Indícios como prova em crimes de tráfico de drogas

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6. O que vem julgando os Tribunais

Conforme visto, os traficantes vêm se ocupando de perpetrar seus ilícitos de forma camuflada, às escuras, dificultando a elaboração de provas concretas da sua atividade espúria. Nesse contexto, os indícios assumem papel essencial na fundamentação de uma sentença condenatória.

Não obstante tal movimento pela aceitação, os Tribunais Superiores vem resistindo à disposição, ao passo que predomina o entendimento de que o Direito Penal não deve se fundar em meros indícios para prolatar um decreto condenatório.

Nesse sentido, há excerto do Tribunal de Justiça Catarinense que bem ilustra tal afirmação:

O direito penal não se contenta com indícios ou presunções. Para possibilitar uma condenação devem estar presentes provas suficientes acerca da autoria, materialidade e culpabilidade do agente.

Deste modo, inexistindo a certeza necessária da prática do tráfico de drogas, não podemos olvidar do princípio constitucional da presunção de inocência e da regra processual que impõe ao órgão acusatório o ônus de demonstrar a culpabilidade do acusado.[22]

Ainda, da mesma Corte:

À míngua de provas robustas da autoria delitiva, impossível a condenação do réu, não bastando, para tanto, somente a presença de indícios isolados ou a mera certeza moral do cometimento do delito.   Com efeito, no processo penal, para que se possa concluir pela condenação do acusado, necessário que as provas juntadas ao longo da instrução revelem, de forma absolutamente indubitável, sua responsabilidade por fato definido em lei como crime.[23]

APELAÇÃO CRIMINAL - TRÁFICO DE ENTORPECENTES - DESCLASSIFICAÇÃO PARA USO - DEPOIMENTOS DO POLICIAL - INDÍCIOS DA TRAFICÂNCIA - PROVAS SUFICIENTES.

I. O CRIME DE TRÁFICO DE DROGAS É MÚLTIPLO. TANTO A VENDA QUANTO O DEPÓSITO SÃO NÚCLEOS DO TIPO.

II. O DEPOIMENTO DE POLICIAL SERVE COMO PROVA, QUANDO CLARO E HARMÔNICO COM OS ELEMENTOS DOS AUTOS.

III. APELO IMPROVIDO.[24]

Conforme se infere nos julgados citados, se demandado não somente provas relapsas do crime, mas elementos que tragam certeza de sua ocorrência, mostrando certa a pratica delituosa por parte do acusado, cabendo a acusação providenciar tais provas.

Estas afirmativas figuram tão somente às condenações consubstanciadas apenas nos indícios. Todavia, quando os indícios estão amealhados às demais provas colhidas no feito – até mesmo de pequenos números ou únicas –, são hábeis a serem valorados numa decisão penal.

Nos Tribunais Superiores vem se entende que os indícios servem como prova:

APELAÇÃO CRIMINAL - TRÁFICO DE DROGAS - MATERIALIDADE COMPROVADA - AUTORIA DUVIDOSA - PROVA INSUFICIENTE - ALEGAÇÃO DE INOCÊNCIA PELO APELADO - DEPOIMENTO DE POLICIAIS - INCONCLUSIVOS - DÚVIDA RAZOÁVEL ACERCA DA PROPRIEDADE DO ENTORPECENTE - MEROS INDÍCIOS PARA CONDENAÇÃO - INSUFICIENTE - SENTENÇA ABSOLUTÓRIA - MANUTENÇÃO - APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DO IN DUBIO PRO REO - RECURSO DESPROVIDO. 1. Em que pese a materialidade do delito restar comprovada, a autoria se mostra duvidosa, diante dos inconclusivos depoimentos prestados pelas testemunhas arroladas pela acusação e da negativa apresentada pelo apelado e pelo menor que o acompanhava. 2. Muito embora existam sérios indícios da ocorrência do delito, o mesmo não se pode afirmar no que concerne à autoria, tendo em vista que o conjunto probatório se mostra precário em se a droga ¿dispensada¿ da motocicleta pertencia exclusivamente ao apelado ou se este tinha conhecimento de que o menor que o acompanhava a portava. 3. No Processo Penal vigora o princípio segundo o qual, para alicerçar um decreto condenatório, a prova deve ser clara, positiva e indiscutível, não bastando a mera possibilidade acerca do delito e da autoria fundada em indícios. 4. Sendo a prova insuficiente para a demonstração do crime, pois não permite o contexto probatório esclarecer se o réu praticou, ou não, a atividade ilícita, deve militar em seu favor o princípio do in dubio pro reo. 5. Recurso a que se nega provimento.[25]

A jurisprudência pátria entende que mesmo que o agente não seja flagrado nas condutas da Lei de Drogas atinente ao tráfico, diante de fortes indícios da sua relação com demais agentes encontrados praticando o tráfico de drogas, pode-se concluir pela sua participação no delito, pois a conduta se classifica em crime permanente[26].

