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A impossibilidade constitucional de inclusão dos crimes de calúnia, denunciação caluniosa e falsa denúncia dos crimes de estupro e estupro de vulnerável no rol de crimes hediondos:

análise da sugestão legislativa nº 7/2017

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4 Os possíveis crimes da sugestão legislativa nº 7/2017.

Conforme dito acima, o autor da sugestão legislativa provavelmente não foi, sob uma perspectiva jurídica, feliz nos termos utilizados em sua sugestão, o que não é surpreendente, pois, por se tratar de uma sugestão popular, não necessariamente adveio de um jurista ou de pessoa com costume de tratar com leis ou tem conhecimento das mesmas. Contudo, por mais que seja perdoável a possível atecnia, não pode, o direito, sobretudo o penal, ter atecnias, pois as consequências disso podem afetar a liberdade de diversos indivíduos.

Conforme dito, o autor da sugestão pode, tentando referir-se ao crime de denunciação caluniosa (art. 339 do CP), ter tocado o crime de calúnia (art. 138 do CP) ou crime de falsa denúncia (art. 140 do CP). Dada a possível imprecisão e atecnia da sugestão e a correlação e proximidade dos tipos penais citados bem como o posicionamento quanto à proposta, faz-se oportuno tratar cada uma das possibilidades, individualmente a priori e de modo geral a posteriori. Então, a priori, tratemos cada tipo de modo individualizado.

4.1 A Calúnia.

Expressamente prevista no artigo 138 do Código Penal, a calúnia é o tipo penal que abre o rol dos crimes contra a honra, título do Capítulo V, do Titulo I, que versa sobre os crimes contra a pessoa, da Parte especial do Código Penal. O art. 138 estabelece que é crime “Caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato definido como crime”. Trata-se, portanto, de um crime contra a honra.

Há muito que a honra é um bem juridicamente considerado importante, sendo a sua ofensa punida em diversos povos na história da humanidade. Conforme leciona Bitencourt[14], a “honra, independentemente do conceito que se lhe atribua, tem sido através dos tempos um direito ou interesse penalmente protegido. Na Grécia e Roma antigas, as ofensas à honra eram regiamente punidas. Entre os romanos a honra tinha o status de direito público do cidadão, e os fatos lesivos eram abrangidos pelo conceito amplo de injúria. Na Idade Média, o Direito Canônico também se ocupava das ofensas à honra”. Seguindo essa linha de punir atos atentatórios contra a honra, o direito pátrio, entre outros tipos, estabeleceu que a calúnia é um crime.

O que seria, contudo, Calúnia? Em síntese, “é a falsa imputação a alguém de fato tipificado como crime”. O que defere tal crime dos demais que se seguem são, essencialmente, as consequências, pois, se provocar a ação de autoridade, comunicando-lhe a ocorrência de crime ou de contravenção que sabe não se ter verificado, trata-se de denúncia falsa de crime; caso venha, a imputação falsa dar causa à instauração de investigação policial, de processo judicial, instauração de investigação administrativa, inquérito civil ou ação de improbidade administrativa contra alguém, tratar-se-á de uma denunciação caluniosa, ou, se houver tão somente a imputação falsa, sem provocar a ação de autoridades ou abrir processo ou qualquer outra conduta que recaia sobre os crimes de denunciação caluniosa e falsa queixa de crime, tratar-se-á de calúnia.

Sua pena prevista é de detenção de seis meses a dois anos e multa, não sendo, portanto, levando-se em conta tão somente o tamanho da pena, o crime mais reprovável ou o menos reprovável. Diante dessa pena baixa, pode-se questionar: seria justa tal pena para quem falsamente imputa a alguém um estupro ou um estupro de vulnerável, condutas hediondas de alta e histórica reprovabilidade? Não sendo justa, seria justa a sua conversão em crime hediondo? Para responder tal pergunta, tal qual nos pontos seguintes, faz-se necessária a compreensão do conceito de pena. 

4.2 A denunciação caluniosa.

A denunciação caluniosa, ao contrário de sua origem moderna, tem, leciona Bitencourt, “suas origens no distante direito romano, o qual a denominava como crime de calúnia, aplicando-lhe a partir da era de Constantino (319 a.C.), o princípio talonial, isto é, a mesma pena correspondente à ofensa que originou a denunciação. Com esse mesmo princípio punitivo, a denunciação caluniosa foi recepcionada nos tempos medievais”.

No direito pátrio, a denunciação caluniosa, na perspectiva histórica, remonta ao período do Império, em 1830. Leciona Bitencourt que, “o Código Criminal do Império de 1830 inclui a ‘denunciação caluniosa’ entre os crimes contra a honra (art. 235), e, a exemplo da legislação da época, impunha à denunciação caluniosa a mesma pena que era cominada ao crime objeto da acusação caluniosa, numa espécie de princípio da lei de talião. O Código Penal de 1890, embora adotando o mesmo princípio punitivo, incluiu a denunciação caluniosa entre os crimes contra a fé pública (art. 264)” .

Atualmente, expressamente prevista no artigo 339 do Código Penal de 1940, que dispõe como típico “Dar causa à instauração de investigação policial, de processo judicial, instauração de investigação administrativa, inquérito civil ou ação de improbidade administrativa contra alguém, imputando-lhe crime de que o sabe inocente” a denunciação caluniosa é o segundo tipo penal do rol dos crimes contra a administração da justiça, no capítulo III, do título XI que versa sobre os crimes contra a administração pública da parte especial.

Sua pena prevista é de reclusão dois anos a oito anos e multa, podendo ainda ser aumentada em um sexto se o agente se utilizar o anonimato ou de nome de suposto, conforme estabelece o parágrafo primeiro ou diminuída pela metade se a imputação é de prática de contravenção. Sua pena prevista é, portanto, a mais alta dos três que possivelmente o autor da proposta quis tornar hediondo, contudo, ainda pode-se questionar: seria justa tal pena para quem denuncia caluniosamente alguém de um estupro ou um estupro de vulnerável, condutas hediondas de alta e histórica reprovabilidade? Não sendo justa, seria justa a sua conversão em crime hediondo? Para responder a essa pergunta, tal qual no ponto anterior e no seguinte, faz-se necessária a compreensão do conceito de pena.

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4.3 A falsa denúncia.

O crime de comunicação de falsa de crime ou de contravenção, ao contrário dos tipos penais acima descritos cujas origens remontam a séculos passados, o ora dito é, frente a esses, mui recente. Assevera Bitencourt que os “antecedentes da comunicação falsa de crime ou contravenção não são muito distantes, na medida em que foi desconhecida do direito antigo, inclusive do direito medieval. Chegou, inicialmente, a ser confundida com a denunciação caluniosa, recebendo, posteriormente, a distinção necessária no Código Penal toscano (1853). Os Códigos Penais italianos (Zanardelli, 1889, e Rocco, 1930) também criminalizaram essa figura típica, exemplo seguido pelo Código Penal suíço (art. 304)”.

Expressamente prevista no artigo 340 do Código Penal, que dispõe como fato típico “Provocar a ação de autoridade, comunicando-lhe a ocorrência de crime ou de contravenção que sabe não se ter verificado” a comunicação falsa de crime ou de contravenção é o terceiro tipo penal do rol dos crimes contra a administração da justiça, no capítulo III, do título XI que versa sobre os crimes contra a administração pública da parte especial.

Sua pena prevista é de detenção um a seis meses ou multa, cabendo portanto suspensão condicional do processo conforme previsto pelo artigo 89 da Lei nº 9.099/95. Diante dessa pena baixa, pode-se questionar mais uma vez: seria justa tal pena para quem falsamente denunciar alguém de um estupro ou um estupro de vulnerável, condutas hediondas de alta e histórica reprovabilidade? Não sendo justa, seria justa a sua conversão em crime hediondo? Para responder tal pergunta, tal qual nos pontos anteriores, faz-se necessária a compreensão do conceito de pena.


5 O conceito e objetivos da Pena.

Uma ferramenta utilizada no combate aos crimes é, sem sombra de dúvidas, a pena, tanto pela por seu papel repressivo quanto por seu papel preventivo, todavia não é permitido pelo ordenamento pátrio o estabelecimento de penas absurdamente altas, pois, se isso solucionasse o problema, bastaria que todos os crimes tivessem penas perpétuas. Todas as penas possuem um limite máximo que envolve o próprio fato, devendo, obrigatoriamente o princípio da proporcionalidade, isto é, qualquer pena que seja posta, se não proporcional à conduta delituosa, fere o princípio constitucional da proporcionalidade, não devendo ser aplicada por ser, por consequência, inconstitucional. 

