CONTRATO DE VENDOR – CONCEITO
O contrato bancário de vendor é uma operação de financiamento de vendas baseadas no princípio de cessão de crédito. A empresa vendedora cede seu crédito ao banco, que em troca, recebe uma taxa de intermediação. O banco paga o vendedor à vista e financia o comprador. Quem contrata o crédito é o vendedor do bem, enquanto quem paga o crédito é o comprador.
A operação é formalizada com a assinatura de um convênio, com direito de regresso entre o banco e a empresa vendedora (fornecedor), e de um contrato de abertura de crédito entre as três partes, vendedor, banco e comprador.
O jurista Fábio Ulhoa Coelho destaca que o vendor está ligado à colaboração empresarial por intermediação. Por contrato, transfere-se ao banco a função de financiamento. O banco paga ao fornecedor, à vista, o valor das vendas feitas ao colaborador e cobra deste a prazo, com acréscimos remuneratórios. Comparado às alternativas outras de mútuo, geralmente o custo do crédito ao colaborador é menor, em razão de ser o fornecedor, no mais das vezes, um empresário mais forte, que presta garantia por meio de fiança.[1]
Então, no vendor há a conjugação de dois ou mais contratos bancários. Entre o fornecedor e o banco ocorre uma operação de desconto e a prestação de fiança, enquanto entre o colaborador e banco entabula-se um contrato de mútuo, por vezes sob a forma de abertura de crédito.
O Código Civil italiano traz a definição do contrato de desconto bancário em seu art. 1.858[2]: “o contrato pelo qual o banco, com prévia dedução do juro, antecipa ao cliente a importância de um crédito para com terceiro ainda não vencido, por meio da cessão do próprio credito”.
Na prática, o desconto é feito contra títulos de crédito que representam soma liquida e certa, de fácil recuperação pelo banco. É da organização dos seus serviços e pela necessidade de se precaver contra o risco de o devedor cedido não satisfazer o débito no vencimento que o banco só desconte os assim chamados créditos cartulares, é dizer, aqueles incorporados a um documento, cuja posse confere o direito de crédito de maneira exclusiva, pois só quem tem a posse do documento pode fazer valer o direito de crédito nele expresso.
Nelson Abraão sintetiza que o contrato de desconto é aquele em que o banco, com prévia dedução do juro, comissão e despesas, antecipa ao cliente a importância representada por um título de crédito, não vencido, contra terceiro, mediante endosso do próprio título.[3]
CONTRATO DE VENDOR – CARACTERÍSTICAS
O contrato de vendor é de natureza jurídica empresarial (bancária), bilateral, comutativo e oneroso.
É real porque se completa com a soma descontada entregue ao vendedor em dinheiro, isto é, inscrita a seu crédito em conta corrente, em plena disponibilidade.
É bilateral porque implica em ônus para ambas as partes. O cliente do banco tem a obrigação residual de pagar ao banco o principal, juros e custos da operação, caso não o faça o comprador. O banco deve diligenciar junto ao comprador o recebimento da dívida para se fazer pagar pelo montante disponibilizado ao vendedor, seu cliente.
É oneroso porque propicia proveito econômico a todos os contratantes, para vendedor, ao possuir a disponibilidade de quantias correspondentes a créditos ainda não vencidos, para o comprador, que recebe o financiamento e imediato acesso ao produto ou bem, e para o banco, na percepção de juros e comissões.
O CONTRATO DE VENDOR E Os Deveres Laterais (ou Anexos)
A boa-fé objetiva impõe às partes contratantes deveres que não são os centrais ou nucleares, mas que estão anexos, marginais, laterais ao contrato e que muitas vezes nem sequer foram redigidos. São obrigações advindas da justa expectativa que existe nas relações sociais em se tratar com pessoas íntegras e probas. São deveres de proteção ao contratante.
Os deveres laterais (anexos) visam a criar as condições necessárias para que o dever principal seja adimplido. Por exemplo, o dever de embalar e transportar a coisa, com segurança, que viabiliza e prepara o perfeito adimplemento de um contrato de venda e compra.
Ainda que não enseje a exigibilidade da prestação, a violação dos deveres laterais implica na possibilidade de indenização dos danos infligidos ao sujeito ativo (credor) ou a resolução do contrato.
