os juros de mora sobre a multa devem ser exigidos tão somente a partir do segundo mês subsequente ao da data de lavratura do AIIM.

CONCLUSÃO

Conclui-se, resumidamente, que o prazo inicial utilizado pela Fazenda Estadual de São Paulo para computar os juros de mora sobre a multa de ICMS - Autuação, é o fato gerador da obrigação principal (conforme art. 565, §4º, do RICMS/00 - redação dada pelo Decreto nº 55.437/2010). No entanto, entende-se que referido prazo é ilegal, pois a multa somente passa a ter existência no mundo jurídico (exigibilidade) no momento da lavratura do Auto de Infração, razão pela qual não é possível a retroatividade de seus juros de mora até a data em que ocorreu o fato gerador do tributo.

Neste sentido, os juros de mora sobre a multa devem ser calculados tão somente após o segundo mês subsequente ao da lavratura do AIIM (conforme art. 161, do CTN e arts. 85, §9º e 96, II, da Lei Estadual nº 6.374/89 - redação dada pela Lei nº 13.918/2009), pois é somente a partir daquele momento (quando não há o pagamento tempestivo da multa), que surge a figura da mora.

Desta forma, aqueles contribuintes autuados por falta de pagamento ou até mesmo creditamento indevido de ICMS, pela Fazenda Estadual de São Paulo, podem requerer (via administrativa ou judicial) o recálculo dos juros de mora sobre as multas aplicadas. Este recálculo dos juros pode acarretar em uma redução de até 50% sobre o valor da multa, ou seja, em alguns casos pode vir a representar uma redução milionária, sendo extremamente vantajoso aos contribuintes.

Para aqueles contribuintes que já efetuaram o pagamento das multas, ou que aderiram o parcelamento, orienta-se a consultar um advogado especializado na área tributária para que seja verificada a possibilidade de eventual recuperação destes valores ou a redução do montante parcelado. Por fim, reitera-se que a tese abordada ainda não está totalmente pacificada por nossos tribunais.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

- BAPTISTA, André Zanetti; Juros, Taxas e Capitalização - Uma Visão Jurídica; 1ª Edição; 2008; Editora Saraiva;

- FERNANDES, Kelly Luciene dos Santos e PIRES, Rebeca Teixeira; ICMS na Prática Operações de A a Z; 3ª Edição, 2014; Editora Cenofisco;

- MACHADO, Hugo de Brito; Curso de Direito Tributário; 2013; Editora Malheiros Editores;

- Parizatto, João Roberto; Multas e Juros no Direito Brasileiro; 5ª Edição; 2003; Editora Parizatto;

- SCAVONE JR, Luiz Antonio; Juros no Direito Brasileiro; 5ª Edição; 2014; Editor Forense;

- Decisão administrativa - AIIM n° 4012277-3 - Recurso Ordinário - DRTC III - Nona Câmara Julgadora - TITSP. 

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Sobre o autor
Lucas Munhoz Filho

Advogado especialista em Direito Tributário. Formado pela Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo/SP – Autarquia Municipal (2009). Pós-Graduação lato sensu em Direito Tributário pela Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo/SP – Autarquia Municipal (2012), com extensão universitária em Planejamento Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários - IBET.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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