Nullum crimem sine poena. A antiga máxima ora posta, em tradução simples, significaria que “não existe crime sem pena”, isto é, para existir crime, deve haver uma pena a ele cominada. O que seria, contudo, pena? Nucci explica que pena é “a SANÇÃO imposta pelo Estado, através da ação penal, ao criminoso, cuja finalidade é a retribuição ao delito perpetrado e a prevenção a novos crimes”. Diante do presente conceito, temos assim que pena possui três grandes características, quais sejam (I) SANÇÃO imposta pelo Estado, (II) é uma retribuição ao delito (III) e busca prevenir novos crimes.

No que toca o primeiro ponto, qual seja uma sanção imposta pelo Estado, cumpre analisar que cabe tão somente ao Estado o direito de punir a qualquer cidadão que esteja sob suas leis, isto é, veda-se por completo em nosso atual ordenamento a possibilidade de vingança privada como forma de “justiça”. Importante explicar que o poder de punir que o Estado possui não lhe é advindo de sua existência, mas em verdade lhe adveio da concessão de pequenas liberdades individuais do povo e, conforme explica Cesare Beccaria[15], o “conjunto de todas essas pequenas porções de liberdade é o fundamento do direito de punir”.

O segundo ponto é a característica de ser uma retribuição ao delito, devendo, portanto, ser proporcional ao mesmo. Essa característica é a base para a impossibilidade da inclusão dos crimes de calúnia, denunciação caluniosa e queixa falsa de crime de estupro e estupro de vulnerável no rol de crimes hediondos, pois a pena não deve ir além da devidamente proporcional ao delito, sob pena de ser injusta! Além do exposto, há que se falar que as penas não existem sem sentido ou por mero acaso em nosso ordenamento pátrio. Historicamente falando, surgiram três correntes tentando explicar qual o objetivo da pena, quais sejam (I) a teoria absoluta da pena, (II) a teoria relativa da pena, e (III) a teoria mista da pena.

De acordo a primeira teoria, a teoria absoluta ou retributiva da pena, a função primordial da pena é punir o agente causador por sua ação criminosa, isto é, a pena tem um caráter e objetivo essencialmente punitivo ou retributivo.

Conforme a segunda teoria, a teoria relativa ou preventiva da pena, a função primordial da pena é prevenir que novos crimes sejam cometidos, isto é, a pena te um caráter e objetivo essencialmente preventivo.

A terceira teoria por sua vez é a chamada teoria mista da pena que, conforme permite entender o próprio nome da mesma, a pena possui um duplo viés almejando tanto punir as ações criminosas cometidas (teoria absoluta da pena) quanto promover uma prevenção geral (teoria relativa da pena).

Isso posto, seria justo e adequado um aumento na punição dos crimes já explicados na tentativa de dar uma punição maior a ação criminosa e/ou que seria adequado para prevenir que essas condutas permaneçam acontecendo tornado os crimes acima elencados hediondos? A resposta requer, necessariamente, a explicação do princípio da proporcionalidade bem como os riscos da sugestão legislativa nº 7/2017. 

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Sobre os autores
Breno Vince Freitas Costa Araújo

Mestrando em Planejamento e políticas públicas pela Universidade Estadual do Ceará (2023.2 - atual); Bacharel Magna Cum Laude em Direito pela Universidade federal do Ceará (2014.2 - 2018.1), Advogado devidamente inscrito na ordem sob o número 40.056 OAB/CE. Foi Coordenador no Núcleo Interdisciplinar em Direito e Literatura - NIDIL - da Universidade Federal do Ceará (2016 - 2017). Foi pesquisador no Grupo de pesquisa Direito e Democracia (2014) da Universidade Federal do Ceará. Pós-graduado em Direito do Trabalho e Direito Previdenciário (2020.1 - 2022.1) na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG) Tem maior interesse, até agora, em Direito Civil e Direito Processual Civil

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MAIA, Daniel ; ARAÚJO, Breno Vince Freitas Costa. A impossibilidade constitucional de inclusão dos crimes de calúnia, denunciação caluniosa e falsa denúncia dos crimes de estupro e estupro de vulnerável no rol de crimes hediondos:: análise da sugestão legislativa nº 7/2017. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5259, 24 nov. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/58433. Acesso em: 18 dez. 2024.

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