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A prescritibilidade da pretensão punitiva das Cortes de Contas inserta no inciso VIII do art. 71 da CF/88

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26/06/2017 às 19:55
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3. DA PRESCRITIBILIDADE DA PRETENSÃO PUNITIVA DA CORTE DE CONTAS SOB A ÓTICA DO TCU

Conforme leciona MIRANDA (1974, p. 101), “Os prazos prescricionais servem à paz social e à segurança jurídica. Não destroem o direito, que é; não cancelam, não apagam as pretensões; apenas, encobrindo a eficácia da pretensão, atendem à conveniência de que não perdure por demasiado tempo a exigibilidade ou a acionabilidade”.

No que tange às irregularidades apuradas no âmbito da jurisdição do Tribunal de Contas, aplica-se o art. 37, § 5º da CF/88, que rege a atuação de toda a Administração Pública, cuja redação aduz que a lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos que causem prejuízos ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento.

A pretensão punitiva da Corte de Contas, saliente-se, não se confunde com a pretensão ressarcitória, cujo objetivo é recompor o erário, reparando o prejuízo advindo da má gestão do dinheiro público. A diferenciação é crucial tanto no que se refere ao aspecto ontológico, como no que tange aos prazos prescricionais aplicáveis a cada uma das imputações, uma vez que a pretensão ressarcitória, com exceção daquela proveniente de ilícitos civis3, é imprescritível.

Se a própria Constituição exigiu que o legislador infraconstitucional estabelecesse os prazos de prescrição para ilícitos que causassem prejuízos ao erário, forçoso reconhecer, por conseguinte, a prescritibilidade da pretensão punitiva da Administração Pública, a incluir a Corte de Contas. Nesse sentido, inclusive, é o entendimento prevalecente do TCU, consoante enunciado do Acórdão 6201/2016 – Primeira Câmara, publicado no Boletim de Jurisprudência nº 146, de 17/10/2016:

Todas as multas aplicadas pelo TCU possuem natureza sancionatória e, dessa maneira, estão sujeitas à prescrição da pretensão punitiva, inclusive a multa proporcional ao débito (art. 57 da Lei 8.443/1992).

Todavia, até o presente momento, não sobreveio lei específica prevendo prazo prescricional para os ilícitos a serem punidos pelo Tribunal de Contas. Em não havendo dispositivo legal, a aplicação analógica de normativos existentes é o único caminho para reconhecer os efeitos inexoráveis do tempo sobre a inércia da Corte de Contas em penalizar os responsáveis.

A definição da qual o diploma legal seria aplicável ao caso, todavia, mostra-se controversa. De todo modo, tende a prevalecer, no âmbito do TCU, a corrente da aplicação do prazo geral de dez anos prevista no art. 205 do Código Civil em vigor, a contar da data de ocorrência das irregularidades:

Art. 205. A prescrição ocorre em dez anos, quando a lei não lhe haja fixado prazo menor.

Sobre o tema, reproduz-se excerto do voto exarado no Acórdão 5865/2013 – Primeira Câmara, de Relatoria do Min. Walton Alencar Rodrigues:

Desta forma, a partir do expresso texto constitucional, regras de prescrição para o exercício do poder punitivo por parte do TCU constituem matéria de estrita reserva legal.

Não é por simetria com outros diplomas legais atinentes à relação entre o Estado e o administrado que se suprem lacunas. Muito menos mediante a adoção de precedentes jurisprudenciais do Superior Tribunal de Justiça.

Em razão mesma dessa ausência de reserva legal expressa, não está Tribunal de Contas da União autorizado a autolimitar-se no encargo constitucional a si atribuído pelos artigos 70 e seguintes da Constituição Federal. Tampouco poderá dizer da sua competência em estabelecer prazos de prescrição, muito embora seja expresso na Constituição que tal só poderá ser feito por lei.

A esse respeito, chamo a atenção para o risco da excessiva limitação temporal do jus puniendi do TCU, a inviabilizar, em grande parte o poder dissuasivo que a Carta Constitucional investiu esta Corte Federal de Contas, exatamente para prevenir ou de reprimir ilícitos administrativos afetos à sua jurisdição.

