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A infiltração policial ante o garantismo penal

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3 O PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE NA COLHEITA DE PROVAS DURANTE AS INFILTRAÇÕES POLICIAIS

Mirabete (2000), afirma que provar é produzir um estado de certeza, na consciência e mente do juiz, para sua convicção, a respeito da existência ou inexistência de um fato, ou da verdade ou falsidade de uma afirmação sobre uma situação de fato, que se considera de interesse para uma decisão judicial ou a solução de um processo.

A prova possui como objeto um fato jurídico que apresente relevância na sociedade, ou seja, fato que possa influenciar no julgamento do processo, tornando-se elemento fundamental na solução da lide. Diante disso, aquele fato que no processo penal possa influenciar na tipificação do fato delituoso, ou na exclusão de culpabilidade ou de antijuridicidade, deve ser provado.

Nesse contexto, deve-se haver a observação de alguns princípios constitucionais na limitação da produção de provas no processo penal, tais como o princípio da impessoalidade, legalidade, publicidade, eficiência e supremacia do interesse público sobre o privado, dentre outros.

Serão inadmissíveis no processo penal, provas que sejam obtidas por meios ilícitos, segundo nossa Constituição Federal, art. 5º, inciso LVI. Dessa forma, tem-se que o Estado não poderá permitir que as autoridades estatais se utilizem de meios ilegítimos para obterem provas.

Para que se dê a infiltração do agente policial em organizações criminosas, deverá ser observado o procedimento da infiltração, bem como os requisitos legais. Ao criar a Lei 12.850/13, o Legislador buscou o desenvolvimento de uma metodologia adequada para que ocorresse a infiltração dos agentes policiais e quais seriam os requisitos legais para que este meio de obtenção de provas se tornasse um meio legal, ocasião em que disciplinou as ações e procedimentos dos agentes que estivessem envolvidos na infiltração, como também de toda a equipe envolvida, de modo a não ser questionado o material adquirido durante este período de infiltração.

Sendo o agente infiltrado induzido, instigado ou auxiliado a praticar um crime no âmbito da organização, obedecendo à proporcionalidade e sem ultrapassar os limites da finalidade da investigação, havendo a necessidade de ser inexigível conduta diversa, exclui-se apenas a culpabilidade do injusto por ele praticado, permanecendo típico e ilícito, viabilizando, como proposto na teoria da acessoriedade limitada, a punição dos partícipes (integrantes da organização) pelo delito praticado.

A atuação do agente infiltrado não poderá violar a dignidade da pessoa do acusado ou de terceiros, sendo limitada ao necessário para a coleta de provas. O art. 13 da Lei 12.850/2013 prevê que o agente que não guardar, em sua atuação, a devida proporcionalidade com a finalidade da investigação, responderá por todos os excessos praticados, devendo, na fundamentação da decisão que possibilita a infiltração, o magistrado estabelecer de forma clara e delineada a conduta do infiltrado, como forma de resguardar os direitos d terceiros investigado bem como oferecer a segurança necessária a agente, que tomará ciência dos limites de sua atuação.

A infiltração, nos moldes em que foi prevista, tem suas regras adequadamente definidas, conferindo ao policial infiltrado garantias necessárias ao adequado desempenho de sua missão, e à sociedade a certeza de saber que toda a operação está sendo minuciosamente acompanhada e fiscalizada pelo Poder Judiciário e pelo Ministério Público (ANDREUCCI, 2011).

Durante os debates travados para a elaboração da Lei n 12.850/2013, no que concerne ao instituto da infiltração de agentes, foi sugerido um rol contendo crimes que não poderiam ser cometidos pelo agente infiltrado no momento da produção de provas, contendo os crimes dolosos contra a vida, a liberdade sexual e a tortura.

Todavia, observou-se que a taxatividade de crimes que não poderiam ser praticados por agentes infiltrados poderia permitir que a organização criminosa investigada criasse espécies de ‘’rituais’’ que identificassem a figura do agente infiltrado, comprometendo a integridade física do agente. Dessa forma, a referida lei passou a adotar o princípio da proporcionalidade como critério de atuação do agente, bem como a inexigibilidade de conduta diversa, verificando-se que o agente poderá, sim, cometer crimes.

