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O financiamento privado de campanha política e a dignidade cívica

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10/03/2018 às 19:10
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A participação no processo político

Todos estão insatisfeitos com os rumos que a política tem tomado no Brasil, mas quando nos perguntam nas ruas quais os principais culpados dos problemas, a resposta é quase unânime: “o governo e os políticos”. E se perguntamos qual a solução, ouvimos depressa “eles deveriam fazer alguma coisa”. É compreensível que uma sociedade que não é ativamente participativa atribua a um Juiz a solução para todo imbróglio institucional que está estabelecido. Decisões sobre os rumos da política não podem ser subtraídas do cidadão sem violar seus direitos civis e políticos.

Obviamente que excluir o financiamento por pessoas jurídicas “não ensejará consequências sistêmicas sobre a arrecadação de recursos, seja porque se mantém o acesso aos recursos do fundo partidário e à propaganda eleitoral gratuita, seja porque persistiria o financiamento por pessoas naturais”, como afirmou o ministro Fux em seu voto.

Por esse motivo, para coibir que a invasão dos mercados na vida pública se perpetue, o caminho mais acertado é o da participação política. A culpa por este estado de coisas não está só na classe política, mas em nós. Quem possui a responsabilidade final em um país democrático é o cidadão e não o político. Tal responsabilidade vai além de apertar um botão na cabine de votação a cada interregno de tempo e permitir que os políticos sigam ao seu próprio arbítrio como se fossem máquinas pré-programadas.

O pacto social democrático é justamente o de participar ativamente das decisões que me dizem respeito e a toda a coletividade da qual participo. De nada adianta pedirmos por mais transparência, aumento de pena para corruptos, financiamento público para campanhas, mecanismos jurídicos de controle se não houver participação ativa da comunidade na busca por seus direitos civis. É hora de mudarmos o discurso e falarmos também sobre as grandes questões que verdadeiramente importam: justiça, moral, o papel do governo, democracia.  

Em sua origem histórica, a ideia de dignidade, dignitas, esteve associada à de status, posição social ou a determinadas funções públicas. Dignidade, portanto, tinha uma conotação aristocrática ou de poder, identificando a condição superior de certas pessoas ou dos ocupantes de determinados cargos. No século XXI a dignidade é valor de máxima grandeza, significando respeito, direitos e garantias reconhecidos a todos. Destarte, de nada adianta ter o direito sem utilizá-lo, sem lutar por ele.

Caberá a nós, em última instância, traçar limites morais ao mercado. O filósofo Kant, um dos propugnadores do conceito de dignidade, dizia que coisas são permutadas no mercado e o ser humano deve ser tratado como um fim em si mesmo. Para Kant, coisas tem preço, pessoas não, pessoas tem dignidade. As palavras de Kant vão de encontro aos interesses espúrios dos mercados em invadir searas da vida reservadas aos bens inalienáveis. Neste século XXI temos corrido o risco da própria democracia se transformar em um mecanismo de mercado, e o sistema político e representativo se decompor em um balcão de compra e venda. Todos nós sabemos que a democracia, a dignidade cívica e o espírito comunitário, assim como várias outras coisas na vida não têm preço. Presenciando atônitos, os desdobramentos da Operação Lava Jato, podemos constatar, diferente do que se imaginava, que o mercado não tem resposta para tudo. O debate que está faltando é: onde o mercado serve ao bem comum e onde ele não serve? O fato é que os mercados chegaram à vida pública, solapando nossos direitos políticos e o espírito comunitário. Está na hora de perguntarmos se queremos viver assim.


Referências:

http://www.ucs.br/etc/revistas/index.php/conjectura/article/viewFile/2195/pdf_233

http://www.luisrobertobarroso.com.br/wp-content/uploads/2010/12/Dignidade_texto-base_11dez2010.pdf

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOUZA, Diego Quixabeira. O financiamento privado de campanha política e a dignidade cívica. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5365, 10 mar. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/58189. Acesso em: 20 abr. 2024.

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