Portanto, os Tribunais admitem os indícios como prova de crime de tráfico de drogas, pois, diante da precariedade da elaboração de outras provas do crime, assim como a astucia dos agentes em se ocuparem de praticar o ilícito de forma clandestina, tal medida é mister para lei penal os alcança-los.

Todavia, a aplicação de tal prova depende dos demais elementos colhidos no feito, porquanto, somente na presença de indícios, mostra-se prejudicada a condenação, surgindo dúvida no julgador, aplicando-se, nesse caso, o instituto in dubio pro reo[27].

Nesse sentido, colhe-se julgado do Tribunal de Justiça Mineiro:

APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO DE DROGAS. CONJUNTO PROBATÓRIO DUVIDOSO E INSUBSISTENTE. MEROS INDÍCIOS. INSUFICIÊNCIA PARA EMBASAR A CONDENAÇÃO. IN DUBIO PRO REO. DESCLASSIFICAÇÃO PARA O DELITO DE USO. POSSIBILIDADE. SENTENÇA REFORMADA. RECURSO PROVIDO.

- Não havendo prova segura e firme da traficância exercida pelo acusado, a existência de meros indícios não autoriza o decreto condenatório, sendo a melhor opção desclassificar a conduta para uso de drogas, nos termos do art. 28, da Lei nº 11.343/2006.[28]

Desta forma, podemos dizer que os indícios somente possuem valor probatório quando arrimado em outras provas e elementos do processo, pois, se isolado no feito, não tem a capacidade de dar ao magistrado a segurança necessária para entender pela ocorrência do delito e posterior prolatar uma decisão condenatória, sendo imperioso o julgamento em favor do réu.


7. Considerações finais

Conforme visto, os indícios são provas capazes para sustentar um edito condenatório, desde que consubstanciados em outros elementos do processo.

Assim, nos crimes de tráfico de drogas, onde as provas, não raras vezes se mostram escassas, os indícios assumem papel crucial quando da avalição do magistrado acerca da existência ou não do crime.

Portanto, é possível afirmar que os indícios servem com o prova de crime de tráfico de drogas, contudo somente quando arrimado em outros elementos encartados nos autos, pois, caso contrário, restará em dúvida acerca da sua verossimilhança, devendo, dessa forma, aplicar o instituto do in dubio pro reo.


8. Bibliografia

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BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de processo penal. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

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BRASIL. Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Quarta Câmara Criminal, Ap. Crim. 1.0301.14.003147-9/001, Relator(a): Desa. Valéria Silva Rodrigues, julgado em 14/10/2014, publicado em 20/10/2014.

BRASIL. Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Primeira Câmara Criminal, Ap. Crim. 2014.001056-1, Relator(a): Des. Paulo Roberto Sartorato, julgado em 19/08/2014.

BRASIL. Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Quarta Câmara Criminal, Ap. Crim.  2013.036564-5, Relator(a): Des. Roberto Lucas Pacheco, julgado em 20/03/2014.

BRASIL. Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Segunda Câmara Criminal, Ap. Crim. 2013.013073-6, Relator(a): Desa. Cinthia Beatriz da Silva Bittencourt Schaefer, julgado em 26/11/2013.

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MOREIRA, José Carlos Barbosa. Temas de direito processual. São Paulo: Saraiva, 1988.

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TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. 3. v. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 1997.


Notas

[1] “A prova judiciária tem um objetivo claramente definido: a reconstrução dos fatos investigados no processo, buscando a maior coincidência possível com a realidade histórica, isto é, com a verdade dos fatos, tal como efetivamente ocorridos no espaço e no tempo. A tarefa, portanto, é das mais difíceis, quando não impossível: a reconstrução da verdade” (PACELLI OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal, p. 325).

[2] in Direito processual penal e sua conformidade constitucional, p. 537.

[3] ROXIN, Claus. Strafverfahrensrecht: ein Studienbuch, 1995, p. 161.