Tomando por base o princípio da proporcionalidade, utilizado para limitar a produção de provas pelo agente, faz-se necessárias considerações sobre tal princípio em três esferas, quais sejam elas a do direito constitucional, direito processual penal, bem como o princípio da proporcionalidade aplicado diretamente à infiltração policial.

3.1 PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE NO DIREITO CONSTITUCIONAL

Como foi mencionado alhures, alguns direitos constitucionalmente consagrados podem sofrer determinadas limitações quando adotada a infiltração policial como meio extraordinário de obtenção de provas. Deveras, o modo de ponderar tais direitos pode causar certos equívocos caso não ocorra sua perfeita adequação e proporcionalidade ao caso concreto.

No direito constitucional, o princípio da proporcionalidade, que aparece de forma implícita em nossa Constituição, aparece como forma de aperfeiçoamento do controle de constitucionalidade das normas, através das quais se buscará a comprovada adequação da relação entre a finalidade da intervenção do Estado entre e o meio eleito para atingi-lo.

O Estado possui compromisso ético com toda a população que lhe está sujeita, e isso pode ser extraído da nossa própria Constituição, atrelando-o a direitos de segunda (direitos sociais, econômicos e culturais) e terceira (direitos de titularidade coletiva) gerações, devendo prover, por exemplo, a segurança pública.

O princípio da proporcionalidade, no âmbito constitucional, é tido como instrumento mais utilizado para controlar a constitucionalidade de atos normativos que tratam diretamente de direitos fundamentais, o que estabelece que não há direito fundamental absoluto, podendo haver sua ponderação diante do caso concreto, equilibrando os direitos individuais com os anseios da população, servindo como limitador aos arbítrios praticados pelo Estado.

3.2 PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE NO DIREITO PROCESSUAL PENAL

O princípio da proporcionalidade funciona como forte barreira impositiva de limites ao legislador e ao aplicador da norma. O processo penal possui diretrizes que precisam ser seguidas para que a persecução penal não seja maculada com vícios que impossibilitem a correta aplicação do jus puniendi.

As doutrinas brasileiras e estrangeiras têm firmado o entendimento de que o princípio da proporcionalidade, em sentido amplo, será subdividido em subprincípios, quais sejam eles o princípio da adequação, princípio da necessidade e princípio da proporcionalidade em sentido estrito.

No direito processual penal brasileiro, a adequação vem sendo aferida como a relação de fins imediatos e mediatos da persecução criminal. Tal princípio diz respeito à aptidão ou adequação que um determinado meio deve ter para que o fim legítimo pretendido seja alcançado, ou seja, os fins da persecução criminal.

O subprincípio da necessidade, ou princípio da intervenção mínima, refere-se à utilização do meio que menos interfira em um direito fundamental, exemplo claro seria quando há a possibilidade da colheita de prova testemunhal e é arbitrada a infiltração policial.

Quanto ao princípio da proporcionalidade em sentindo estrito, a importância da intervenção no direito fundamental deve estar justificada pela importância da realização do fim perseguido pela intervenção legislativa, possuindo como método de resolução da colisão existente entre princípios a ponderação, onde serão levadas em consideração as circunstâncias do caso concreto.

3.3 PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE E A INFILTRAÇÃO POLICIAL

O princípio da proporcionalidade na infiltração policial aparece como limitador à atuação do agente e como princípio norteador para a aplicação da medida. Como foi bem explicado alhures os limites à produção de provas, nesse tópico serão dadas considerações relacionadas à combinação da referida técnica com outros meios extraordinários de obtenção de provas também previstos na Lei nº 12.850/2013, já que a infiltração é medida pra ser utilizada em ultima ratio.

Por ter caráter apócrifo, é extremamente recomendável que a infiltração policial seja combinada com a captação ambiental de sinais eletromagnéticos, ópticos ou acústicos, com o uso de equipamentos de filmagem e captação de conversas. Dessa forma, observando a proporcionalidade do meio aplicado, podem ser realizadas combinações entre outros meios de obtenção de provas, a fim de que sejam colhidos os maiores números de provas possíveis.

