INTRODUÇÃO
É cediço que os bens do sócio de uma pessoa jurídica não respondem, em caráter solidário, por dívidas fiscais assumidas pela sociedade, tendo em vista o princípio da autonomia patrimonial. É o patrimônio social que responde pelas dívidas sociais, via de regra.
Nos termos do art. 158, I e II, da Lei 6.404/76, os diretores não são responsáveis pessoalmente pelas obrigações contraídas em nome da sociedade, mas respondem para com esta e para com terceiros solidária e ilimitadamente pelo excesso de mandato e pelos atos praticados com violação do estatuto ou da lei.
De acordo com o art. 135, III, do CTN, a responsabilidade tributária imposta ao gerente, administrador ou diretor de pessoa jurídica só se caracteriza quando ele atua com excesso de poderes ou age em desconformidade com a lei, o estatuto ou o contrato social. O simples inadimplemento de obrigação tributária não configura infração legal, não gerando, por si só, a responsabilidade do sócio-gerente, consoante a clássica súmula 430 do STJ.
De outro modo, o não funcionamento da empresa em seu domicílio fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes, caracteriza uma infração à lei que disciplina a dissolução de sociedade (Código Civil). Nesse caso, há a presunção de que a empresa foi dissolvida irregularmente, gerando a responsabilidade do sócio-gerente, nos termos da súmula 435 do STJ.
Para concretizar essa responsabilização, faz-se necessário o redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente da empresa. Ao longo desse artigo, serão abordadas as peculiaridades e vicissitudes que envolvem a temática, no âmbito da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.
1. CERTIDÃO DE DÍVIDA ATIVA E ÔNUS DA PROVA
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça no tocante a quem incumbe provar a prática de atos com excesso de poderes ou com infração à lei, contrato social ou estatuto, para fins de redirecionamento da execução fiscal, fundamenta-se basicamente na inclusão ou não do sócio-gerente na Certidão de Dívida Ativa editada pela Fazenda Pública.
No julgamento do EREsp 702.232/RS, realizado em 2005, o entendimento da Corte firmou-se no sentido de que, se o nome do sócio-gerente não consta na CDA, e o Fisco pretende incluí-lo no polo passivo da execução fiscal, incumbe a este demonstrar a presença de um dos requisitos do art. 135 do CTN, como a infração à lei caracterizada pela dissolução irregular da empresa supostamente levada a efeito pelo sócio-gerente. Tal entendimento é reforçado pela súmula 392 do STJ, que estabelece ser vedada a modificação do sujeito passivo da execução em sede de substituição da CDA, cabendo ao Fisco demonstrar a configuração de algum dos casos em que o CTN prevê a responsabilização do sócio-gerente.
Entretanto, ainda com base no mesmo julgado, se o nome do sócio-gerente consta na CDA, juntamente com a pessoa jurídica, e a execução fiscal é proposta contra ambos, àquele compete provar que não agiu com excesso de poderes, nem cometeu ato com infração à lei, ao contrato social ou ao estatuto. Essa conclusão decorre da presunção (juris tantum) de liquidez e certeza da Certidão de Dívida Ativa, nos termos preconizados pelos arts. 204 do CTN 3˚ da Lei 6.830/80. Tal entendimento também se aplica no caso de a execução ser proposta apenas contra a pessoa jurídica e de constar, na CDA, o sócio-gerente como corresponsável tributário.
No citado precedente, o STJ não abordou a necessidade de a Fazenda Pública constar, na notificação do lançamento enviada ao sócio-gerente, a ação ou omissão que lhe estivesse sendo imputada como fundamento para sua responsabilização, de modo a legitimar a inclusão do seu nome na CDA. A ausência de decisão a respeito tem levado o Fisco a não adotar essa providência, acarretando, mesmo nesse caso, a inversão do ônus da prova em desfavor do sócio-gerente cujo nome consta na Certidão de Dívida Ativa, o que não deixa de ser uma arbitrariedade cometida pela Fazenda Pública, que se vale da presunção acima aludida.
