Síndrome de Burnout atinge 45,8% dos médicos brasileiros

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Menos lazer, menos contato com a família, parentes e amigos — contato real —, excessiva cobrança ao perfeccionismo, rotatividade de emprego, horas excessivas em único emprego ou em mais de um emprego (renda extra). As causas.

No I Encontro Nacional dos Conselhos de Medicina 2017 (ENCM 2017) foi abordado a situação dos médicos brasileiros quanto à doença Síndrome de Burnout. A Câmara Técnica de Psiquiatria relatou que 48,5% (quarenta e oito vírgula e cinco por cento) dos médicos descreveram sintomas da síndrome de burnout em algum momento profissional.

Segundo o ENCM 2017, os médicos mais afetados pela síndrome são aqueles que que sofrem com as pressões dos pacientes e da sociedade, a carência de infraestrutura de materiais.

Outros aspectos que colaboram com a incidência desse desgaste, também descritos no levantamento, são os deslocamentos constantes e longos para cumprir as diferentes jornadas, o número de horas dedi­cadas ao trabalho (75,5% dos entrevistados afirmam dedicar de 40 a mais de 80 horas semanais à me­dicina) e o sentimento de sobrecarga, que já atingem 31,7% dos médicos. (Jornal Medicina — Conselho Federal de Medicina)

REALIDADE BRASILEIRA

Os profissionais da área de saúde pagam, caríssimo, pelas burocracias nos sistemas de saúde público e privada. O planos de saúde estão sempre nas listas negras dos órgãos de defesa dos consumidores. As publicidades maravilhosas aos planos de saúde parecem um via sem preocupações futuras. O mito da felicidade. Assinado contrato, o consumidor, quando realmente precisa de atendimento, marcação de exame e outros procedimentos, não tem mais o paraíso celestial na Terra. O inferno começa, e pode terminar quando o consumidor paciente morre. Abaixo, uma pesquisa que fiz, as dores de cabeça aos consumidores de planos de saúde:

  • Atendimento ao consumidor que não atendente (sinal de ocupado);
  • Atendimento ao consumidor, pelo SAC, via ligação telefônica ou celular, que demora mais de mais de 15 minutos. Ou as opções de atendimento que parecem mais um labirinto;
  • Marcação. O consumidor comparece ao local em dia e horário marcados — porém há informação: o médico entrou de férias; não há marcação.
  • Exames não cobertos pelo plano. Geralmente tais cláusulas não são destacadas nos contratos de adesão, e os corretores não falam nada.

Os profissionais da área de saúde também enfrentam, nos planos de saúde privados, pressões de auditores, sendo estes pressionados pelos donos dos planos, para limitar atendimentos, pedidos médicos de exames etc. Tem-se também os equipamentos obsoletos ou limitados. Há casos em que o médico radiologista deve esperar que o equipamento seja usado por outro médico radiologista, ou seja, escassez de equipamento comprometendo o atendimento médico — estresse ao médico e ao paciente; tempo perdido pelo médico.

No SUS (Sistema Único de Saúde) os profissionais da área de saúde enfrentam pacientes revoltados com a demora no atendimento, com a falta de equipamento e medicamentos.

Quais as consequências para os profissionais da área de saúde e para os pacientes? Uma desumanização sem precedentes. Como alcançar os objetivos (art. 3º) da CRFB de 1988 neste cenário apocalíptico? O resultado é desumanização, a diluição do verniz civilizatório: paciente atacando profissional e vice-versa. A dignidade humana (art. 1º, III, da CRFB de 1988) é uma palavra na Lei de Papel.

A SÍNDROME DE BURNOUT NO MUNDO LÍQUIDO

A síndrome caracteriza-se pelo excesso de carga horária de trabalho, múltiplos vínculos empregatícios, para ter qualidade de vida, preocupação com a perda do emprego, cobrança excessiva à meritocracia profissional (perfeccionismo), relação de empregado ao empregador ou cliente ao profissional liberal. A síndrome causa esgotamento físico e mental. Dentre os sintomas da doença se destacam: dores de cabeça fortes; distúrbio do sono; oscilações constantes de humor; perda de apetite ou descontrole alimentar.