Tais gravações poderão ser utilizadas como provas de existência da Organização criminosa e de infrações penais por elas praticadas, bem como para provar que o agente infiltrado não atuou como agente provocado, ou seja, não estimulou a prática de crimes pelos investigados.

Apenas a título de ratificação do que já foi claramente exposto, o direito brasileiro buscou tutelar a infiltração de agentes à luz do princípio da proporcionalidade, já que este não poderá cometer excessos em suas ações, respondendo penalmente, caso não seja comprovada a inexigibilidade de conduta diversa, por todos os seus atos.

Entende-se que para produzir provas o agente infiltrado não poderá cometer infrações penais de natureza grave, como lesões corporais e homicídios. Por isso, recomenda-se a utilização do agente infiltrado em delitos econômicos, como, por exemplo, a infiltração em um ambiente empresarial, e não delitos violentos. Todavia, nada impede que tal técnica seja aplicada em delitos relacionados ao tráfico de drogas, o que já é expressamente previsto na Lei de Drogas.


4 O GARANTISMO NA LUTA CONTRA A CRIMINALIDADE ORGANIZADA

A população brasileira vive um momento que tem preocupado as autoridades e os mais diversos seguimentos da sociedade. Nesse sentido, encontra-se a crescente expansão da criminalidade organizada, que vem apresentado desenvoltura complexa e de difícil compreensão.

A mídia, diante das consequências impactantes da criminalidade organizada, apresenta à população a realidade da insegurança, uma vez que é nítida a desvantagem do sistema repressivo em combater as novas e complexas modalidades delitivas que se expandem em grandes proporções, gerando incapacidade dos órgãos de segurança e do judiciário para prevenir ou reprimir as ações de grande porte que são perpetradas contra o patrimônio público e privado, bem como contra a integridade física e a vida dos cidadãos (PARISOTTO, 2004).

Fatos recentes são a multiplicação e mutação desses organismos criminosos, que estão se desenvolvendo e se adaptando às novas possibilidades, maneiras de agir e expandindo seus objetos de ação. Dessa forma, ao lado de velhas práticas criminosas, surgem novas opções de ações para que o enriquecimento seja alcançado. De forma clara, é possível observar a evolução dos crimes relacionados à corrupção, lavagem de dinheiro e etc., bem como é notória a evolução de crimes relacionados ao tráfico de entorpecentes, pirataria, falsificação de documentos, produtos e dinheiro, crimes de colarinho branco entre outros.

Ante a necessidade de combate a essas organizações, o Estado tem enfrentado a difícil tarefa de conciliar com suas ações em repressão ao crime organizado com a defesa dos cidadãos, de forma que possa ser assegurado o mínimo exigível de garantias, para que não haja total sacrifício das regras e dos princípios fundamentais que devem servir de pilares para a existência de um Estado Democrático de Direito.

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Diante disso e da complexidade apresentada pelas organizações criminosas e sua expansão, fez surgir no Estado a preocupação para a introdução de novos mecanismos para o enfretamento do problema, emergindo, desde então, os meios extraordinários de obtenção de provas, que possuem previsão legal atualmente na Lei nº 13.850/2013.

O garantismo deu seus primeiros passos e tem como seu verdadeiro marco a obra de Baccaria – Dos Delitos e das Penas – e as reformas que a ele se sucederam, dando início a uma justiça penal, onde seria combatida a velha justiça penal que precedeu a Revolução Francesa. As preocupações humanistas e os princípios do direito se mantiveram e se aprimoraram ao logo do tempo, corporificando-se ao Direito Penal Internacional, garantindo noções do que seria um Estado Democrático de Direito em todo o mundo. Hoje, o termo garantismo apresenta-se evidenciado em nossa Constituição da Republica Federativa, datada de 1988.

Para Parisotto (2004), os Direitos Penal e Processual Penal, em suas funções específicas no mundo jurídico, têm como referencial e razão de existir objetivamente no poder do estado de punir - o jus puniendi –, de um lado tipificado de condutas ilícitas juridicamente relevantes e o outro, instrumentalizando o processo de tornar efetiva a norma penal através da submissão dos sujeitos ativos da criminalidade ao devido processo legal, apurando os fatos e dizendo o direito pela imposição da pena, e/ou não, conforme o apurado no curso do processo/instrução criminal.

