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A ingerência dos meios de comunicação na prisão preventiva

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16/07/2017 às 11:20
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9. QUANDO A PUBLICIDADE É ALIADA

No decorrer deste trabalho, foi repetido exaustivamente que a mídia, em seu processo de deturpação de informações, pode acarretar prejuízos à persecução penal.

Contudo, não se pode esquecer do fato de que a publicidade tem lá sua utilidade e pode sim ser aliada do processo criminal.

Um exemplo, que pode ser observado na fase investigatória, é o retrato falado:

Exemplo interessante de situação em que a publicidade – e não o sigilo – passa a ser essencial à eficácia das investigações policiais diz respeito à hipótese em que as autoridades policiais dispõem do retrato falado do criminoso, porém não sabem sua real qualificação. Nesse caso, é evidente que a publicidade dada ao retrato falado será extremamente importante, já que com a divulgação de tais imagens, talvez seja possível que a polícia venha a obter informações acerca da identificação do agente, assim como dados relativos acerca de sua possível localização.76

Conforme exposto acima, a divulgação de imagens de suposto infrator através do mecanismo do retrato falado é um ótimo instrumento ligado à publicidade, para que seja possível a obtenção de dados relativos à localização ou identificação deste.

Com enfoque no contexto atual da sociedade, tem-se outro exemplo de relevo, cuja menção se faz obrigatória neste tópico: a atuação do Juiz Federal Sergio Moro na Operação Lava Jato.

Para tanto, o Magistrado vem prestando um trabalho histórico na contenção da chamada corrupção sistêmica:

Também no evento, o juiz disse que é impossível dimensionar a corrupção no Brasil, mas, com base nos casos já julgados pela Operação Lava Jato, a situação atual indica uma possível prática de "corrupção sistêmica", ressaltando que casos de impunidade no Brasil geram um "ciclo vicioso". "Quando esses casos [de corrupção] são comprovados e a Justiça não dá uma resposta satisfatória, isso acaba sendo um incentivo de comportamento não só para aquela pessoa persistir na prática, mas igualmente às outras pessoas que vão sentir vontade de realizar também. (...) Passa a ver a corrupção como algo normal e, aí, ganha essa escala [de corrupção sistêmica]." Juiz Sergio Moro diz que Brasil tem 'corrupção sistêmica' e que não existe 'bala de prata' para resolvê-la.77

Analisando o sucesso da Operação Mãos Limpas (ou Mani Pulite) na Itália, o Juiz Sergio Moro escreveu um artigo no qual ressaltou que o recorrente fluxo de revelações sobre as investigações através da imprensa manteve o interesse do público elevado e os líderes partidários na defensiva.

Destacou:

A publicidade conferida às investigações teve o efeito salutar de alertar os investigados em potencial sobre o aumento da massa de informações nas mãos dos magistrados, favorecendo novas confissões e colaborações. Mais importante: garantiu o apoio da opinião pública às ações judiciais, impedindo que as figuras públicas investigadas obstruíssem o trabalho dos magistrados, o que, como visto, foi de fato tentado. Há sempre o risco de lesão indevida à honra do investigado ou acusado. Cabe aqui, porém, o cuidado na desvelação de fatos relativos à investigação, e não a proibição abstrata de divulgação, pois a publicidade tem objetivos legítimos e que não podem ser alcançados por outros meios. As prisões, confissões e a publicidade conferida às informações obtidas geraram um círculo virtuoso, consistindo na única explicação possível para a magnitude dos resultados obtidos pela operação mani pulite.78

Como visto no excerto citado, o apoio da sociedade, conseguido através da mídia, obsta que as figuras públicas, que detêm grande poder de influência, impeçam o trabalho dos magistrados.

