Artigo Destaque dos editores

A ingerência dos meios de comunicação na prisão preventiva

Exibindo página 6 de 8
16/07/2017 às 11:20
Leia nesta página:

8 A RELAÇÃO EXISTENTE ENTRE A PRISÃO PROVISÓRIA, A COLABORAÇÃO PREMIADA E A MÍDIA

A colaboração premiada, em síntese, é uma técnica especial de investigação por meio da qual o acusado ou investigado, em troca de determinado “prêmio legal”, não só confessa a participação no crime, como também presta informações relevantes para o esclarecimento do fato delituoso e de seus supostos praticantes.

Está prevista em diversas legislações especiais, com destaque para os artigos 4º a 7º da Lei de Organizações Criminosas.

Não cabe neste trabalho extensas digressões explicando em que consiste o instituto, restando apenas a análise deste relacionado com a mídia e com o contexto atual em que está inserida a nossa sociedade.

Neste ponto, há quem entenda que a colaboração premiada contribui para a banalização da prisão provisória, na medida em que constam entre os benefícios a que faz jus o colaborador, por exemplo, medidas despenalizadoras, como o não oferecimento de denúncia ou o perdão judicial, os quais acarretam a automática liberação do cooperador que esteja restrito sob os fundamentos autorizadores da prisão preventiva.

Ou seja, os defensores desta ideia afirmam que a custódia cautelar tem sido utilizada, portanto, como um meio de coerção ou até de tortura, para que o constrito colabore com as investigações, delatando seus comparsas e obtendo, como “prêmio”, a revogação da segregação cautelar.

Não bastasse isto, os jornais não escondem o apreço pela divulgação das declarações prestadas pelos infratores e, em razão da liberação de informações, a mídia contribui para a pressão pública, facilita a confissão e estimula a cooperação com as autoridades.

Tudo isso auxilia na deturpação do acordo de colaboração, bem como na vulgarização da prisão preventiva, segundo alguns estudiosos:

Esse é um debate interessante, e precisa ser colocado nas redes, até porque falta o contraditório. A grande mídia apoia entusiasticamente a delação premiada por casuísmo, porque no momento exerce o controle da narrativa dos escândalos. E lhe ajuda a vender notícias e prestígio, na medida em que há uma lamentável promiscuidade entre os aparelhos repressores e uma imprensa cada vez mais partidarizada.[73]

Outros autores ressaltam que nenhum acordo de delação pode ser considerado válido diante de alguém que se encontra preso.

Argumentam que a prisão como suposto estímulo para facilitar a confissão ou para cooperação com as autoridades que estão à frente da investigação do ilícito é inidônea e afronta a lei:

No Brasil, o Ministério Público e o príncipe de Curitiba criaram um nexo importante entre delação premiada e prisão preventiva, em sede da seriada operação lava-jato e é bom que se destaque, que, depois disso, referido nexo, começa a repercutir e receber acolhida em diversos juízos Brasil à fora. Sem saber (?) as referidas autoridades confundem nosso ordenamento com o ordenamento alemão. Uma confusão conveniente. Pois, ao mesmo tempo em que copiam (sem base jurídica para fazê-lo, eis que contra legem em território pátrio) requisitos da prisão preventiva na Alemanha, como se demonstrará mais adiante, “esquecem” que nas bandas germânicas, em regra, a prisão preventiva tem a duração máxima de até 6 (seis) meses. E quais seriam os requisitos utilizados na operação lava-jato, copiados da legislação alemã (utilizados implicitamente) e travestidos de legalidade com pedidos de prisão preventiva apresentados explicitamente sob as balizas do art. 312/CPP? Aqueles que a doutrina e jurisprudência alemã denominam de “fundamentos de prisão apócrifos” (apokryphe Haftgründe), no caso específico, a pressão da opinião pública; estímulo para facilitar a confissão e o estímulo para cooperação com as autoridades de investigação. [...] Diga-se mais. Nenhum acordo de delação pode ser considerado válido diante de alguém que se encontra preso (não é necessário dizer o que isso significa enquanto liberdade volitiva e vontade livre, em tais circunstâncias) com o propósito específico de estímulo para facilitar a confissão ou estímulo para cooperação com as autoridades de investigação, ambos fundamentos inidôneos e ilegais para a manutenção de prisões preventivas.[74]

Por outro lado, há os que entendem que uma coisa não tem nada a ver com a outra: prisão ocorre em razão da personalidade desajustada do infrator, em observância dos requisitos apontados pelo art. 312 do Código de Processo Penal, não servindo como meio coercitivo para a colaboração.