A referida Corte ainda entende pela possibilidade de interrupção do prazo prescricional da pretensão punitiva do TCU na data ato que ordena a citação, a audiência ou a oitiva da parte, v. g. Acórdão 1638/2017 – Segunda Câmara (Tomada de Contas Especial, Relator Ministro José Múcio Monteiro).

Por fim, consoante disposto no Acórdão 2901/2017 Segunda Câmara (Tomada de Contas Especial, Relator Ministro Aroldo Cedraz), quando o fato irregular, ensejador da sanção, tiver ocorrido menos de dez anos antes do início da vigência da Lei 10.406/2002 (novo Código Civil), 11/1/2003, o prazo para a prescrição da pretensão punitiva do TCU (dez anos) é contado a partir dessa data.


4. DO POSICIONAMENTO DO STF

No julgamento do MS 32201/DF (MS-32201), em 21.3.2017, de relatoria do Min. Roberto Barroso, o STF anotou que, a despeito de a Lei Orgânica do TCU prever a competência do órgão na aplicação de multa pela prática de infrações submetidas à sua esfera de apuração, deixou de estabelecer prazo para exercício desse poder punitivo. Do exposto, entendeu que o normativo que mais se amolda à questão é a Lei 9.873/1999, que estabelece normas sobre a prescrição para o exercício da ação punitiva pela Administração Pública Federal e prevê, como regra geral, o prazo prescricional de 5 (cinco) anos.

Prescreve em cinco anos a ação punitiva da Administração Pública Federal, direta e indireta, no exercício do poder de polícia objetivando apurar infração à legislação em vigor, contados da data da prática do ato ou, no caso de infração permanente ou continuada, do dia em que tiver cessado. 

A Suprema Corte, na ocasião, salientou que a omissão do legislador não significava hipótese de imprescritibilidade. No caso, embora a Lei 9.873/1999 se refira a poder de polícia, aplica-se à competência sancionadora da União em geral.

Antes de prosseguir, entende-se por poder de polícia o poder-dever, de natureza instrumental, atribuído à Administração Pública com o fito de, em prol do interesse público, restringir a propriedade e a liberdade dos indivíduos.

Em cotejo à jurisprudência da Corte de Contas da União, contudo, a tese da aplicação da Lei 9.873/1999 foi especificamente afastada, dada a natureza da função sancionatória dos Tribunais de Contas, que não tem como fundamento o exercício do poder de polícia, mas sim o exercício do controle externo, de previsão constitucional, in verbis:

Com efeito, tal legislação não pode servir de paradigma à atuação desta Corte de Contas, vez que, na forma preconizada no texto constitucional, suas atribuições são bem mais amplas, não se permitindo cingi-las ao mero exercício do poder de polícia, cujo fundamento é a supremacia geral exercida pelo Estado sobre as pessoas, bens e atividades, em razão da predominância do interesse público sobre o particular. Em outras palavras, a missão deste Tribunal não consiste em 'limitar o exercício dos direitos individuais em benefício do interesse público', conceito moderno que, segundo o magistério de Maria Sylvia Zanella Di Pietro, foi adotado no Direito brasileiro (in 'Direito Administrativo', Editora Atlas, 6ª ed., p. 94).

Conforme o TCU, a relação da Administração, no exercício da função constitucional de controle externo, para com seus agentes públicos com funções administrativas, não se confunde com a relação da Administração e seus administrados no âmbito do poder de polícia. O tema, inclusive, é alvo de reiterados posicionamentos da Corte, conforme destacado nos enunciados de jurisprudência a seguir:

Não se aplicam aos processos de controle externo os prazos prescricionais previstos em normas que regulam a ação punitiva movida pela Administração Pública Federal no exercício do poder de polícia (Lei 9.873/1999), ou que disciplinam a cobrança de dívidas passivas da União, dos Estados e dos Municípios, (Decreto 20.910/1932). Com relação a cobrança de débito, são imprescritíveis as ações de ressarcimento em favor do erário. (Acórdão 825/2014 – Segunda Câmara, Data da sessão 11/03/2014, Relator Min. José Jorge)