2. FATO GERADOR DA OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA E DISSOLUÇÃO IRREGULAR DA EMPRESA EM ÉPOCAS DISTINTAS
No âmbito do Superior Tribunal de Justiça, a questão referente à necessidade de permanência do sócio na gerência, desde a ocorrência do fato gerador da obrigação tributária até a dissolução irregular da empresa, é tormentosa e gera muita divergência.
Inicialmente, o STJ entendia ser relevante a data da ocorrência do fato gerador para aferir a responsabilidade do sócio-gerente pelo pagamento do tributo inadimplido quando da dissolução irregular da empresa. No julgamento do REsp 276.779/SP, realizado em 2001, a Corte decidiu que o fato de o sócio ter se retirado da sociedade em data anterior à da ocorrência do fato gerador da obrigação tributária discutida constitui suporte jurídico para excluí-lo de qualquer responsabilidade.
Em 2009, no julgamento dos EDcl nos EDcl no AgRg no REsp 1.009.997/SC, e mais recentemente, em 2014, no julgamento do AgRg no AREsp 527.515/SP, o STJ afirmou que o pedido de redirecionamento da execução fiscal, quando fundado na dissolução irregular da empresa, pressupõe a permanência de determinado sócio na gerência da empresa no momento da ocorrência dessa dissolução, que é, de fato, o que desencadeia a responsabilidade pessoal do sócio-gerente. Nesse julgado, ficou consignado que seria necessário demonstrar quem ocupava o posto de gerente no momento da dissolução e quem era o detentor da gerência no momento do vencimento do tributo, sendo imprescindível que fossem a mesma pessoa para que ocorresse o redirecionamento da execução fiscal, uma vez que “só se dirá responsável o sócio que, tendo poderes para tanto, não pagou o tributo (daí exigir-se seja demonstrada a detenção de gerência no momento do vencimento do débito) e que, ademais, conscientemente, optou pela irregular dissolução da sociedade (por isso, também exigível a prova da permanência no momento da dissolução irregular)”.
Em maio de 2015, parecendo que a Corte consolidaria esse entendimento, a Primeira Turma do STJ reafirmou o quanto exposto acima, definindo as seguintes orientações: o redirecionamento da execução fiscal ao sócio, em razão de dissolução irregular da empresa, pressupõe a respectiva permanência no quadro societário ao tempo da dissolução; e o redirecionamento não pode alcançar os créditos cujos fatos geradores são anteriores ao ingresso do sócio na sociedade (AgRg no REsp 1.402.734/PE).
Contudo, um mês depois, em junho de 2015, a Segunda Turma do STJ, fundamentando-se no disposto no art. 135, III, CTN, e na orientação constante da súmula 435, considerou irrelevantes para a definição da responsabilidade por dissolução irregular (ou sua presunção) a data da ocorrência do fato gerador da obrigação tributária, bem como o momento em que vencido o prazo para pagamento do respectivo débito, pois o que desencadeia a responsabilidade tributária é a infração de lei evidenciada na existência ou presunção de ocorrência de referido fato. De acordo com esse entendimento, para que ocorra o redirecionamento da execução fiscal, é prescindível que o sócio contra o qual se pretende redirecionar o feito tenha exercido a função de gerência no momento dos fatos geradores e da dissolução irregular da sociedade.
Essa parece ser a conclusão mais acertada, tendo em vista que não é o inadimplemento do tributo que gera a responsabilidade do sócio-gerente, e sim o cometimento de ilícitos por parte deste, o que pode acontecer na mesma época da ocorrência do fato gerador ou não, como numa futura dissolução irregular.
Ademais, a adoção do entendimento anterior estimula a fraude e a sonegação, sendo prejudicial à coletividade, uma vez que a Fazenda Pública deixaria de arrecadar recursos para satisfazer as necessidades sociais. Ilustrativamente, se os administradores de uma empresa à época do fato gerador não pagam o tributo e saem da sociedade, passando a administração para terceiros, e estes dissolvem irregularmente a sociedade, nesse caso, ao se adotar o entendimento anterior, não se poderia responsabilizar o sócio administrador à época do fato gerador, pois o inadimplemento não implica responsabilidade tributária, nem se poderia responsabilizar o sócio administrador que deu causa à dissolução irregular, pois não exercia a administração à época do fato gerador.