Na mesma obra, ressaltou também que é através da opinião pública esclarecida que se é capaz de enfrentar as causas da corrupção:

É a opinião pública esclarecida que pode, pelos meios institucionais próprios, atacar as causas estruturais da corrupção. (...) a punição judicial de agentes públicos corruptos é sempre difícil, se não por outros motivos, então pela carga de prova exigida para alcançar a condenação em processo criminal. (...) a opinião pública pode constituir um salutar substitutivo, tendo condições melhores de impor alguma espécie de punição a agentes públicos corruptos, condenando-os ao ostracismo.79

A estratégia de Moro tem se mostrado extremamente eficaz, porque encontrou na mídia uma grande aliada para escancarar as atrocidades que têm sido praticadas na política, cercando, assim, os infratores, os quais, por possuírem grande poder de influência política e econômica acabavam por, até então, permanecer impunes.

Porém, com o enorme apoio social que conseguiu através da divulgação de informações pontuais ao povo, o magistrado conseguiu mobilizar multidões de manifestantes, descontentes com o governo, fato que, posteriormente desembocou na abertura de um processo de impeachment da então Presidente Dilma Rousseff.

Para contextualizar, segue texto retirado de livro que trata sobre os bastidores da Operação e demonstra uma suposta tentativa do Ex-Presidente Lula de obter o benefício do foro por prerrogativa de função, para, em tese, fugir da jurisdição de Moro:

O governo negou que tivesse essa intenção. A presidente Dilma deu uma entrevista naquela tarde, afirmando que o ex-presidente fora indicado para fortalecer o governo, e não em busca da prerrogativa de foro. “A troco de quê eu vou achar que a investigação do juiz Sergio Moro é melhor do que a investigação do STF?”, questionou. O anúncio da ida de Lula para o ministério parecia ser a notícia do dia, e as redações dos jornais trabalhavam em cima desse fato. No fim da tarde, alguns manifestantes se dirigiram ao Palácio do Planalto para protestar contra a nomeação. Foi quando estourou a bomba. O juiz Sergio Moro suspendera o sigilo dos diálogos gravados pela escuta legal decretada por ele nos telefones de Lula, de sua esposa, Marisa Letícia, de seu filho Fábio Luís, do Instituto Lula e da LILS Palestras. A Globonews foi a primeira a dar a notícia. Logo as transcrições e os áudios começaram a ser acessados pela imprensa no sistema que divulga todos os atos públicos do processo. Em uma conversa, que ocorrera naquele mesmo dia, aparecia a presidente Dilma Rousseff falando com o ex-presidente Lula. Ela também tinha sido gravada. O telefonema foi às 13h32:

– Alô – diz Dilma.

– Alô – responde Lula.

– Lula, deixa eu te falar uma coisa.

– Fala, querida. Ahn.

– Seguinte, eu tô mandando o ‘Bessias’ junto com o papel pra gente ter ele, e só usa em caso de necessidade, que é o termo de posse, tá?! – diz Dilma.

– Uhum. Tá bom, tá bom – responde Lula.

– Só isso, você espera aí que ele tá indo aí.

– Tá bom, eu tô aqui, fico aguardando.

– Tá?!

– Tá bom.

– Tchau.

– Tchau, querida – despede-se o ex-presidente.

A divulgação dessa conversa teve a força de mobilizar multidões. A questão que se impunha era: a presidente estava obstruindo a Justiça? Por que mandara o subchefe de assuntos jurídicos da Casa Civil, Jorge Messias (que na transcrição aparece como Bessias), levar o termo de posse para Lula no aeroporto? Nas ruas de Brasília, a manifestação rapidamente engrossou. Ao ouvir a conversa no rádio, na TV ou na internet, as pessoas saíam do trabalho e iam para o Palácio do Planalto. No começo da noite, eram mais de 5 mil que gritavam em coro na frente da sede do governo o imperativo do verbo renunciar: “Renuncia! Renuncia!” No Congresso, os oposicionistas repetiam a palavra de ordem das ruas. Além do Distrito Federal, os protestos se espalharam por 19 estados. A avenida Paulista, palco dos maiores atos contra a corrupção e a favor do impeachment, foi tomada por manifestantes. Mas aquele não era o único diálogo estarrecedor. Havia outros. Muitos outros. Com a divulgação dos áudios, as redações passaram a trabalhar em ritmo frenético. Apresentadores davam a notícia espantados. Em seu despacho, ao interromper a escuta legal, Sergio Moro disse estar agindo naquele caso exatamente como em todos os outros, suspendendo o sigilo e tornando os autos públicos para propiciar “não só o exercício da ampla defesa pelos investigados, mas também o saudável escrutínio público entre a atuação da Administração Pública e da própria Justiça Ciminal”. E concluiu: “A democracia em uma sociedade livre exige que os governados saibam o que fazem os governantes, mesmo quando estes buscam agir protegidos pelas sombras”.80