A síndrome tem outras vítimas: jornalistas; advogados; professores; bancários; executivos; policiais; carcereiros. A lista é enorme, porque há cobranças muito maiores sobre cada ser humano, causa da mentalidade, a partir da segunda metade do século XX, de perfeccionismo, infalibilidade, ultrarressistência. No caso dos profissionais liberais ou trabalhadores com CTPS assinada, e até os empregadores, todos são vítimas de um sistema desumanizador: produção rápida para o consumismo, infalibilidade humana, resultados humanos beirando sempre 100%, uso de medicamentos, sintéticos ou naturais, para aumento de resistência física e mental.

Os Tempos Moderno, filme de Charles Chaplin, foi um alerta para a humanidade, porém ficou sendo um filme de entretenimento e comédia. A meritocracia surgiu com o neoliberalismo, na Inglaterra, na década de 1970, e EUA, década de 1980. Analisando a meritocracia, pode, sua origem, ser atribuída aos colonizadores: em terras desconhecidas o sucesso depende do próprio esforço — só esqueceram de avisar os nativos e o roubo de suas terras. Na Revolução Industrial ocorrida nos EUA, a meritocracia ganhou força.

No Mundo Líquido, de Zygmunt Bauman, tudo é descartável, até os seres humanos. Essa concepção de vida só pode gerar doenças físicas e psíquicas. O ser humano é uma máquina a trabalhar sem parar e, ao mesmo tempo, ser infalível.

Se um trabalhador necessita urinar, por que não contratar um fisiologista para calcular (proficiência profissional do empregado) a quantidade de líquido necessário para o metabolismo basal mais as tarefas que desempenha aliados aos fatores ambientais, como temperatura? Parece surreal? Não o é.

CLT

Art.199 - Será obrigatória a colocação de assentos que assegurem postura correta ao trabalhador, capazes de evitar posições incômodas ou forçadas, sempre que a execução da tarefa exija que trabalhe sentado.(Redação dada pela Lei nº 6.514, de 22.12.1977)

Parágrafo único - Quando o trabalho deva ser executado de pé, os empregados terão à sua disposição assentos para serem utilizados nas pausas que o serviço permitir. (Redação dada pela Lei nº 6.514, de 22.12.1977)

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Normas Regulamentadoras NR 17 - Ergonomia (117.000-7)

17.3.5. Para as atividades em que os trabalhos devam ser realizados de pé, devem ser colocados assentos para descanso em locais em que possam ser utilizados por todos os trabalhadores durante as pausas. (117.016-3 / I2)

Claro que o intervalo permite que o trabalho saia do local de trabalho para descansar. Contudo, algumas perguntas que fiz com trabalhadores em shopping. O descanso do trabalhador começa ao sair do local, como num quiosque. Sabemos que shopping, geralmente, encontra-se cheio. São poucos os assentos fora da Praça de Alimentação. O descanso, geralmente, do empregado inexiste. Não senta, mas anda. Se for sentar em algum local reservado, geralmente são as escadarias internas fora do alcance dos não trabalhadores do shopping ou contratados pelos lojistas. Ora, sentar em local frio e rígido não é descansar. Profissionais da área de saúde, como já presenciei, acabam descansando em salas desativadas ou inacessíveis aos pacientes. Improvisações. Os trabalhadores da construção civil, no intervalo de descanso, procuram qualquer lugar para acomodarem os seus corpos. Alguns deitam nas calçadas ou dentro da área de edificação — mesmo assim estes ainda deitam ou sentam sobre o piso.

Analisando o caso do Brasil, tudo é favorável ao estresse:

  • Mobilidade urbana — na contramão, mais automotores individuais. O correto é privilegiar o transporte público (a começar por trem, metrô, ou veículos leves sobre trilhos; corredores especiais para ônibus). O transporte não motorizado é a prioridade. As vias públicas parecem mais o solo lunar. Muitos acidentes de trânsito se devem à má qualidade do asfalto e irregularidades nas curvas. O tempo média nas vias públicas é superior ao tempo médio com a família, com os estudos etc. Não adianta Reforma Trabalhista permitindo que o trabalhador tenha mais de um emprego se a mobilidade é engessada;
  • Administração pública — apesar da EC nº 19/1988, a burocracia é reinante na maioria dos órgãos públicos. Não há fomento à parceria e aos convênios. Se o administrado quiser uma informação terá que se desgastar. As informações são desencontradas, os servidores que prestam informações, não todos, acham que o administrado é um chato. Todavia, os servidores também são prejudicados quando há precariedade na infraestrutura. Faltam materiais para o desempenho profissional.;
  • Alguns empregadores enxergam os próprios empregados como peças descartáveis de máquinas. Pior, as máquinas, por gerarem lucro, e por serem caríssimas, em alguns casos, valem mais do que o ser humano trabalhador. Nessa mentalidade, o trabalhador é uma peça descartável que vale muito menos que qualquer peça do maquinário;
  • Os tributos — a quantidade de tributos oneram os empreendedores. Tributos são importantes para o Estado, quando não há desvio de finalidade. A corrupção devia os tributos para diversos fins não almejados pelo interesse público. Mesmo assim, a exorbitante quantidade, e bacharel em Ciências Contábeis é outro ser humano que fatalmente sofrerá da síndrome de burnout, emperra o desenvolvimento econômico do Brasil. 
  • Pejotização — essa forma de contratação burla a CLT. E com a terceirização, pior ficará. No caso dos médicos e enfermeiros, as empresas contratam, na maioria, usando a pejotização. O profissional é obrigado a criar uma pessoa jurídica. Todavia, a empresa contratante subordina o profissional: horário, dias, descanso etc.

A síndrome de burnout, quando crônica, pode levar ao suicídio. E A OMS já soou o alarme mundial. Não se trata de suicídio discutido em pacientes terminais, mas de suicídio de pessoas acometidas, por exemplo, por problemas emocionais do Mundo Líquido. O ser humano vale pelo que tem, pela imagem (status social positivo), não pelo que desempenha para o desenvolvimento do país. As tiranias, diria Nietzsche, dos modismos — silhueta, rosto, tipo de indumentária, alimento etc. — tornam os seres humanos vazios. A ideia de que a humanidade se aproximaria e melhoria com a tecnologia desabou. Cada vez mais os seres humanos evitam os encontro de corpos, as relações interpessoais. O mundo virtual líquido consagra o individualismo, não gostou de alguém é só 'deletar'.

As cobranças dos pais aos filhos, de que estes sejam gênios, porque a vida contemporânea assim exige, apenas desenvolve o intelecto. Essas crianças, quando adultas, dificilmente saberão se relacionar, suportar as diferenças de personalidades. A depressão e o suicídio existem e não devem ser mais escondidos do público. São várias as causas, mas uma das principais é o vazio interior. O individualismo consequentemente gera a indiferença. O glamour à felicidade inesgotável é outro pernicioso comportamento. Por exemplo, no documentário Hot Girls Wanted, recém-saídas da adolescência, garotas norte-americanas procuram na prostituição uma forma de ascensão socioeconômica meteórica. No documentário, produzido pelo Instituto KINSEY, cantores e artistas de sucesso, segundo as garotas, são pessoas felizes. Ou seja, uma construção de mitos modernos que levam ao paraíso metafísico — beleza, riqueza, sucesso, prestígio. Não há o caos da vida, real, dos mortais seres humanos.

Menos lazer, menos contato com a família, parentes e amigos — contato real —, excessiva cobrança ao perfeccionismo, rotatividade de emprego, horas excessivas em único emprego ou em mais de um emprego (renda extra), ambiente de trabalho não humanizado. Fatores que aumentarão várias doenças. O sistema de saúde, seja qual for, entrará em colapso, assim como o próprio desenvolvimento econômico.

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Sobre o autor
Sérgio Henrique da Silva Pereira

Articulista/colunista nos sites: Academia Brasileira de Direito (ABDIR), Âmbito Jurídico, Conteúdo Jurídico, Editora JC, Governet Editora [Revista Governet – A Revista do Administrador Público], JusBrasil, JusNavigandi, JurisWay, Portal Educação, Revista do Portal Jurídico Investidura. Participação na Rádio Justiça. Podcast SHSPJORNAL

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Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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