É o que se denota de Artigo publicado pelo Juiz Federal Sérgio Fernando Moro:

Nenhum dos três indivíduos foi preso ou processado para se obter confissão ou colaboração. Foram presos porque faziam do crime sua profissão. Tommaso Buscetta foi preso pois era um mafioso e traficante. Gravano, um mafioso e homicida. Chiesa, um agente político envolvido num esquema de corrupção sistêmica em que a prática do crime de corrupção ou de extorsão havia se transformado na regra do jogo. Presos na forma da lei, suas colaborações foram essenciais para o desenvolvimento de casos criminais que alteraram histórias de impunidade dos crimes de poderosos nos seus respectivos países. Pode-se imaginar como a história seria diferente se não tivessem colaborado ou se, mesmo querendo colaborar, tivessem sido impedidos por uma regra legal que proibisse que criminosos presos na forma da lei pudessem confessar seus crimes e colaborar com a Justiça. É certo que a sua colaboração interessava aos agentes da lei e à sociedade, vitimada por grupos criminosos organizados. Essa é, aliás, a essência da colaboração premiada. Por vezes, só podem servir como testemunhas de crimes os próprios criminosos, então uma técnica de investigação imemorial é utilizar um criminoso contra seus pares. Como já decidiu a Suprema Corte dos EUA, “a sociedade não pode dar-se ao luxo de jogar fora a prova produzida pelos decaídos, ciumentos e dissidentes daqueles que vivem da violação da lei” (On Lee v. US, 1952). Mas é igualmente certo que os três criminosos não resolveram colaborar com a Justiça por sincero arrependimento. O que os motivou foi uma estratégia de defesa. Compreenderam que a colaboração era o melhor meio de defesa e que, só por ela lograriam obter da Justiça um tratamento menos severo, poupando-os de longos anos de prisão. A colaboração premiada deve ser vista por essas duas perspectivas. De um lado, é um importante meio de investigação. Doutro, um meio de defesa para criminosos contra os quais a Justiça reuniu provas categóricas. Preocupa a proposição de projetos de lei que, sem reflexão, buscam proibir que criminosos presos, cautelar ou definitivamente, possam confessar seus crimes e colaborar com a Justiça. A experiência histórica não recomenda essa vedação [...][75]

Segundo o juiz, que está no comando da Operação Lava Jato, não é viável à sociedade e ao Poder Judiciário recusar as provas produzidas pelos supostos infratores.

Argumenta que os criminosos não se motivam a colaborar com as investigações por sincero arrependimento, mas sim em razão da estratégia construída por sua defesa.

Nesta linha, explica que a colaboração premiada deve ser observada por duas perspectivas: de um lado, é meio de investigação e, de outro, instrumento de defesa dos investigados ou acusados.

Do trecho destacado, ainda se pode inferir que, acaso sejam aprovadas leis para coibir a colaboração de quem está constrito provisoriamente, quem sairá perdendo será a sociedade, ante o desperdício de provas que poderiam ser produzidas com base nos relatos dos prováveis agentes delitivos.

Assim, em que pese o interesse dos meios de comunicação em divulgar o conteúdo dos acordos homologados e a discutível afetação que tudo isso causa à prisão provisória, é inegável que a colaboração premiada tem um papel de destaque na apuração dos delitos, contribuindo, e muito, para a justa e efetiva aplicação do Direito Penal.


9 QUANDO A PUBLICIDADE É ALIADA

No decorrer deste trabalho, foi repetido exaustivamente que a mídia, em seu processo de deturpação de informações, pode acarretar prejuízos à persecução penal.

Contudo, não se pode esquecer do fato de que a publicidade tem lá sua utilidade e pode sim ser aliada do processo criminal.

