Na visão desinteressada de grandes juristas, como Hans Kelsen, a norma jurídica admite mais de uma interpretação e será razoável, sendo ridícula, todavia, a que resulta de uma grosseira "forçação de barra".
A recente decisão do TSE, por decisão de quatro de seus Ministros, que não acolheu o pedido de cassação da chapa DILMA/TEMER, não só indignou muitos estudiosos e aplicadores do direito, como principalmente juízes que, em primeiro grau, vão continuar a atuar na jurisdição eleitoral, preocupados com que, quando dos próximos julgamentos, não possam mais considerar fatos públicos e notórios ocorridos após o pedido inicial.
Em alguns escritos divulgados nas redes sociais, como o do meu ilustre ex-aluno da UNIFOR e hoje, brilhante Juiz do Estado do Rio Grande do Norte, Dr. Herval Sampaio Junior, vários juízes de primeiro grau, que só assumem o cargo após aprovado em rigoroso concurso público e, portanto, não dependendo de ingerência de políticos, estão preocupados com processos eleitorais que têm a julgar.
Gostaria, porém, de tranquilizá-los, por duas razões: a) as normas jurídicas, como o Código de Processo Civil (art.493); Lei Complementar nº 64 (arts. 7º, parág. único e 23, este, de meridiana clareza, prescrevendo que o Tribunal formará sua convicção pela livre apreciação dos fatos públicos e notórios, dos indícios e presunções e prova produzida, atentando para circunstâncias ou fatos, ainda que não indicados ou alegados pelas partes, mas que preservem o interesse público de lisura eleitoral.), lei essa própria e específica para a interpretação das questões eleitorais e, ainda, conforme argumento do partido Rede Sustentabilidade que, no dia 12/6, pediu ao STF a anulação dessa recente decisão do TSE, afirmando que ele, em 2014, decidiu por unanimidade, pela validade de um artigo da Lei das Inelegibilidades, que não só permite mas impõe ao juiz o dever de considerar, por ocasião do julgamento, fatos públicos e notórios, mesmo que não tenham sido alegados pelas partes na ação inicial em que é pedida a cassação de um mandato, principalmente quando existirem crimes gravíssimos, porque implicam em desequilíbrio do pleito eleitoral; b) porque o atual TSE, em pouco tempo, não terá mais em seus quadros os Ministros que desconsideraram tais provas e a legislação específica.
No mesmo dia 12/6, conforme Folha de SP, o Min Fux disse que “não conseguiu se curvar à idéia de que se estava discutindo uma questão de fundo seríssima e se estava utilizando um artifício dizendo “não, não, isso não estava na ação”, se referindo à exclusão das delações da Odebrecht e de João Santana e Mônica Moura, nos votos de Gilmar Mendes, Admar Gonzaga, Tarcísio Vieira e Napoleão Maia.
Tanto a Rede, como outros Partidos Políticos afirmam que recorrerão ao STF para buscar a nulidade desse julgamento por maioria do TSE, o que é também juridicamente possível, eis que, a despeito de em Recurso Extraordinário não se permitir reexame de prova, a nossa mais alta Corte Judicante tem admitido, reiteradamente, a valoração da prova. É que reexame de prova em Recurso Extraordinário, proibido, não tem absolutamente nada com valoração da prova, que é plenamente admitida.
A história registrará o que disse o Min. Herman Benjamin, de “que não será coveiro de prova viva”.
O povo brasileiro, e nós juízes, sem dúvida que ultrapassaremos este momento de conflitos complexos e deveremos seguir julgando tal como nos autoriza a fartíssima legislação (CPC, Lei de Inelegibilidade e LC 64), que não só permite, como impõe um dever ao juiz, de considerar, quando do julgamento, fatos públicos e notórios, mormente quando gravíssimos, mesmo que não tenham sido alegados pelas partes na ação inicial em que é pedida a cassação de mandatos.
Portanto, é de meridiana clareza o art. 23 da LC 64/90: “O Tribunal formará sua convicção pela livre apreciação dos fatos públicos e notórios, dos indícios e presunções e prova produzida, atentando para circunstâncias ou fatos, ainda que não indicados ou alegados pelas partes, mas que preservem o interesse público de lisura eleitoral”. Em nenhum momento a Lei especifica fala em preservar o “interesse do Governo”, senão o interesse público de lisura eleitoral .
A única prova que o juiz não poderá jamais acolher e validá-la, por violar direta e especificamente a Constituição Federal, que juramos cumprir, é a ilícita ou a obtida ilicitamente, porque o verdadeiro juiz julga com a lei, aplica-a, mesmo dela discordando, salvo se contrária à nossa Carta Magna, só devendo se ajoelhar diante de Deus, expressões essas que as utilizamos, desde a década de 90, em nossas sentenças e livros.
Não desanimemos como juízes, porque o Brasil é bem maior do que tudo isso. Tudo que é bom e, principalmente, ruim, passa.