As regras de prescrição da Lei 9.873/1999 não se aplicam ao exercício do poder punitivo por parte do TCU, por não ser norma regente da atividade de controle externo. (Acórdão 5865/2013 – Primeira Câmara, Data da sessão 27/08/2013, Relator Min. Walton Alencar Rodrigues)

A regra de prescrição para o exercício do poder punitivo pelo TCU é matéria sujeita à reserva legal, para a qual ainda não há lei específica. Diante da lacuna na Lei 8.443/1992, aplica-se aos processos de controle externo o prazo geral previsto no Código Civil, não o da Lei 9.873/1999, porquanto a atividade judicante do Tribunal não tem como fundamento o exercício do poder de polícia. (Acórdão 1683/2013 – Plenário, Data da sessão 03/07/2013, Relator Min. Walton Alencar Rodrigues)

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5. CONCLUSÃO

Se por um lado se impõe reconhecer a razoabilidade dos argumentos utilizados pelo TCU com o fito de afastar a incidência do prazo de prescrição previsto na Lei 9.873/1999 aos casos de aplicação de sanções por esta Corte de Contas, uma vez que, de fato, o exercício de controle externo não se confunde com o poder de polícia; por outro, forçoso considerar que, ao se socorrer do prazo decenal previsto no Código Civil de 2002, o TCU em muito mais se afasta dos princípios que orientam a atuação da Corte – supremacia e da indisponibilidade do interesse público, haja vista o diploma regular a relação entre particulares.

Outrossim, o STF não equiparou o poder sancionatório do Tribunal de Contas ao exercício do poder de polícia administrativo. Em verdade, a Suprema Corte entendeu por elastecer a aplicação do dispositivo legal ao poder sancionatório em geral da União, no qual se inclui a função punitiva das Cortes de Contas.

Anote-se ainda que o posicionamento adotado pelo STF deu-se por meio de uma de suas turmas, em âmbito de Mandado de Segurança, isto é, não houve posicionamento do Plenário sobre o tema, além de a tese não ser vinculante. Por seu turno, o TCU ainda não se manifestou especificamente sobre o posicionamento do STF no julgamento do MS-32201, em 21.3.2017. É preciso esperar.

De todo modo, a omissão legislativa persiste e, dado os inexoráveis efeitos do tempo, algum prazo de prescrição há de ser adotado no âmbito dos processos que tramitam nas Cortes de Contas, sob pena de ter que considerar a imprescritibilidade das sanções insertas na Lei nº 8.443/92 e nas demais leis orgânicas dos Tribunais de Contas do Estado.

O certo é que não se pode conceber a ideia de que a atividade de fiscalização da Corte de Contas possa exceder a limites protetivos do cidadão, dentre os quais se inclui a segurança jurídica.


6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

FURTADO, Caldas J.R. DIREITO FINANCEIRO. 4 edição rev., atual. e ampl., Belo Horizonte. Editora Fórum: 2014, p. 541-542.

MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Tratado de direito privado: parte geral. Tomo VI. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1974, p. 101.

WILLEMAN, Mariana Montebello. Os Tribunais de Contas e a Disregard Doctrine. Fórum Administrativo. Belo Horizonte. Ano 5, n.49, mar.2005.


NOTAS

1 Nesse sentido é o entendimento de José dos Santos Carvalho Filho, o qual defende que o Tribunal de Contas compõe o Poder Legislativo.

2 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. MS 30788 / MG – MINAS GERAIS, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão: Min. ROBERTO BARROSO, Julgamento:21/05/2015, Órgão Julgador: Tribunal Pleno.

3 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. RE 669069/MG, rel. Min. Teori Zavascki, 3.2.2016. (RE-669069)

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Sobre a autora
Mariana Andrade Vieira

Advogada, Graduada em Direito pela Universidade Federal do Ceará, Pós-graduada em Direito Constitucional Aplicado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VIEIRA, Mariana Andrade. A prescritibilidade da pretensão punitiva das Cortes de Contas inserta no inciso VIII do art. 71 da CF/88. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5108, 26 jun. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/57998. Acesso em: 17 nov. 2024.

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