Outrossim, é quase impossível à Fazenda Pública demonstrar que a saída dos anteriores administradores se deu com intenção fraudulenta. Se for comprovada, ensejará, como cediço, a responsabilização dos infratores da lei.
3. RESPONSABILIDADE DA EMPRESA DISSOLVIDA IRREGULARMENTE
Interpretando literalmente o art. 135, III, do CTN, há quem entenda que a responsabilidade do sócio-gerente é pessoal, e não solidária, de modo que, com o redirecionamento, a execução fiscal voltar-se-ia exclusivamente contra o seu patrimônio, deixando a pessoa jurídica de responder pelos créditos tributários.
Contudo, o STJ consolidou o entendimento de que a responsabilidade do sócio-gerente, por atos de infração à lei, é solidária, o que pode ser percebido na própria súmula 430, em sua parte final (interpretação a contrario sensu).
No julgamento do REsp 1.455.490/PR, realizado em 2014, a Corte sedimentou o entendimento de que não há exclusão da responsabilidade da pessoa jurídica em caso de dissolução irregular, defendendo a possibilidade de cumulação subjetiva em regime de litisconsórcio em sede de execução fiscal. Fundamentou-se na existência de causas distintas e independentes que ensejaram a responsabilidade tributária e, por consequência, a definição do polo passivo da demanda. No caso da pessoa jurídica, “a responsabilidade decorre da concretização, no mundo material, dos elementos integralmente previstos em abstrato na norma que define a hipótese de incidência do tributo”. Em relação ao sócio-gerente, “o ‘fato gerador’ de sua responsabilidade (...) não é o simples inadimplemento da obrigação tributária, mas a dissolução irregular (ato ilícito)”.
Ademais, a prática de ato ilícito imputável ao sócio-gerente, posterior à ocorrência do fato gerador, não afasta a inadimplência imputável à pessoa jurídica, nem anula ou invalida o surgimento da obrigação tributária e a constituição do respectivo crédito, que subsistem normalmente.
Adotando-se entendimento contrário, ou seja, se a dissolução irregular excluísse a responsabilidade tributária da pessoa jurídica, o feito deveria ser extinto em relação a ela, para prosseguir exclusivamente contra o sujeito para o qual a execução fiscal foi redirecionada. Com isso, cessaria, paradoxalmente, a causa da dissolução irregular, uma vez que, com a exclusão da responsabilidade tributária da empresa (beneficiária direta da dissolução), seria lícita a obtenção de Certidão Negativa de Débitos, o que viabilizaria a baixa definitiva de seus atos constitutivos na Junta Comercial. Consequentemente, não mais subsistiria débito tributário a ela imputável, o que certamente prejudicaria terceiros de boa-fé (Fazenda Pública e demais credores).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Pelo que foi exposto, constata-se a alta incidência de julgados do Superior Tribunal de Justiça acerca do redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente em caso de dissolução irregular da empresa.
Primeiramente, foi abordada a questão do ônus da prova para que o redirecionamento seja concretizado. A solução de tal problemática cinge-se à inclusão ou não do nome do sócio-gerente na Certidão de Dívida Ativa. Se for incluído, competirá a ele provar que não dissolveu irregularmente a empresa; se não for incluído, competirá ao Fisco provar que ele infringiu a lei ao dissolver a empresa.
Posteriormente, tratou-se da questão temporal referente a quem ocupava o posto de gerente no momento da ocorrência do fato gerador da obrigação tributária e no momento da dissolução irregular da empresa. Percebe-se, nessa celeuma, forte oscilação da jurisprudência do STJ, mas vislumbra-se a tendência de se considerar como responsável tributário aquele que detinha a gerência no momento da dissolução irregular, pouco importando se a detinha no momento da ocorrência do fato gerador.
Por fim, foi analisada a exclusão da responsabilidade da empresa quando do redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente. Concluiu-se, então, que ela não ocorre, tendo em vista a independência de causas que incluíram a empresa e o sócio-gerente no polo passivo da execução, e os prejuízos que essa exclusão traria.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALEXANDRE, Ricardo. Direito Tributário Esquematizado. 10a ed. São Paulo: Editora Método, 2016.
SABBAG, Eduardo. Manual de Direito Tributário. 6a ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2014.