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Proteção constitucional e legal ao direito à privacidade dos usuários dos serviços de telecomunicações e internet

12/06/2018 às 16:00
Leia nesta página:

O artigo trata da proteção constitucional e legal ao direito à privacidade dos usuários dos serviços de telecomunicações e internet, destacando as disposições do Marco Civil da Internet.

O presente artigo trata da proteção constitucional e legal ao direito à privacidade dos usuários dos serviços de telecomunicações e internet.

O propósito é esclarecer os limites constitucionais e legais a respeito da divulgação de dados pessoais, tais como: endereços residenciais e número de telefones fixos e celulares na internet.

Em foco está a análise da possível ilegalidade e abusos nas práticas, nas atividades de coleta, armazenamento e divulgação de dados pessoais dos usuários dos serviços de telefonia fixa e móvel e internet.

A Constituição Federal garante o direito fundamental à privacidade, em seu art. 5º, inc. X, garantia esta aplicável a todos os usuários dos serviços de telecomunicações e internet, sejam pessoas naturais ou jurídicas.

Este direito fundamental à privacidade tem aplicabilidade direta em relação aos responsáveis por sites na internet que configurem aplicações. Este direito fundamental vincula os particulares, com o estabelecimento de limites à atuação de terceiros, estranhos à relação jurídica entre prestadora do serviço de telecomunicações e do serviço de conexão à internet, e os respectivos usuários.

É importante destacar o direito à privacidade empresarial, o qual assegura às empresas a proteção de seus dados pessoais. Daí a necessidade de proteção efetiva aos dados pessoais diante de riscos causados por sites que expõe informações pessoais.

Está também em questão o direito à autodeterminação informativa, referido pela doutrina jurídica mais moderna, o qual assegura às faculdades quanto ao controle da utilização dos dados pessoais, aí incluídos o nome, número de telefonia fixa e celular, endereço residencial e endereço de e-mail.

No âmbito internacional, a Resolução das Nações Unidas n. 68, aprovada em dezembro de 2013, trata do direito à privacidade na era digital.

Esta resolução considera ilegal e arbitrária a coleta de dados pessoais, considerado ato invasivo, e que viola os direitos à privacidade e liberdade de expressão, bem como os valores da sociedade democrática. Também, afirma que as pessoas devem ser protegidas no ambiente online, incluindo o direito à privacidade.

A regulação setorial dos serviços de telecomunicações e serviços de conexão à internet e aplicações trata do tema dos direitos à privacidade dos usuários.

A Lei Geral Telecomunicações, em seu art. 3º, inc. IX, garante o direito à privacidade quanto aos dados pessoais dos usuários dos serviços de telecomunicações.

Também, assegura o direito à reparação dos danos causados pela violação dos direitos dos usuários dos serviços de telecomunicações.

Especialmente, a Lei Geral de Telecomunicações garante o direito do usuário do serviço de telecomunicações à não divulgação, caso o requeira, de seu código de acesso.

Ora, esta regra legal deve ser interpretada conforme a Constituição Federal, especialmente com a devida consideração ao direito fundamental à privacidade.

A divulgação do código de acesso do usuário do serviço de telefonia fixa somente pode ocorrer se houver autorização prévia do mesmo. Se não houver o consentimento prévio do usuário, a divulgação dos seus dados pessoais é evidentemente ilegal.

O direito à privacidade não admite a divulgação pública do nome e do código de acesso, em lista de assinantes, sem o consentimento prévio do  usuário. De nada adianta oferecer ao usuário, após a divulgação pública dos dados pessoais, a possibilidade  de exclusão de seu nome e código de acesso. Este tipo de prática não é compatível com a Constituição, nem com  a legislação em vigor.

Não se desconhece que a Lei Geral de Telecomunicações, em seu art. 213, dispõe que será livre a qualquer interessado a divulgação, por qualquer meio, de listas de assinantes do serviço telefônico fixo comutado destinado ao uso do público em geral.

Ocorre que este mesmo dispositivo legal permite a divulgação da lista de assinantes do serviço de telefonia fixa, desde que observados o direito à privacidade e o direito à não divulgação do código do assinante, salvo se houver consentimento.

Ora, a interpretação legal deve ocorrer adequadamente, conforme a delimitação do âmbito normativo da regra. O art. 213 da Lei Geral de Telecomunicação permite às empresas de telecomunicações de lista de assinantes do serviço de telefonia fixa.  

Ou seja, há apenas a autorização legal para divulgação de listas telefônicas no sentido tradicional do termo (exemplares impressos, sob a forma física). Isto porque é este o sentido originário da lei, permitir a edição de listas telefônicas impressas, medida mais restrita de divulgação pública da lista de assinantes.

 Além disso, o nome, o endereço e o número do telefone são informações pessoais, não são de interesse público. Encontram-se no âmbito normativo do direito à privacidade. Podem até ter utilidade pública, o que não significa que este tipo de dados pessoais possam ser divulgados,  maciçamente por site acessível a qualquer pessoa. Ou seja, evidente que autoridades públicas podem ter acesso a este tipo de informação, nas hipóteses previstas em lei. Pensar de modo contrário, é simplesmente ignorar a força normativa do direito fundamental à privacidade, o qual vincula todas as pessoas particulares e os poderes públicos. 

Mas, não há autorização legal para divulgação de lista de assinantes, mediante sites na internet. Ora, este tipo de medida de lista de assinantes digital, publicada em  site, representa a máxima divulgação pública de dados pessoais, tais como: nome, endereços e número de telefones.

Evidentemente, esta prática é contrária à finalidade originária da Lei Geral de Telecomunicações que buscou compatibilizar a proteção ao direito ao usuário do serviço de telecomunicações, mediante com a garantia de não divulgação de seu código de assinante, salvo se houvesse autorização prévia do mesmo. Assim, a divulgação de lista de assinantes, no formato impresso, é evidentemente muito de divulgação restrita do que a publicação da lista em canal digital (site da internet). Daí a irrazoabilidade e desproporcionalidade deste modelo de site de exposição de dados pessoais dos usuários de telecomunicações, diante do direito à privacidade. 

Daí porque da interpretação da referida lei não é possível criar uma autorização não contemplada em seu sentido originário. Repita-se o objetivo do legislador foi assegurar a edição de listas telefônicas, sob a forma impressa. Até porque na época da aprovação da Lei Geral de Telecomunicações, no ano de 1997, não havia a plataforma de internet, tal como conhecida nos moldes atuais. 

E mais, o art. 213 da Lei Geral de Telecomunicações refere-se unicamente aos serviços de telefonia fixa. Não há autorização para divulgação de lista de assinantes dos serviços de telefonia móvel.

É possível a arguição inconstitucionalidade deste art. 213 da Lei Geral de Telecomunicações, por ofensa ao direito fundamental à privacidade, estabelecido na Constituição Federal. Ora, o usuário do serviço de telefonia fixa tem o direito à privacidade quanto à não divulgação de seu código de acesso à rede de telefonia fixa.

Em síntese, é possível o controle da constitucionalidade do art. 213 da Lei Geral de Telecomunicações, diante do direito fundamental à privacidade, no Supremo Tribunal Federal. Há o limite constitucional, representado pelo direito à privacidade, à atividade legislativa. Daí a possibilidade de declaração de inconstitucionalidade parcial do art. 213 da Lei Geral de Telecomunicações, sob a ofensa ao direito à privacidade.   

É importante fazer a interpretação mais adequada da Lei Geral de Telecomunicações a respeito do direito à privacidade dos usuários dos serviços de telecomunicações.

Ora, há clareza da Lei Geral de Telecomunicações sob a preponderância do direito à privacidade quanto à não divulgação do código de acesso do usuário nos serviços de telecomunicações.