Assim, os meios de comunicação podem ser muito úteis, desde que utilizados com critérios pela justiça, podendo, inclusive, ajudar no trabalho do Poder Judiciário de prender infratores que possuem grande poder, especificamente os que ostentam grande influência política e que causam os maiores males à população, ante os desvios de quantias públicas extraordinariamente grandes, as quais poderiam ser implementadas nos serviços prestados à saúde e educação.


CONCLUSÃO

Durante a realização deste trabalho, foi possível concluir que o sistema adotado no Brasil, para regular a prisão preventiva é extremamente precário e encontra dissonâncias em relação aos parâmetros que se encontram estabelecidos no texto da Constituição da República de 1988.

É notório que a decretação da medida cautelar restritiva de liberdade, em qualquer fase da persecução penal, é de extrema gravidade para o suposto agente delituoso, em razão do inegável sofrimento a que fica exposto o indivíduo (investigado ou acusado) sujeito à custódia preventiva.

Isso somado à precariedade das penitenciárias deste país, cuja função de reinserção do criminoso no meio social foi extinta.

Não há como sair reabilitado de “escolas do crime”, como são conhecidos os cárceres brasileiros.

Não bastasse isto, a sociedade também não entende o caráter preventivo do recolhimento, o que acarreta ao réu certas “sanções extrapenais”, ante o estigma de culpado que passa a ser atribuído ao preso cautelar, o qual passa, consequentemente, a ser segregado pela população.

Por não ser uma medida inofensiva, portanto, é que a constrição de liberdade apenas deve ser utilizada em situações excepcionais, quando evidente que as demais cautelares são insuficientes.

No entanto, não é este cenário que vem sendo apresentado atualmente na realidade deste país.

O recolhimento à prisão provisória vem sendo constantemente banalizado pelos aplicadores do Direito.

Isto vem sendo acarretado por diversas razões: medo generalizado imposto pelas notícias sensacionalistas da mídia; pressão popular; ou razões de convicção do julgador, que, ao arrepio do princípio do in dubio pro reo, na dúvida, prefere condenar.

Esta atitude de tomar a preventiva como regra desfigurou o instituto e só ocorre em razão da generalidade dos pressupostos cautelares contemporâneos insculpidos no Código de Processo Penal.

Os dispositivos legais autorizadores da custódia processual amplificam em demasia as significações de seus vocábulos, possibilitando a heterogeneidade de interpretações e infringindo o princípio constitucional da legalidade.

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Neste contexto, resta à doutrina e à jurisprudência a difícil tarefa de delimitar os prazos e definir os parâmetros de abrangência dos requisitos autorizadores da manutenção da segregação preventiva.

Porém, doutrina e jurisprudência não possuem a mesma força de aplicação a casos gerais e abstratos como ostenta a lei.

Diante disso, faz-se necessária uma nova reforma legislativa sobre o assunto, com a inserção de fundamentos claros e exatos a justificar a prisão, capazes de deixar a mínima margem possível de discricionariedade ao julgador.

A situação da ausência de prazo máximo para a custódia preventiva é ainda mais dramática que a indefinição de seus requisitos.

O poder do Estado é limitado pela lei e pelas garantias constitucionais.

A isto dá-se o nome de garantismo, cuja função é assegurar ao povo proteção contra os arbítrios estatais.

No entanto, infelizmente, quando a legislação é vaga, quem acaba sofrendo são os cidadãos.