[4] “Indício não é sinônimo de presunção, como alguns entendem: é a circunstância ou antecedente que autoriza a fundar uma opinião acerca da existência de determinado fato, ao passo que presunção é o efeito que essa circunstância ou antecedente produz, no ânimo do julgador, quanto à existência do mesmo fato. Na técnica da prova indiciária desenvolve-se, pois, um silogismo, em que a premissa menor é um fato, ou circunstância provada, que é a circunstância indiciante, e a premissa maior, que se ajusta à outra, é simplesmente problemática ou abstrata, calcada nos ensinamentos do bom senso comum” (ACOSTA, Walter P. O processo penal, p. 258).

[5] NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal comentado, p. 512.

[6] TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal, p. 348.

[7] TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal, p. 349

[8] NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal comentado, p. 512.

[9] ASSIS, Moura, Maria Thereza Rocha de. A prova por indícios no processo penal, p. 91.

[10] in A prova por indícios no processo penal, p. 96.

[11] NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas, p. 338.

[12] SIRKIS, Alfredo. Tráfico de drogas: a Hidra de Lerna, acessado em 22out2014.

[13] “consistente na sugestão da falsa informação. É a inserção de uma informação não-verdadeira em meio a uma experiência realmente vivenciada, produzindo o chamado efeito “falsa informação”, no qual o sujeito acredita verdadeiramente ter passado pela experiência falsa” (LOPES JR, Aury; DI GESU, Cristina Carla. Prova penal e falsas memórias: em busca da redução de danos, acessado em 01set2013).

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[14] “O sistema racional tem características que merecem menção: “a) as provas devem estar no processo, e somente sobre elas recai a avaliação; b) não exclui a fixação legal prévia dos meios de prova idôneos e o seu ritual, c) a qualificação da prova é livre para o julgador, com duas limitações: sua racionalidade deve submeter-se à crítica probatória científica e à equidade, e sua decisão deve ser fundamentada. Esta obrigação de fundamentar a decisão constitui uma garantia para obter que o julgador fale segundo o alegado e provado, e para que possam confrontar-se os dados probatórios com sua avaliação racional e crítica” (AQUINO, José Carlos G. Xavier de; NALINI, José Renato. Manual de processo penal, p. 205).

[15] BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de processo penal, p. 324.

[16] MUCCIO, Hidejalma. Curso de processo penal, p. 832.

[17] NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal comentado, p. 514/515.

[18] MAZZILLI, Hugo Nigro. O papel dos indícios nas investigações do Ministério Público, p. 2.

[19] NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal, p. 465

[20] in Temas de direito processual, p. 59

[21] NUCCI, Guilherme de Souza.Código de processo penal comentado, p. 514/515.

[22] BRASIL. Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Segunda Câmara Criminal, Ap. Crim. 2013.013073-6, Relator(a): Desa. Cinthia Beatriz da Silva Bittencourt Schaefer, julgado em 26/11/2013.

[23] BRASIL. Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Primeira Câmara Criminal, Ap. Crim. 2014.001056-1, Relator(a): Des. Paulo Roberto Sartorato, julgado em 19/08/2014.

[24] BRASIL. Tribunal de Justiça do Distrito Federal. Primeira Turma Criminal, Ap. Crim. 20130110315202APR, Relator(a): Desa. Sandra de Santis, julgado em 24/10/2013, publicado em 04/11/2013.

[25] BRASIL. Tribunal de Justiça do Espirito Santo. Primeira Câmara Criminal, Ap. Crim. 11110058358, Relator(a): Sérgio Bizzotto Pessoa de Mendonça, julgado em 27/06/2012, publicado em 05/07/2012.

[26] BRASIL. Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Quarta Câmara Criminal, Ap. Crim.  2013.036564-5, Relator(a): Des. Roberto Lucas Pacheco, julgado em 20/03/2014.

[27] "se o juiz não possui provas sólidas para a formação do seu convencimento, sem poder indicá-las na fundamentação da sua sentença, o melhor caminho é a absolvição" (NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal comentado, p. 689).

[28] BRASIL. Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Quarta Câmara Criminal, Ap. Crim. 1.0301.14.003147-9/001, Relator(a): Desa. Valéria Silva Rodrigues, julgado em 14/10/2014, publicado em 20/10/2014.

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Sobre o autor
Aphonso Vinicius Garbin

Bacharel em Direito pela Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Artigo originalmente publicado na Revista Bonijuris, edição nº 618, de maio 2015.

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