Assim, a conclusão inafastável é no sentido da necessidade do consentimento prévio do usuário quanto à divulgação de código de acesso, por terceiros, integrante de lista de assinantes.

Na hipótese de divulgação do código de acesso, sem o consentimento prévio do usuário, há violação à Lei Geral de Telecomunicações. Daí o dever de exclusão do código de acesso de usuários de lista de assinantes se não houver autorização dos mesmos.

Além disso, a referida Lei Geral de Telecomunicações trata da hipótese de autorização para divulgação de lista de telefone, na hipótese dos serviços de telefonia fixa, ora sob o regime público.

Não há autorização legal para divulgação  dos números dos celulares dos usuários do serviço móvel pessoal, sob o regime privado. Daí a possível ilegalidade das práticas do site que expõe números de celulares dos usuários do serviço móvel pessoal.

No âmbito infralegal, a Resolução da Anatel 66/1998, que aprova o regulamento sobre divulgação de listas de assinantes e de edição e distribuição de  lista telefônica obrigatória e gratuita.

Ocorre que esta Resolução fundamenta apenas a divulgação de informações sobre assinantes de telefonia fixa.  Não autoriza a divulgação de números de telefones celulares.

Segundo ainda o art. 3º da Resolução 66/98 a prestadora é responsável por assegurar o respeito à privacidade do assinante do serviço de telefonia fixa na utilização de dados pessoais constantes de seu cadastro.

Por outro lado, a Resolução 345/2003 aprova o regulamento sobre fornecimento de relação de assinantes pelas prestadoras do serviço telefônico fixo comutado na modalidade de serviço local.  Esta Resolução trata unicamente da divulgação de lista de assinantes nos serviços de telefonia fixa.

A Resolução 477/2007 da Anatel, que aprova o regulamento do serviço móvel pessoal, garante a não divulgação de seu nome associado a seu código de acesso, salvo expressa autorização. E, ainda, a obter, gratuitamente, mediante solicitação, a não divulgação ou informação do seu código de acesso para a estação de telecomunicações chamada, respeitadas as restrições técnicas.

Assim, é da responsabilidade da prestadora do serviço de telefonia fixa a reparação dos danos causados ao assinante pela inobservância das garantias à privacidade.

Em síntese, há obrigação legal das empresas de telecomunicações quanto à guarda dos dados pessoais dos respectivos usuários. Assim, se houver vazamento do banco de dados sobre os usuários dos serviços de telecomunicações, sob guarda das empresas de telecomunicações, compete a Anatel fiscalizar os procedimentos adotados à relação à proteção da privacidade dos respectivos usuários. Portanto, as empresas de telecomunicações não podem divulgar dados pessoais dos seus clientes, salvo houve consentimento prévio dos mesmos, eis que vinculadas à eficácia normativa do direito fundamental à privacidade. 

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Com efeito, talvez seja o caso da Anatel revisar a regulação setorial, para maior efetivação dos direitos à privacidade e à proteção dos dados pessoais dos usuários dos serviços de telecomunicações. A propósito, o Regulamento do Marco Civil da Internet dispõe: "Art. 17. A Anatel atuará na regulação, na fiscalização e na apuração de infrações, nos termos da Lei n. 9.472, de 16 de julho de 1997".

Aliás, nos contratos de consumo dos serviços de telecomunicações e internet devem conter cláusulas claras a respeito da necessidade do consentimento prévio do usuário quanto à divulgação de seus dados pessoais, perante terceiros, sob pena de nulidade.

Também, compete ao Ministério da Justiça apurar a eventual prática contrária à lei brasileira do site que expõe dados pessoais dos usuários dos serviços de telecomunicações e conexão à internet.