As garantias existem para a proteção da cidadania, todavia, a ideia de impunidade assola boa parte dos operadores do direito e a sociedade em geral, e isso pode ser extraído dos movimentos realizados em todo o Brasil visando o combate à corrupção, de forma que a população entende trata-se de favorecimento excessivo dos criminosos em geral, principalmente porque as regras impostas no conjunto de garantias constitucionais e outras contidas no direito penal e processual penal podem estar sendo aplicadas de forma desproporcional.

Suprimir as garantias que foram adquiridas ao longo dos anos pode atacar o Estado Democrático de Direito, fazendo uma regressão ao tempo da Idade Média. As limitações impostas ao Estado por meio das garantias constitucionalmente consagradas existem para proteção da cidadania e da liberdade de todos aqueles que da sociedade fazem parte, principalmente porque reprimem os abusos de poder daqueles responsáveis por punições.

Gunther Jakobs, professor catedrático de Direito Penal e filosofia do direito na Universidade de Bonn, Alemanha, reconhecido mundialmente como um dos maiores criminalistas da humanidade, desenvolveu a teoria do ‘’Direito Penal do Inimigo’’, justificando com toda a sua obra doutrinária a necessidade de revolucionar conceitos clássicos arraigados na mente dos doutrinadores. Seu pensamento coloca em discussão a real efetividade do direito penal existente, pugnando pela flexibilização ou mesmo supressão de diversas garantias materiais e processuais até mesmo reputadas em uníssono como absolutas e intocáveis (MASSON, 2015).

Para a teoria e Jakobs, inimigo é um indivíduo que afronta a estrutura do Estado, pretendo com isso desestabilizar a ordem nele instituída, ou, quem sabe, destruí-lo. Inimigo é aquela pessoa que tem modo de vida contrária às normas jurídicas, rejeitando as normas impostas pelo direito para a manutenção da vida em coletividade. Agindo dessa maneira, demonstra não ser um cidadão e, por consequência, todas as garantias inerentes às pessoas de bem não poderiam ser a ele aplicadas.

Enxerga-se, nitidamente, que esta concepção trazida por Jakobs mitiga, de forma desproporcional, o princípio da reserva legal ou estrita legalidade, legitimando o Estado a aplicar medidas processuais diretamente proporcionais à periculosidade das pessoas que exercem atividades ilícitas, entre eles estão os integrantes das organizações criminosas, grupos de traficantes e responsáveis por lavagem de dinheiro, mesmo que isso restrinja totalmente as garantias estabelecidas por uma Constituição.

Verdade é que os grandes criminosos tripudiam o poder de punir do Estado, sendo de igual verdade que estes mesmos criminosos corrompem agentes da lei e assumem posições de mandantes. Todavia, as garantias asseguram o equilíbrio entre o direito de punir dado ao estado e os princípios garantidores da legalidade, do devido processo legal, da ampla defesa, do contraditório, da não incriminação antes do trânsito em julgado de sentença penal condenatória. O modelo penal garantista não constitui instrumento impeditivo ao combate da criminalidade organizada, mas sim como ela deverá ser compreendida e enfrentada.

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Sobre os autores
Michelly Brenda Soares

Atuou como estagiária profissional do Ministério Público Federal - Procuradoria da República no Município de Limoeiro do Norte/CE. Pesquisadora inicial nas áreas de Direito e Processo Penal.

Oscar Samuel Brito de Oliveira

Orientador. Especialista em Direito Penal e Processual Penal. Professor da Universidade Potiguar.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOARES, Michelly Brenda ; OLIVEIRA, Oscar Samuel Brito. A infiltração policial ante o garantismo penal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5115, 3 jul. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/58698. Acesso em: 8 mai. 2024.

Mais informações

Artigo apresentado à Universidade Potiguar – UnP como parte dos requisitos para obtenção do título de Bacharel em Direito.

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