Não são raros os casos de presos provisórios que foram esquecidos por décadas pelo Poder Judiciário em suas celas, durante o trâmite eterno de seus processos, e, ao final, ainda foram absolvidos.

Isso é um absurdo, que não pode mais se perpetuar no ordenamento jurídico em que estamos inseridos.

Infelizmente, mesmo com a modificação realizada pela Lei n° 12.403, de maio de 2011, este quadro não mudou.

Não se pode esquecer, além do mais, da influência desempenhada na persecução penal pelos meios de comunicação de massa.

A mídia adora veicular informações relacionadas à prática delituosa e, para isso, reveste os fatos de sensacionalismo e desvirtua a informação de sua realidade, para chamar mais a atenção da população e atingir objetivos políticos e econômicos.

Contudo, esta prática não é inofensiva e acarreta aos cidadãos um medo generalizado e uma sensação de impunidade.

Ato contínuo, a sociedade, em choque e já condenando o, até então, investigado, passa a exigir a imediata imposição da constrição de liberdade.

Essa pressão, inevitavelmente, repercute na decisão do juiz, mesmo que de forma inconsciente, podendo causar prejuízos ao exercício da jurisdição.

Surge, então, como tarefa à adequada apreciação do caso concreto a adoção, por parte do magistrado, de uma atitude ininterrupta de desconfiança a respeito de suas verdades e antecipações, bem como das divulgações midiáticas, com o intuito de minimizar o máximo possível a contaminação de suas sentenças com as suas próprias concepções morais ou com a opinião popular, assumidas, à primeira vista, como verdades.

Ainda, a função empresarial dos noticiários não deve se sobrepor, em hipótese alguma, à função social de informar.

Logo, deve o Estado fazer uso das prerrogativas a ele inerentes, para exigir dos meios de comunicação de massa a divulgação de notícias de cunho objetivo, em particular quando relacionadas com o Direito Penal.

Uma via para isto poderia ser a implementação de políticas de redução da carga tributária, a qual satisfaria, em parte, o interesse econômico das instituições jornalísticas, que, em troca, exerceriam suas atribuições nos limites estabelecidos pelo controle efetuado pelo ente estatal.

Ademais, seria útil também a exigência de conhecimento jurídico, mesmo que mínimo, por parte das empresas responsáveis pela divulgação de fatos criminais, com a finalidade de erradicar as aberrações jurídicas que são ditas e escritas com frequência nos meios de comunicação.

Por fim, teria enorme utilidade a criação de normas regulamentadoras da publicidade dos atos judiciais, cujas sanções pela distorção dos fatos propagados responsabilizariam civil e penalmente o infrator, já que a liberdade de informar, somente é assegurada pela Magna Carta quando associada à veracidade.

E, para garantir efetividade às regras instituídas, deveria o Estado criar um órgão para a fiscalização e o controle da atuação dos meios de comunicação de massa, na divulgação das notícias relacionadas com a atuação do Poder Judiciário, em especial quando o tema tratado for referente à apuração do cometimento de crimes ou à decretação ou manutenção da segregação preventiva.

Em suma, as medidas expostas permitirão um convívio mais equilibrado entre a mídia e o Poder Judiciário, bem como uma maior adequação da prisão preventiva com os preceitos contidos na Constituição Federal, trazendo mais segurança jurídica ao Direito Processual Penal e, reflexamente, aos cidadãos.

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Sobre a autora
Liliana Cechinel

Possui graduação em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná(2011), especialização em Pós-Graduação Lato Sensu em Direito Penal pela Faculdade de Direito Prof. Damásio de Jesus(2017) e especialização em Pós-Graduação Lato Sensu em Direito Processual Penal pela Faculdade de Direito Prof. Damásio de Jesus(2017). Atualmente é Técnica Judiciária da Tribunal de justiça do estado do PR.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CECHINEL, Liliana. A ingerência dos meios de comunicação na prisão preventiva. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5128, 16 jul. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/58882. Acesso em: 18 nov. 2024.

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