Um exemplo, que pode ser observado na fase investigatória, é o retrato falado:

Exemplo interessante de situação em que a publicidade – e não o sigilo – passa a ser essencial à eficácia das investigações policiais diz respeito à hipótese em que as autoridades policiais dispõem do retrato falado do criminoso, porém não sabem sua real qualificação. Nesse caso, é evidente que a publicidade dada ao retrato falado será extremamente importante, já que com a divulgação de tais imagens, talvez seja possível que a polícia venha a obter informações acerca da identificação do agente, assim como dados relativos acerca de sua possível localização.[76]

Conforme exposto acima, a divulgação de imagens de suposto infrator através do mecanismo do retrato falado é um ótimo instrumento ligado à publicidade, para que seja possível a obtenção de dados relativos à localização ou identificação deste.

Com enfoque no contexto atual da sociedade, tem-se outro exemplo de relevo, cuja menção se faz obrigatória neste tópico: a atuação do Juiz Federal Sergio Moro na Operação Lava Jato.

Para tanto, o Magistrado vem prestando um trabalho histórico na contenção da chamada corrupção sistêmica:

Também no evento, o juiz disse que é impossível dimensionar a corrupção no Brasil, mas, com base nos casos já julgados pela Operação Lava Jato, a situação atual indica uma possível prática de "corrupção sistêmica", ressaltando que casos de impunidade no Brasil geram um "ciclo vicioso". "Quando esses casos [de corrupção] são comprovados e a Justiça não dá uma resposta satisfatória, isso acaba sendo um incentivo de comportamento não só para aquela pessoa persistir na prática, mas igualmente às outras pessoas que vão sentir vontade de realizar também. (...) Passa a ver a corrupção como algo normal e, aí, ganha essa escala [de corrupção sistêmica]." Juiz Sergio Moro diz que Brasil tem 'corrupção sistêmica' e que não existe 'bala de prata' para resolvê-la.[77]

Analisando o sucesso da Operação Mãos Limpas (ou Mani Pulite) na Itália, o Juiz Sergio Moro escreveu um artigo no qual ressaltou que o recorrente fluxo de revelações sobre as investigações através da imprensa manteve o interesse do público elevado e os líderes partidários na defensiva.

Destacou:

A publicidade conferida às investigações teve o efeito salutar de alertar os investigados em potencial sobre o aumento da massa de informações nas mãos dos magistrados, favorecendo novas confissões e colaborações. Mais importante: garantiu o apoio da opinião pública às ações judiciais, impedindo que as figuras públicas investigadas obstruíssem o trabalho dos magistrados, o que, como visto, foi de fato tentado. Há sempre o risco de lesão indevida à honra do investigado ou acusado. Cabe aqui, porém, o cuidado na desvelação de fatos relativos à investigação, e não a proibição abstrata de divulgação, pois a publicidade tem objetivos legítimos e que não podem ser alcançados por outros meios. As prisões, confissões e a publicidade conferida às informações obtidas geraram um círculo virtuoso, consistindo na única explicação possível para a magnitude dos resultados obtidos pela operação mani pulite.[78]

Como visto no excerto citado, o apoio da sociedade, conseguido através da mídia, obsta que as figuras públicas, que detêm grande poder de influência, impeçam o trabalho dos magistrados.

Na mesma obra, ressaltou também que é através da opinião pública esclarecida que se é capaz de enfrentar as causas da corrupção:

É a opinião pública esclarecida que pode, pelos meios institucionais próprios, atacar as causas estruturais da corrupção. (...) a punição judicial de agentes públicos corruptos é sempre difícil, se não por outros motivos, então pela carga de prova exigida para alcançar a condenação em processo criminal. (...) a opinião pública pode constituir um salutar substitutivo, tendo condições melhores de impor alguma espécie de punição a agentes públicos corruptos, condenando-os ao ostracismo.[79]

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

A estratégia de Moro tem se mostrado extremamente eficaz, porque encontrou na mídia uma grande aliada para escancarar as atrocidades que têm sido praticadas na política, cercando, assim, os infratores, os quais, por possuírem grande poder de influência política e econômica acabavam por, até então, permanecer impunes.

Porém, com o enorme apoio social que conseguiu através da divulgação de informações pontuais ao povo, o magistrado conseguiu mobilizar multidões de manifestantes, descontentes com o governo, fato que, posteriormente desembocou na abertura de um processo de impeachment da então Presidente Dilma Rousseff.