O vendor é um contrato de colaboração. O banco colabora com o vendedor tornando o valor financeiro disponível em seu caixa. É dizer, o fornecedor pode se valer do vendor para angariar recursos vertidos para seu capital de giro, para capitalizar seus negócios, dando lhe condições para prosseguir na consecução do seu objeto social.
O fornecedor coopera com o banco porque concorda em pagar uma taxa de intermediação. Também o consumidor é favorecido porque terá prazo para pagar a mercadoria adquirida. O fornecedor coopera com o comprador porque empresta seu nome e presta garantia por meio de fiança com vistas a tornar o financiamento acessível ao comprador.
A boa-fé objetiva está presente desde a fase das tratativas à posterior execução do contrato, estabelece um padrão de conduta leal, constituindo verdadeira fonte de deveres e limitação de direitos. Assim, ela reclama uma postura ativa de cooperação e respeito. Não basta a simples abstenção de condutas, requer-se, além disso, que as partes atuem de modo a não frustrar suas expectativas.
O consumidor, tão logo contata o fornecedor, demonstra probidade. Daquele se espera lealdade para honrar pontualmente todas as prestações do contrato. O fornecedor expressa plena confiança no comprador. A este empresta o seu nome para, junto ao banco, obter o financiamento. O banco, conhecedor que é do prestigio do fornecedor, não titubeia em disponibilizar os recursos financeiros que garantam a operação. Até porque o fornecedor presta ampla garantia ao financiamento que será repassado ao comprador.
Nos contratos colaborativos interessa saber os motivos que levaram à não adoção dos comportamentos oportunistas. Paula Forgioni aponta que a adoção da colaboração está ligada à dependência recíproca derivada de investimentos específicos que não poderão ser alocados para outro negócio. O comprometimento influencia positivamente a expectativa de uma parte sobre o comportamento da outra.[4]
O contrato de vendor serve bem ao empresário que queira, por exemplo, adquirir uma máquina para empregar em seu processo produtivo. Por certo, trata-se de um ativo específico. Uma vez formalizado o contrato, de plano o empresário terá a máquina incorporada ao seu processo produtivo. E o seu comprometimento é total. Sem a máquina, não há produção.
Demais disso, a quantidade e a qualidade das informações disponíveis sobre as partes favorecem decisivamente a cooperação. O comportamento colaborativo faz-se presente quando as partes interagem repetidas vezes e cada uma delas possui significativa quantidade de informações sobre a outra parte.
É razoável que o fornecedor se cerque de todos os cuidados e busque todas as informações sobre o consumidor. O fornecedor dará a garantia que o banco reclama somente se consumidor merecer crédito. Se for reconhecidamente bom pagador. O consumidor, por sua vez, buscará por um fornecedor de boa fama, conhecido no mercado pela excelência de seus bens ou produtos.
Ante o exposto, conclui-se que os deveres laterais (ou anexos) são intrínsecos ao contrato de vendor. É cristalina a relação de cooperação estabelecida entre o banco, o fornecedor e o consumidor para a concretização do consumo que seria inviável por outros meios. Ademais, a boa-fé objetiva está presente desde os primeiros contatos entre os contratantes até a fase posterior à execução do contrato, numa demonstração de lealdade e probidade.
Bibliografia
Fábio Ulhoa Coelho, Curso de Direito Comercial, Direito de Empresa, V. 3, 17ª Ed., Revista dos Tribunais, São Paulo, 2016, 432 p.
Paula A. Forgioni, Contratos Empresariais, Teoria Geral e Aplicação, 2ª Ed., Revista dos Tribunais, São Paulo, 2016, 299 p.
Nelson Abrão, Direito Bancário, 16ª Ed., Saraiva, São Paulo, 2016, 622 p.
Notas
[1] Fábio Ulhoa Coelho, Curso de Direito Comercial, Direito de Empresa, V. 3, 17ª Ed., Revista dos Tribunais, 2016, p. 143
[2] Art. 1.858 Lo sconto è il contratto col quale la banca, previa deduzione dell'interesse, anticipa al cliente l'importo di un credito verso terzi non ancora scaduto, mediante la cessione, salvo buon fine, del credito stesso.
[3] Nelson Abrão, Direito Bancário, 16ª Ed., Saraiva, São Paulo, 2016, p. 161
[4] Paula A. Forgioni, Contratos Empresariais, Teoria Geral e Aplicação, 2ª Ed., Revista dos Tribunais, 2016, pp. 195-196