E, ainda, na Resolução 632/2014, que aprova o Regulamento Geral de Direitos do Consumidor dos Serviços de Telecomunicações, há garantia da privacidade na utilização dos dados pessoais dos usuários pela prestadora dos serviços.

O Marco Civil da Internet, igualmente, garante o direito à privacidade, bem como a proteção dos dados pessoais,  dos usuários dos serviços de conexão a internet e aplicações. Esta lei incide sobre os provedores de conexão à internet, bem como os provedores de aplicações.

O site que expõe dados pessoais dos usuários dos serviços de telecomunicações e internet pode ser classificada como aplicação de internet, conforme o Marco Civil da Internet. Isto porque esta aplicação de internet  realiza as atividades de guarda e disponibilização de dados pessoais, assim enquadrável no art. 10 do Marco Civil da Internet.  

Segundo o Marco Civil da Internet garante-se o direito do usuário ao não fornecimento a terceiros de seus dados pessoais, inclusive registros de conexão e acesso a aplicações de internet, salvo mediante consentimento livre, expresso e informado ou nas hipóteses previstas em lei.

Por óbvio, portanto, que o endereço de e-mail do usuário do serviço de conexão à internet integra o âmbito normativo do direito à privacidade, somente podendo ser repassado a terceiros na hipótese de consentimento do seu titular. Daí outra possível ilegalidade do site que expõe os endereços de e-mails dos usuários dos serviços de conexão à internet.  

O Marco Civil da Internet é expressamente claro:

"Art. 16. Na provisão de aplicações de internet, onerosa ou gratuita, é vedada a guarda: I - dos registros de acesso a outras aplicações de internet sem que o titular dos dados tenha consentido previamente, respeitado o disposto no art. 7º, ou II - de dados pessoais que sejam excessivos em relação à finalidade para a qual foi dado consentimento pelo seu titular".

Aqui, é importante destacar a atualidade do Marco Civil da Internet quanto à proteção dos dados pessoais dos usuários das aplicações de internet, especialmente quanto à necessidade de consentimento prévio para a utilização de dados pessoais.

Além disso, é possível a suspensão, bloqueio ou proibição das atividades do referido site que faz coleta, armazenamento e divulgação de dados pessoais dos usuários, sem o consentimento prévio dos respectivos titulares, por ofensa à legislação brasileira, especialmente por ofender o art. 12 do Marco Civil da Internet.

A título conclusivo, a exposição de dados pessoais dos usuários dos serviços de telecomunicações e conexão à internet (tais como: e-mail, endereço e celular), por site anônimo na internet, sem o consentimento livre, expresso e informado dos titulares, é ofensiva ao direito à privacidade, previsto na Constituição Federal, no art. 5º, inc. X, à Lei Geral de Telecomunicações e ao Marco Civil da Internet.

Também configura prática abusiva contra os direitos à privacidade, à vida privada e à segurança pessoal. Trata-se de prática de invasão à privacidade dos dados pessoais dos usuários dos serviços de telecomunicações e internet, com sérios danos aos direitos fundamentais.

O desrespeito ao direito fundamental à privacidade fundamenta tanto ações preventivas quanto ações de reparação de danos morais e materiais, individuais e coletivas.

Daí porque os responsáveis por site que exponha dados pessoais, ainda que hospedado em território estrangeiro, podem ser objeto de apuração de responsabilidade quanto à ofensa à legislação brasileira, bem como responder por eventuais danos materiais e danos morais individuais e à coletividade.  

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Sobre o autor
Ericson Meister Scorsim

Advogado e Consultor em Direito Público, com foco no Direito das Comunicações (Telecomunicações e Internet). Sócio Fundador do Escritório Meister Scorsim. Mestre em Direito pelo UFPR. Doutor em Direito pela USP.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SCORSIM, Ericson Meister. Proteção constitucional e legal ao direito à privacidade dos usuários dos serviços de telecomunicações e internet. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5459, 12 jun. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/58590. Acesso em: 19 mar. 2024.

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