Para contextualizar, segue texto retirado de livro que trata sobre os bastidores da Operação e demonstra uma suposta tentativa do Ex-Presidente Lula de obter o benefício do foro por prerrogativa de função, para, em tese, fugir da jurisdição de Moro:

O governo negou que tivesse essa intenção. A presidente Dilma deu uma entrevista naquela tarde, afirmando que o ex-presidente fora indicado para fortalecer o governo, e não em busca da prerrogativa de foro. “A troco de quê eu vou achar que a investigação do juiz Sergio Moro é melhor do que a investigação do STF?”, questionou. O anúncio da ida de Lula para o ministério parecia ser a notícia do dia, e as redações dos jornais trabalhavam em cima desse fato. No fim da tarde, alguns manifestantes se dirigiram ao Palácio do Planalto para protestar contra a nomeação. Foi quando estourou a bomba. O juiz Sergio Moro suspendera o sigilo dos diálogos gravados pela escuta legal decretada por ele nos telefones de Lula, de sua esposa, Marisa Letícia, de seu filho Fábio Luís, do Instituto Lula e da LILS Palestras. A Globonews foi a primeira a dar a notícia. Logo as transcrições e os áudios começaram a ser acessados pela imprensa no sistema que divulga todos os atos públicos do processo. Em uma conversa, que ocorrera naquele mesmo dia, aparecia a presidente Dilma Rousseff falando com o ex-presidente Lula. Ela também tinha sido gravada. O telefonema foi às 13h32:

– Alô – diz Dilma.

– Alô – responde Lula.

– Lula, deixa eu te falar uma coisa.

– Fala, querida. Ahn.

– Seguinte, eu tô mandando o ‘Bessias’ junto com o papel pra gente ter ele, e só usa em caso de necessidade, que é o termo de posse, tá?! – diz Dilma.

– Uhum. Tá bom, tá bom – responde Lula.

– Só isso, você espera aí que ele tá indo aí.

– Tá bom, eu tô aqui, fico aguardando.

– Tá?!

– Tá bom.

– Tchau.

– Tchau, querida – despede-se o ex-presidente.

A divulgação dessa conversa teve a força de mobilizar multidões. A questão que se impunha era: a presidente estava obstruindo a Justiça? Por que mandara o subchefe de assuntos jurídicos da Casa Civil, Jorge Messias (que na transcrição aparece como Bessias), levar o termo de posse para Lula no aeroporto? Nas ruas de Brasília, a manifestação rapidamente engrossou. Ao ouvir a conversa no rádio, na TV ou na internet, as pessoas saíam do trabalho e iam para o Palácio do Planalto. No começo da noite, eram mais de 5 mil que gritavam em coro na frente da sede do governo o imperativo do verbo renunciar: “Renuncia! Renuncia!” No Congresso, os oposicionistas repetiam a palavra de ordem das ruas. Além do Distrito Federal, os protestos se espalharam por 19 estados. A avenida Paulista, palco dos maiores atos contra a corrupção e a favor do impeachment, foi tomada por manifestantes. Mas aquele não era o único diálogo estarrecedor. Havia outros. Muitos outros. Com a divulgação dos áudios, as redações passaram a trabalhar em ritmo frenético. Apresentadores davam a notícia espantados. Em seu despacho, ao interromper a escuta legal, Sergio Moro disse estar agindo naquele caso exatamente como em todos os outros, suspendendo o sigilo e tornando os autos públicos para propiciar “não só o exercício da ampla defesa pelos investigados, mas também o saudável escrutínio público entre a atuação da Administração Pública e da própria Justiça Ciminal”. E concluiu: “A democracia em uma sociedade livre exige que os governados saibam o que fazem os governantes, mesmo quando estes buscam agir protegidos pelas sombras”.[80]

Assim, os meios de comunicação podem ser muito úteis, desde que utilizados com critérios pela justiça, podendo, inclusive, ajudar no trabalho do Poder Judiciário de prender infratores que possuem grande poder, especificamente os que ostentam grande influência política e que causam os maiores males à população, ante os desvios de quantias públicas extraordinariamente grandes, as quais poderiam ser implementadas nos serviços prestados à saúde e educação.

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CECHINEL, Liliana. A ingerência dos meios de comunicação na prisão preventiva. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5128, 16 jul. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/58882. Acesso em: 7 mai. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos